Fevereiro é um mês marcado em duas datas pelo combate ao câncer. No dia quatro se celebra o dia mundial de combate à doença, e no dia 15 existe um foco específico na conscientização sobre o câncer infantil. Como a doença é uma das principais causas de óbito mundo afora, tanto em adultos quanto em crianças, existe mobilização especial no combate, prevenção e conscientização sobre a doença. 

Em Goiás, não é diferente: instituições públicas e privadas oferecem um gama de tratamentos para todas as idades, com índices de cura e sobrevida crescentes conforme o passar das décadas. A tendência é de que, apesar da demanda cada vez maior, o estado consiga não apenas atender sua população, mas se torne também um polo de tratamento regional, absorvendo parte da demanda nacional.  

O Instituto Nacional do Câncer (Inca) define a enfermidade homônima como conjunto de “mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células, que invadem tecidos e órgãos”. Os tumores podem surgir em qualquer parte do corpo, com diferentes níveis de agressividade. Os principais tratamentos disponíveis para os diversos tipos de tumores envolvem quimioterapia, radioterapia, cirurgias e transplante de medula óssea. Em muitos casos, múltiplas modalidades de tratamento devem ser conjugadas. 

Dados da instituição federal apontam que o câncer infantojuvenil é a principal causa de morte por doenças entre pessoas de 1 a 19 anos e a segunda causa geral, atrás apenas de acidentes automotivos. Conforme revelado pelo instituto, 8% das mortes por doença nessa faixa etária estão ligadas ao câncer. Uma estimativa feita pelo Inca aponta que, entre 2023 e o final de 2025, quase oito mil novos casos de câncer infantojuvenil devem ser registrados no Brasil. Desses novos registros, cerca de 4,2 mil casos devem acometer meninos, enquanto 3,7 mil devem atingir meninas.

Dados de 2020 do Ministério da Saúde mostram que foram registrados, em todo o país,  2.280 óbitos em jovens de 0 a 19 anos devido ao câncer. Segundo levantamento da pasta, os procedimentos ligados ao câncer pediátrico cresceram nos últimos anos. Pensando em quimioterapia, em 2021 foram 16.059 sessões, em 2022 o número foi de 15.798 procedimentos voltados para combate do câncer infantil e em 2023 as sessões de químio alcançaram a marca de 17.025. Pensando em cirurgias ligadas aos tumores,  em 2021, foram 10.108 procedimentos em crianças e adolescentes, em 2022 o número chegou a 10.115 e em 2023, o recorde dos últimos anos com 10.526.

Apesar dos números alarmantes, os levantamentos do instituto garantem que o câncer pediátrico representa cerca de 3% do total de novos registros da doença entre adultos e crianças. 

O tratamento

“Quanto mais cedo é feito o diagnóstico, melhor o tratamento, mais sucesso de cura e menos efeito colateral das medicações”, explica a hematologista pediátrica da equipe do Hemolabor, Leandra Paiva Queiroz. A especialista reforça os dados oficiais quanto à maior ocorrência de leucemias, linfomas e câncer de sistema nervoso central,

Ela orienta os pais quanto ao diagnóstico precoce, que se coloca como maior aliado durante o tratamento. “85% das crianças com diagnóstico precoce são curáveis”, destacou. 

Leandra Paiva Queiroz, hematologista pediátrica do Hemolabor l Foto: Divulgação.

A atenção dos responsáveis pelas crianças aos sintomas é vital. Dores de cabeça irregulares, caroços persistentes, indisposição prolongada, mudanças de comportamento e palidez são alguns dos sinais aos quais os guardiões têm de ficar alerta. Conforme a hematologista pediátrica, “os casos de hereditariedade são muito raros” e os fatores que levam à ativação do gene responsável pela reprodução disforme das células ainda são incertos. Dessa forma, a atenção aos sintomas e agilidade na busca por ajuda médica se reafirmam como forma mais efetiva para conseguir um diagnóstico precoce.

Leandra explica que um dos pontos centrais da recuperação é a postura dos pais ou responsáveis perante ao tratamento. “Se o pai está tranquilo, se a mãe está segura, se ela está calma, a criança fica calma”, resumiu. A principal preocupação em casos de câncer infantil é minimizar as dores da criança e, nesse sentido, a parte técnica do tratamento “tem melhorado bastante”.

A hematologista pediátrica exemplifica: “No primeiro ano de tratamento da leucemia, a gente tenta afastar ela [a criança] da escola pelo risco de infecção, mas depois, no segundo ano, ela já vai para escola”. Em casos que requerem mais atenção (mais comuns em crianças mais novas), a restrição de atividades pode ser mais recorrente, mas Leandra garante que “ela [a criança] não está isolada do mundo”. Com a adoção de cuidados básicos para evitar infecções, muitas das atividades cotidianas dos pacientes podem continuar, principalmente em adolescentes. 

Por fim, a especialista garante que “o tratamento básico de 85% das crianças é feito em qualquer centro que todo estado possui”. Em alguns casos, o procedimento específico do transplante de medula óssea pode estar mais acessível fora de Goiás, mas a rede pública do estado é capaz a grande maioria dos casos. Com a inauguração do Complexo Oncológico de Referência do Estado de Goiás (Cora), esse cenário tende a mudar. 

Vanuza Maria Rosa, hematologista no Hospital Araújo Jorge, redobra a importância das visitas regulares ao pediatra, reforçando o papel de um diagnóstico precoce em um eventual tratamento. A especialista detalha que não existem comportamentos de risco que levem ao surgimento do câncer em crianças, diferente do que acontece em adultos (tabagismo, alimentação e outros), portanto, a única forma de se prevenir é com o diagnóstico precoce. 

Nesse sentido, ela destaca: “Hoje, na pediatria [do Araújo Jorge], não temos fila de espera e não exigimos que a criança venha com exames de diagnóstico”. Apesar de reconhecer os avanços da medicina nas últimas décadas, a especialista afirma que “o maior obstáculo de qualquer serviço especializado hoje é a demanda”. Segundo Vanuza, alguns tratamentos mais pontuais “como no caso de alguns subtipos de retinoblastoma, que exige uma quimioterapia específica”, por exemplo, exigem mobilização fora do estado. A hematologista pediátrica garante que, mesmo nesses casos, o Sistema Único de Saúde oferece tratamento “sem ônus para os pacientes”. 

Vanuza Maria Rosa, hematologista pediátrica do Araújo Jorge l Foto: Divulgação.

Para além do impacto físico, Vanuza fala sobre o impacto social que o tratamento traz para o paciente e para a família. Ao falar sobre as restrições que a doença impõe no dia a dia, a hematologista pediátrica fala em “adoecimento social”, destacando a necessidade de uma equipe multidisciplinar para verdadeiramente acolher e cuidar. “Câncer não é uma sentença, é um diagnóstico. Tem acolhimento e tem tratamento”, concluiu. 

Câncer em dados

Dados do Ministério da Saúde, divulgados pela Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO), revelam que nos últimos quatro anos, pelo menos, 2014 crianças morreram devido a algum tipo de câncer em Goiás. Em 2021, foram registrados no estado 534 casos de câncer infantil e 51 óbitos, em 2022, foram 444 novos registros e 53 mortes registradas, e no ano seguinte, 2023, foram 455 casos da doença contra 51 óbitos.

Dados parciais do ano passado destacam 222 novos casos da doença em Goiás, contra 59 óbitos de crianças registrados devido ao câncer. Vale lembrar que esses são resultados parciais, ou seja, os números podem subir após atualização do Ministério da Saúde. 

As informações compartilhadas pela SES-GO mostram ainda a incidência dos tipos mais comuns de câncer infantil. Dos registros feitos entre 2021 e 2024, a leucemia, o câncer do sistema nervoso central, e os linfomas não Hodgkin foram os tipos de câncer que mais acometeram crianças no estado de Goiás. Ao todo, foram 181 casos de leucemia, 108 de câncer ligado ao sistema nervoso central e 96 registros de linfoma não Hodgkin. 

Apesar do topo do ranking já estar definido, outros tipos da doença foram destacados no levantamento como neoplasias malignas da glândula suprarrenal, dos olhos, do rim, dos ossos e também o carcinoma da pele. Cada um desses tipos da doença registrou dezenas de casos em Goiás nos últimos quatro anos.  

A superintendente de Políticas e Atenção Integral à Saúde da SES-GO, Amanda Limongi, explica que os pacientes conseguem ser encaminhados a um dos hospitais públicos especializados no tratamento do câncer através de qualquer unidade da rede. Atualmente, as duas grandes referências citadas por ela foram o Hospital das Clínicas e o Araújo Jorge, na região metropolitana de Goiânia. No interior do estado, o Hospital do Câncer de Rio Verde e o Hospital Estadual de Itumbiara foram alguns exemplos citados pela representante da SES-GO.

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Limongi explica que existe um protocolo de rastreamento de suspeita de câncer, voltado para a pediatria, sendo implantado na rede estadual. “A gente já tem um cronograma de treinamentos para os profissionais de saúde, tanto da atenção primária quanto das unidades hospitalares”, garantiu. Dessa forma, a ponta do sistema público de saúde se capacita ainda mais, buscando sempre um diagnóstico precoce. 

Nas raras ocasiões em que a rede estadual não consegue realizar determinados procedimentos, como transplante de medula óssea, em tempo hábil, existe a possibilidade de conseguir suporte do governo para buscar tratamento fora do estado. Uma vez que a consulta em outro estado estiver agendada, o paciente “tem a possibilidade de conseguir diária, de conseguir o traslado”, colocou Limongi.

Com a inauguração do CORA, o estado deve ser capaz de realizar todos os procedimentos e até receber parte da demanda nacional. “Já tivemos o processo seletivo dos profissionais”, compartilhou a superintendente. A expectativa é de que o treinamento da equipe comece no mês de abril.

Cora

De acordo com levantamento mais recente da Secretaria de Estado da Infraestrutura de Goiás (Seinfra-GO), o Cora está com cerca de 75% das obras concluídas. A pasta se mostra confiante na inauguração do complexo ainda no primeiro semestre deste ano, seguindo indicações da Fundação Pio XII, responsável pela condução das obras. 

A unidade de saúde referência será inaugurada em três etapas. Na primeira, “será entregue a Ala Infanto-Juvenil, com 19.281,77 m², um total de 48 leitos, sendo 6 de UTI, 13 no TMO (Transplante Medula Óssea), 10 leitos cirúrgicos e 19 leitos clínicos”, conforme informa a pasta. Na segunda etapa, vem a unidade para tratamento de adultos, com aproximadamente 28 mil m², e um total de 100 leitos, sendo 40 leitos da enfermaria cirúrgica e 40 enfermarias clínica e 20 UTIs. Por fim, na etapa três, será inaugurada a unidade de prevenção, com mais 2 mil m² de área construída.

Para além dos serviços de internação, cirurgia oncológica infantil (também com neurocirurgia) e ortopedia pediátrica oncológica, o Cora vai oferecer atendimento ambulatorial com quimioterapia, consultas com especialistas (10 modalidades), e acompanhamento multiprofissional (Educador Físico, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutricionista, Psicologia, Odontologia oncológica, e Terapeuta ocupacional). Se soma a essa estrutura os Serviços de Apoio Diagnóstico e Terapêutico, com exames de colonoscopia, doppler, ecocardiograma, radiografia, ressonância magnética, tomografia computadorizada e ultrassonografia. 

A SES-GO informa que “quando a primeira etapa do Cora (infantojuvenil) estiver inaugurada, estão previstas, por mês, 276 cirurgias, 700 consultas médicas, 1.400 consultas multiprofissionais e 59 internações. Após a inauguração da ala adulta, na segunda etapa, “ o número de cirurgias ao mês deve saltar para 345”, com  “6.700 consultas médicas/mês, 8.600 consultas multiprofissionais/mês e 552 internações hospitalares/mês, totalizando uma média de 15.300 consultas/mês”. 

Com a inauguração completa, o Cora vai se tornar uma referência no tratamento do câncer em todo o país, absorvendo parte da demanda direcionada a outras unidades, como o Hospital do Amor, em Barretos.