Em uma quinta-feira comum, Júlia de Carvalho Lima Carmo, 24, estava bem, super alegre e feliz com a reforma da casa própria. Segundo a sogra, Priscila Gonçalves da Silva, Júlia estava deixando a casa com a cara dela. Nesse mesmo dia a sogra conta que ela começou a convulsionar. Ela conta que Júlia estava bem na última quinta-feira, 10, quando, de repente começou a sentir uma dor de cabeça normal. “Eu cheguei fui visitá-los, e ela estava bem, conversando. A gente brincou — super alegre, feliz, né? Tá reformando a casa do jeito que ela sempre sonhou”, disse.

De repente, 40 minutos depois o filho dela ligou desesperado dizendo que a Júlia, sua nora, começou a convulsionar. “Entrou em convulsão muito forte. Ela já estava dentro do carro, então ele só segurou a boca dela e a língua pra não enrolar, e correu para o HUGO. Chegou lá, ela deu entrada na semi-intensiva [ambiente intermediário entre a enfermaria e a UTI], ficou internada. Fizeram tomografia e exames de sangue”, relatou. Priscila lembrou que um pouco antes havia marcado uma viagem para Caldas Novas, Goiás: “Era aniversário do meu filho no domingo,13”.

A jovem teve um quadro de encefalite herpética viral. É o mesmo vírus da herpes, só que ele vai pelo líquor da medula até o cérebro. O agravamento do estado de saúde de Júlia reacende a discussão dos riscos relacionados a detecção e tratamento do herpes-vírus. “Queremos ver esse sorriso lindo logo, logo”, lamenta Priscila. De acordo com a médica infectologista do Hospital Albert Einstein Goiânia, Fernanda Pedrosa Torres, sem o tratamento, a mortalidade da encefalite por herpes-vírus tipo 1 pode chegar a 70%. Com tratamento, pode cair para cerca de 20%, dependendo do estudo.

Segundo a sogra de Júlia, no hospital, entraram com medicação para a crise, para epilepsia. “Ela tomou essa medicação na sexta-feira às 6h da manhã e às 18h. No sábado, simplesmente suspenderam a medicação. Ela começou a convulsionar de novo e teve 10 crises no sábado. Por volta das 15h, trocaram a medicação, deram só um sedativo. E ela continuou convulsionando. Na madrugada de sábado para o domingo, ela continuou em crise. No domingo de manhã, ela teve uma convulsão muito forte e prolongada — durou quatro minutos”, relatou.

Depois dessa situação, os familiares decidiram tirar ela e levar, mesmo sem condições financeiras, para o hospital particular, porque Júlia corria risco de vida. “Júlia tem 24 anos, uma menina extremamente saudável, atlética, alimentação controlada. Nada justificava o quadro. Conseguimos transferi-la para o Hospital Ortopédico. Na transferência, foi entubada e sedada. Chegou lá e foi direto para a UTI em estado gravíssimo”, disse. “Foi feita uma bateria de exames, incluindo punção lombar — para examinar o líquor e descartar meningite e outras doenças virais”, completou.

“O resultado deu positivo para herpes — encefalite herpética viral. É o mesmo vírus da herpes, só que ele vai pelo líquor da medula até o cérebro, e chega rápido. Ela teve lesão expressiva no lado esquerdo do cérebro e uma pequena no lado direito. Agora está sendo acompanhada pela infectologista e neurocirurgiã especialista em doenças raras, Dra. Ana Moura, responsável pelo tratamento da Júlia. Também com apoio de outro neurologista, especialista em epilepsia, que imediatamente trocou a medicação para crises epilépticas e iniciamos o tratamento antiviral”, afirmou Priscila.

Como funciona a doença

A médica infectologista do Hospital Albert Einstein Goiânia, Fernanda Pedrosa Torres, afirmou que a meningite viral tem sido amplamente divulgada devido ao aumento de casos. Segundo ela, existem dois grandes tipos principais de meningite: as infecciosas, que podem ser causadas por vírus, bactérias ou fungos. “Dentro das causas virais, especialmente em adultos, o herpes-vírus é uma das principais causas. A meningite por herpes-vírus pode ser causada tanto pelo tipo 1 quanto pelo tipo 2. O tipo 1 está mais associado ao herpes labial, enquanto o tipo 2 está mais ligado ao herpes genital”, apontou.

A especialista comentou que o paciente pode ter um quadro isolado de meningite, encefalite ou meningoencefalite, que é quando há inflamação tanto das meninges, quanto do cérebro. Fernanda Pedrosa comentou que a encefalite representa um acometimento cerebral maior, com risco aumentado de complicações como alterações de comportamento e crises convulsivas. “O tratamento da meningite ou meningoencefalite por herpes-vírus exige internação hospitalar para monitoramento e manejo de complicações. Se houver crises convulsivas, é necessário administrar anticonvulsivantes para controlar os sintomas. Para tratar o vírus, utiliza-se aciclovir por via endovenosa, com duração de 14 a 21 dias. Menos tempo de tratamento aumenta o risco de recorrência. A via oral não é ideal, pois a resposta é inferior”, completou.

A especialista ainda disse que um ponto que normalmente as pessoas desconhecem é que mesmo assintomático, pode transmitir, vale para herpes oral e genital também (para o herpes tipo I e tipo II).

Atualmente, não há vacina disponível no Brasil para herpes-vírus tipo 1 ou tipo 2, embora existam estudos em andamento, disse a médica.

Sintomas que devem ser observados

Sobre os sintomas que justificam encaminhamento médico, a infectologista explicou que pode haver crises convulsivas de ausência, com movimentos repetitivos involuntários em um membro, como mão ou braço, que podem se generalizar. “Na meningoencefalite, os principais sintomas incluem febre, dor de cabeça intensa e desproporcional, alteração do estado mental (confusão, desorientação, agressividade), distúrbios de linguagem (afasia), rigidez de nuca e vômitos associados à dor de cabeça”, disse.

A especialista alertou que a tríade clássica da encefalite é febre, dor de cabeça e alteração do nível de consciência. Crises convulsivas e afasia podem ou não estar presentes. A febre ocorre em cerca de 70% a 80% dos casos, dor de cabeça em 65%. “Avaliação clínica é essencial. Mesmo com sintomas atípicos, como dor de cabeça intensa sem febre, é importante procurar atendimento médico”, ponderou.

“Toda infecção do sistema nervoso central é considerada uma urgência médica. O tratamento precoce com antivirais ou antibióticos melhora o prognóstico. Sem tratamento, a mortalidade da encefalite por herpes-vírus tipo 1 pode chegar a 70%. Com tratamento, pode cair para cerca de 20%, dependendo do estudo. O diagnóstico é feito por punção lombar para análise do líquor. O herpes tipo 2 pode causar lesões orais e genitais, sendo transmitido por contato sexual. O vírus permanece latente no corpo e pode ser reativado por fatores como estresse, exposição solar, doenças, câncer ou uso de medicamentos imunossupressores”, finalizou Fernanda Pedrosa Torres.

Números registrados

A Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO) informou ao Jornal Opção que Goiás registrou, neste ano, 28 casos de meningite viral foram confirmados, sendo que 2 casos evoluíram para óbito. A SES ressaltou que monitora a ocorrência dos casos dos diversos tipos de meningite que tendem a aumentar em alguns períodos do ano. No entanto, a investigação realiza a identificação de três tipos de agentes: virais, bacterianos e fúngicos. Até a presente data, a pesquisa dos agentes virais (tipos de vírus) não é realizada pela SES-GO, apontou.

A secretaria recomendou que a população observe os cuidados com a etiqueta respiratória, evite locais com aglomeração de pessoas e mantenha o cartão de vacinação atualizado. A meningite é um processo inflamatório que atinge as meninges, membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal. Ela pode ser causada por diferentes agentes etiológicos, como bactérias, vírus, fungos e parasitas. As meningites bacterianas e virais são as mais importantes do ponto de vista da saúde pública, pela magnitude de sua ocorrência e potencial de produzir surtos.

“No Brasil, a meningite é considerada uma doença endêmica e por isso, casos são esperados ao longo de todo o ano, com a ocorrência de surtos e epidemias eventuais. A SES reforça ainda que, apesar de casos serem esperados, a vacinação adequada, com elevadas taxas de coberturas vacinais, diminuem a chance de casos graves e óbitos consideravelmente, mesmo com a possibilidade de surtos”, disse nota.

Leia também: Aedes aegypti com bactéria natural não transmitem dengue, zika e chikungunya; entenda técnica que será usada no Entorno de Brasília