Hanseníase continua alta em Goiás; preconceito prejudica diagnóstico e tratamento
19 janeiro 2024 às 11h14
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No último domingo de janeiro, 28, comemora-se o Dia Mundial de Combate e prevenção da Hanseníase. A data é celebrada sempre no último domingo de janeiro. Foi instituída pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e tem como finalidade controlar a doença, promover o diagnóstico e o tratamento corretos, difundir informações e desfazer o preconceito. Em 2020 e 2021, houve uma redução de 35,47% nos números de casos registrados em Goiás. Já em 2022, o Estado ainda apresentava alto número de casos (927). Os municípios com maiores concentrações da doença são: Goiânia, Aparecida de Goiânia, Trindade, Senador Canedo, Jussara e Nova Crixás. No último ano, as informações ainda não foram divulgadas pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-GO).
“Infelizmente a redução do número de casos novos de hanseníase observada durante a pandemia de COVID-19 não indica maior controle da doença e apenas reflete a falta de busca e acesso ao diagnóstico e tratamento devido, entre outras causas, ao isolamento proposto para evitar disseminação da COVID-19”, explicou Mariane Martins de Araújo, professora titular de Imunologia do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Ela destaca ainda que nesse período houve absoluta concentração dos esforços dos serviços de saúde pública em diagnosticar e cuidar dos pacientes com COVID-19, em detrimento de outras doenças, infecciosas e não infecciosas, não só da hanseníase. “O estado de Goiás é considerado uma área de alta endemicidade para hanseníase, ou seja, o número de novos casos é considerado alto”, explicou Mariane. Ela alerta sobre a necessidade de realizar campanhas educativas que divulguem amplamente informações sobre a transmissão e sintomas doença, facilitando o acesso ao diagnóstico e tratamento, interrompendo a transmissão antes que o paciente tenha sequelas irreversíveis.
A hanseníase é uma doença que pode apresentar, dentre outros sintomas, manchas na pele com tonalidades claras ou avermelhadas, mudanças na sensibilidade à dor, ao calor e ao toque, sensação de fisgadas, choques, dormência e formigamento ao longo dos nervos dos membros, perda de pelos em algumas áreas e redução da transpiração, dor no trajeto dos nervos periféricos e redução ou perda da força muscular. Trata-se de enfermidade de diagnóstico principalmente clínico, baseado nos sinais e sintomas.
O diagnóstico precoce é fundamental para a prevenção de incapacidades físicas, responsável pelo estigma milenar da hanseníase. O tratamento é gratuito e realizado através da administração de um conjunto de antibióticos (poliquimioterapia – PQT), disponível nas Unidades Básicas de Saúde.
A SES/GO, através da Coordenação de Doenças Negligenciadas, realiza ações no primeiro mês do ano, marcado como janeiro roxo. “Este ano, considerando que ainda precisamos aumentar a detecção precoce dos casos, faz-se necessária uma força-tarefa entre os gestores municipais, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas de unidades de saúde do estado de Goiás, promoverem ações para educação em saúde e detecção de casos novos, contribuindo com o diagnóstico precoce, a quebra da cadeia de transmissão e a prevenção das incapacidades físicas, maior estigma da hanseníase”, disse a Secretaria Estadual de Saúde.
Tratamento e diagnóstico
Diagnosticar precocemente todos os casos, tratar, curar e devolver os doentes sem deformidades à sociedade é uma das melhores medidas para combater o estigma e preconceito de uma doença antiga. “A nossa principal arma contra o preconceito é a informação”, explica Mariane Martins.
Para a professora, é importante esclarecer que a hanseniase é uma doença infecciosa causada por uma bactéria que acomete a pele e os nervos periféricos. “A sua transmissão ocorre de pessoa-para pessoa envolvendo paciente não tratado e principalmente seus contactantes dentro da mesma residência. Assim, as pessoas que compartilham moradia com um paciente não tratado, tem risco maior de se infectar e desenvolver a doença”.
A hanseníase é tratável e curável. O tratamento, oferecido gratuitamente na rede pública, envolve antibióticos, cuja duração depende da carga bacteriana do paciente. Importante destacar que após a primeira dose, o paciente não transmite mais a doença. Diagnosticar e tratar precocemente são medidas essenciais para um quadro efetivo de melhora.
A partir do ano de 2022, o novo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas introduziu uma nova ferramenta auxiliar no exame de contatos intradomiciliares. Trata-se do teste rápido ML flow, já amplamente distribuído gratuitamente nas unidades básicas de saúde, de fácil execução e sem a necessidade de equipamentos para sua análise, O exame veio para contribuir na prevenção e controle da doença, através do rastreamento das pessoas que tem mais chances de adoecer.
O Brasil é o segundo país no mundo em número de casos novos de hanseníase, perdendo apenas para a Índia e é o pais mais acometido nas Américas. Sendo assim, Mariane explica que o Brasil precisa investir mais em informação e estratégias que promovam o acesso ao diagnóstico e tratamento. “Esperamos que o teste rápido para hanseníase recomendado pelo Ministério da Saúde contribua para o diagnóstico precoce e tratamento, que são os pilares para a interrupção da transmissão da doença”.
“A hanseníase tem tratamento e cura, porém, quando não é diagnosticada e tratada no início da doença, pode causar neuropatias periféricas levando a incapacidade física e deformidades irreversíveis que podem provocar improdutividade no trabalho, o que certamente piora a situação socioeconômica dos acometidos”, pontuou a professora.
Mariane cursou mestrado e doutorado em Microbiologia e Imunologia pela Universidade Federal de São Paulo. Realizou estágios de pós doutorado no Centro de Treinamento e Pesquisa em Imunologia da Organização Mundial da Saúde (OMS) na Suiça e nos EUA.
Preconceito reflete desinformação
A hanseníase está registrada na história da humanidade há milênios. Há evidências arqueológicas que sugerem a presença da doença em esqueletos humanos de diferentes culturas antigas. Popularmente conhecida como “lepra”, a hanseníase é mencionada em textos antigos, como o Código de Hamurabi, que data de cerca de 1750 a.C, e também na Bíblia Sagrada.
No entanto, a doença provavelmente existe desde muito antes desses registros escritos. Ao longo da história, a hanseníase foi frequentemente estigmatizada e mal compreendida, levando ao isolamento e estigmatização das pessoas afetadas. Historicamente, a doença foi associada a diversas culturas, e diferentes sociedades desenvolveram abordagens variadas para lidar com os afetados.
A hanseníase começou a ser mais bem compreendida no século XIX, especialmente após a descoberta do Mycobacterium leprae, a bactéria responsável pela hanseníase, por Armauer Hansen em 1873. Desde então, avanços significativos foram feitos no diagnóstico, tratamento e compreensão da hanseníase.
A identificação permitiu o desenvolvimento de antibióticos específicos para o tratamento da doença, como dapsona, a rifampicina e a clofazimina. A introdução da Terapia Multidrogas, que é a combinação de vários medicamentos antibióticos, também revolucionou o tratamento dos pacientes. Além disso, o avanço no diagnóstico, a desmistificação da doença, uma abordagem mais integrada de saúde e a redução do isolamento compulsório foram importantes medidas para o avanço no tratamento.