Visando população de baixa renda, vacina contra BCG é adaptada para cobrir a Covid-19

01 junho 2023 às 18h58

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Mesmo com a vacinação contra a Covid-19 tendo progredido rapidamente nos países desenvolvidos, apenas cerca de 16% da população nos países de renda baixa recebeu o imunizante até o ano passado. As informações foram divulgadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
No entanto, há uma perspectiva promissora para o avanço da imunização contra o coronavírus nessas regiões, graças a uma cepa geneticamente modificada do Bacilo Calmette-Guérin (BCG), originalmente utilizado como vacina contra a tuberculose. Essa nova cepa do BCG tem o potencial de ser produzida a um custo acessível.
Em um estudo publicado no Journal of Immunology, foi relatado que a bactéria modificada geneticamente produziu uma proteína quimérica contendo dois antígenos do Sars-CoV-2. Além disso, ela demonstrou proteger camundongos expostos ao vírus.
Esses resultados preliminares indicam que essa nova abordagem usando o BCG modificado pode ser uma estratégia eficaz para fortalecer a imunidade contra o coronavírus em países de baixa renda. Além disso, o baixo custo de produção dessa vacina poderia facilitar sua distribuição e torná-la mais acessível para essas populações.
“Os resultados foram animadores”, revela Sérgio Costa Oliveira, professor do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), que coordenou o estudo em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto Butantan, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“Não detectamos nenhum sinal do vírus no pulmão dos animais vacinados com a BCG recombinante, com o ensaio de formação de vírus em placas”, completa.
No estudo, os pesquisadores observaram que os antígenos do Sars-CoV-2 desencadearam a produção de anticorpos, que foram capazes de bloquear a ação viral. Segundo Oliveira, a vacina BCG possui a capacidade de estimular o sistema imunológico inato, preparando o organismo para combater não apenas a tuberculose, mas também outros patógenos.
Esse efeito, conhecido como efeito heterólogo, foi identificado como uma propriedade da BCG. Além disso, os pesquisadores constataram que a vacina BCG contribuiu para o aumento da atividade dos linfócitos T e dos macrófagos, que desempenham um papel importante na eliminação do Sars-CoV-2. Esses achados sugerem que a BCG pode desempenhar um papel relevante na resposta imunológica contra o coronavírus.
BCG
A vacina BCG foi desenvolvida em 1921 a partir do bacilo Mycobacterium bovis, que foi isolado de bovinos e apresenta semelhanças com o M. tuberculosis, o agente causador da tuberculose, porém é menos virulento.
De acordo com um artigo publicado em 2013 na revista Maedica – Journal of Clinical Medicine, cerca de quatro bilhões de pessoas receberam a vacina BCG, representando quase 60% da população mundial, com poucos efeitos colaterais.
Por esse motivo, a vacina BCG é considerada uma das mais seguras disponíveis. Além de seu uso na prevenção da tuberculose, a BCG também demonstrou efeito heterólogo, o que significa que pode ser utilizada no tratamento de outras doenças, sendo uma das terapias preferenciais para o câncer de bexiga.
Para modificar a vacina BCG, os pesquisadores introduziram uma sequência genética contendo os genes da proteína S, localizada na parte externa do Sars-CoV-2 e facilitadora de sua entrada nas células, juntamente com o gene do nucleocapsídeo (N), responsável por envolver e proteger o material genético do vírus.
Como resultado, o bacilo modificado passou a produzir uma proteína composta por esses dois antígenos do Sars-CoV-2. Para simular a ação do coronavírus em seres humanos, os pesquisadores utilizaram animais transgênicos que possuem o receptor humano (ACE2) para o Sars-CoV-2.
Ação
A proteína S, que se liga ao receptor humano ACE2 e facilita a entrada do vírus nas células, já é utilizada em aproximadamente 90% das vacinas contra a Covid-19. No entanto, devido à sua tendência a sofrer mutações, as vacinas precisam ser atualizadas periodicamente.
Por outro lado, a proteína N, por ser menos exposta ao sistema imunológico, é mais estável e menos propensa a mutações do que a proteína S, o que confere maior durabilidade à vacina.
No experimento realizado, a vacina BCG recebeu um reforço após 30 dias, quando a proteína quimérica, contendo tanto a proteína S quanto a proteína N, foi administrada juntamente com um adjuvante, que estimula a resposta imunológica. Essa estratégia visa potencializar a imunidade contra o Sars-CoV-2.
“O reforço foi fundamental para aumentar a imunidade dos roedores, que ficaram mais protegidos do que aqueles animais que receberam apenas o BCG, ou apenas a proteína com o adjuvante”, pontua o pesquisador.
Após o sucesso da prova de conceito, o pesquisador Oliveira planeja dar continuidade à pesquisa e adaptar a vacina para combater as variantes do coronavírus. Além disso, assim que possível, ele pretende iniciar os testes clínicos em seres humanos.
Vale ressaltar que durante a pandemia, houve um aumento significativo no número de mortes causadas pela tuberculose. Nesse contexto, a nova vacina tem o potencial de facilitar a imunização contra ambas as doenças simultaneamente, proporcionando uma abordagem integrada para a prevenção e combate a essas enfermidades.