Operadoras atraem clientes para planos de saúde ‘armadilhas’

05 junho 2023 às 17h18

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Operadoras de planos de saúde têm incentivado clientes a aderirem aos planos empresariais, em vez de optar pelos planos individuais. A razão é a Lei 3.656, de 1998, que regulamenta o serviço e permite mais reajustes e cancelamentos unilaterais no caso dos planos coletivos. Uma análise dos dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) feita pelo Jornal Opção revela que, em Goiânia, planos empresariais foram cancelados 268% mais do que os individuais ou familiares.
Os cancelamentos unilaterais já são objeto de questionamento em todo o Brasil. Em 19 de maio, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) abriu investigação contra a Unimed Nacional, após uma série de denúncias de cancelamentos unilaterais dos planos de pacientes com autismo, cujo tratamento é extenso e dispendioso. A Lei 3.656 permite que empresas cancelem os planos coletivos, caso haja previsão em contrato.
Segundo dados da ANS, o número de beneficiários dos diferentes tipos de contratações da Unimed Goiânia é semelhante: 161.778 beneficiários em planos empresariais e 158.112 em individuais. Entretanto, até 2 de junho de 2023, mas muito mais clientes dos planos empresariais foram cancelados: 4.190, contra apenas 1.561 nos planos individuais ou familiares. Isto é, 2,5% dos contratos de planos empresariais da Unimed Goiânia foram cancelados, enquanto apenas 0,98% dos contratos individuais foram cancelados.
Outro recorte significativo é o de crianças e idosos, dependentes ou aderidos aos diferentes tipos de contrato, que são cancelados. Desde o início dos registros, a Agência Nacional de Saúde Suplementar registrou que a Unimed Goiânia cancelou 942 contratos para crianças ou idosos nos planos empresariais e 590 nos planos familiares. Proporcionalmente, isso significa que, no universo das contratações empresariais, 2% dos cancelados têm menos de 18 ou mais de 61 anos. No grupo dos contratos individuais ou familiares, apenas 0,9% dos cancelados são crianças ou idosos.
A explicação
As razões para o fenômeno são explicadas por Roberto Augusto Pfeiffer, do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). “A população está envelhecendo e o custo da medicina subiu”, afirma o professor. “Hoje, você tem novas alternativas de tratamentos e medicamentos, e o direito de acesso aos procedimentos caros frequentemente tem de ser garantido na Justiça.” Neste cenário, a oferta de planos coletivos e empresariais aumentou, justamente porque são menos regulados pela ANS.
O professor Roberto Pfeiffer afirma que, apesar de a mensalidade inicial dos planos coletivos ser menor, esse tipo de contratação sofre muito mais reajustes. Isso acontece porque a Lei 3.656 estabelece um limite de reajustes apenas para os planos familiares, mas não há teto para os coletivos empresariais. “É praticamente uma armadilha”, diz Roberto Pfeiffer.
O professor alerta ainda para o fenômeno dos “planos falsos coletivos”. Ele explica que os planos empresariais às vezes envolvem empresas com milhares de funcionários, mas às vezes são planos feitos para empresas pequenas. As operadoras perceberam que os beneficiários de pequenos planos coletivos têm muito menos poder de negociação. “Na prática, essas pessoas têm de se submeter aos reajustes impostos.” A Unimed Goiânia anunciou em maio um plano empresarial para CNPJs com dois funcionários.

Lei em reformulação
Há mais de dezessete anos, tramita no Congresso um Projeto de Lei (PL) para reformular o texto de 1998 que regula os planos de saúde no país. Mais de 260 propostas e adendos já foram apensados ao PL, que hoje tramita em regime de urgência para análise em plenário na Câmara dos Deputados.