Sífilis explode no Brasil e no mundo; saiba as possíveis causas
29 dezembro 2023 às 13h17
COMPARTILHAR
A sífilis, conhecida como “a grande imitadora” desde sua primeira aparição na década de 1490, apresenta uma capacidade singular de imitar outras infecções, tornando seus sintomas inicialmente fáceis de ignorar. Contudo, a negligência no tratamento pode resultar em consequências graves.
Em abril, os Estados Unidos divulgaram dados alarmantes sobre infecções sexualmente transmissíveis (IST), destacando um aumento de 32% nos casos de sífilis entre 2020 e 2021, o maior número de notificações em 70 anos. A sífilis congênita, transmitida de mãe para filho durante a gravidez, também apresentou um aumento significativo de 32%, representando uma ameaça séria à saúde dos recém-nascidos.
No Brasil, dados do Ministério da Saúde revelaram um crescimento de 23% na taxa de detecção de sífilis adquirida por 100 mil habitantes de 2021 para 2022. Entre 2012 e 2022, a taxa de detecção dessa forma de sífilis aumentou ano após ano, exceto em 2020, possivelmente devido à diminuição de diagnósticos durante a pandemia de covid-19.
A detecção de sífilis em gestantes também teve um aumento notável, passando de 28,1 casos a cada mil nascidos vivos em 2021 para 32,4 casos em 2022. O Ministério da Saúde respondeu a esse cenário adquirindo um novo teste rápido para sífilis e HIV, a ser distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para grupos de maior risco. Além disso, a preparação de profissionais de saúde para a prevenção será intensificada.
O governo federal do Brasil estabeleceu metas ambiciosas para controlar ou eliminar 14 doenças, incluindo a sífilis, até 2030, com ênfase na eliminação da sífilis congênita.
“Há 15 ou 20 anos pensávamos estar prestes a eliminar a sífilis”, diz Leandro Mena, diretor de prevenção de ISTs no CDC. “Não há dúvida de que estamos vendo taxas crescentes de sífilis, taxas que não víamos nos últimos 20 anos ou mais.”
Globalmente, a disseminação da sífilis, causada pela bactéria Treponema pallidum, preocupa profissionais e pesquisadores da saúde. A infecção, que passa por quatro estágios, pode resultar em doenças neurológicas e cardiovasculares em longo prazo se não for tratada adequadamente.
Nos últimos anos, tem-se observado um aumento nos casos de sífilis entre homens que fazem sexo com homens, representando 61,3% dos casos no Brasil em 2022. A faixa etária mais afetada é de 20 a 39 anos.
A razão de sexos, indicando o número de homens com sífilis para cada dez mulheres, aumentou de 0,6 em 2012 para 0,8 em 2022, refletindo uma participação crescente das mulheres nos casos, incluindo aqueles relacionados à gestação.
A transmissão da sífilis para um feto durante a gravidez pode resultar em consequências devastadoras, incluindo aborto espontâneo, partos prematuros, óbito neonatal e baixo peso ao nascer.
Nos Estados Unidos, as maiores taxas de sífilis congênita são observadas em mulheres negras e hispânicas. “Isso reflete a desigualdade e o racismo subjacentes que ainda temos na nossa saúde pública e na infraestrutura médica”, diz Maria Sundaram, pesquisadora associada do Marshfield Clinic Research Institute, no Estado de Wisconsin.
Mulheres vulneráveis, como aquelas desalojadas ou lutando contra o abuso de substâncias, também enfrentam significativo impacto da doença, sendo acentuado por desigualdades exacerbadas pela pandemia de Covid-19.
“O consenso na comunidade de saúde pública é de que o aumento das IST, incluindo a sífilis, está provavelmente relacionado à interrupção dos recursos de prevenção durante a pandemia”, aponta Sundaram.
Essas disparidades afetam o acesso a locais de teste para Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), a habilidade de comunicação na língua local, entre outros fatores. Um estudo no Brasil identificou uma ligação entre mulheres negras com baixos níveis de escolaridade e maiores taxas de sífilis congênita.
Em muitos casos, as mulheres encontram dificuldades no acesso a cuidados pré-natais adequados que permitam a detecção precoce da sífilis. Um estudo no condado de Kern, Califórnia, revelou que fatores como situação migratória, falta de seguro médico e experiência de violência sexual ou doméstica influenciam significativamente a busca por cuidados pré-natais, com destaque para o impacto desproporcional em mulheres de origem hispânica, latina ou espanhola.
Na Austrália, um estudo de 2020 indicou um aumento alarmante de quase 90% nas taxas de sífilis em comparação com 2015. Pesquisadores no Japão investigaram mudanças nas práticas sexuais, apontando uma associação significativa entre o uso de aplicativos de namoro e a incidência de sífilis, principalmente relacionada ao aumento do sexo casual desprotegido.
Observações na cultura jovem japonesa revelaram uma tendência crescente entre profissionais do sexo de não usar preservativos, com clientes frequentemente evitando testes para ISTs. A resistência aos antibióticos é uma preocupação crescente, mas a penicilina continua sendo o tratamento mais eficaz.
Para combater a sífilis, autoridades de saúde destacam a importância de mais testes, campanhas de conscientização para combater o estigma associado à doença e educação pública para promover práticas sexuais mais seguras.
“Somos criaturas sociais, por isso não deveríamos ficar mais constrangidos por um diagnóstico de IST do que um de gripe”, diz Crossman. “Estamos tentando mudar o foco dos testes de ISTs como algo assustador para algo que faz parte do bem-estar sexual, uma parte importante de ter uma vida sexual segura e agradável”.
Até o momento, os cientistas não conseguiram encontrar uma explicação única para o rápido aumento na incidência da sífilis em comparação com outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).
Não existem evidências robustas que indiquem que as cepas em circulação tenham adquirido maior virulência, conforme afirmado por Mena. Além disso, a resistência aos antibióticos não parece ser significativamente ampliada para explicar os picos observados na incidência da doença, conforme destacado por especialistas.
Leia também: