“Foi só escurecendo e, de repente, perdi tudo”: Catarata é a principal causa de cegueira no mundo; entenda como funciona a cirurgia

15 fevereiro 2025 às 21h19

COMPARTILHAR
“Eu só via uma luzinha muito pequena de um olho só”, compartilhou Lucilene Oliveira com o Jornal Opção a experiência que a catarata forçou em sua vida. No início, a visão era normal, mas, a partir de 2018, começou a embaçar aos poucos. “Já fazia muito tempo que a minha vista estava escurecendo, sabe? E eu nunca ia atrás, nunca me importava”, contou.
A primeira tentativa de tratamento aconteceu diretamente em uma ótica, com o teste de visão comum. Sem saber do diagnóstico de catarata, ficou mais de um ano usando um óculos, que não serviu para nada. Quando foi de fato buscar ajuda profissional adequada, de um oftalmologista, a demora para conseguir atualizar sua documentação e conseguir encaminhamento fez com que Lucilene ficasse cega por completo. “Foi só escurecendo, escurecendo, e, de repente, perdi tudo”, pontuou.
Foi mais de um ano usando óculos e outro ano para conseguir ser encaminhada ao Centro de Referência em Oftalmologia (Cerof) da Universidade Federal de Goiás (UFG), onde o tratamento é realizado de forma 100% gratuita. Uma vez dentro da unidade, que é ligada ao governo estadual, a cirurgia para catarata saiu em cerca de seis meses, contou a dona de casa de 45 anos. Apesar de reconhecer o médico e as enfermeiras apenas pela voz, Lucilene destaca o carinho e atenção que recebeu de toda a equipe durante o tratamento: “Serviço foi muito bem feito”.

“Assim que eu tirei o tampão, meu Deus!!! Foi uma surpresa, estava vendo tudo já”, com pouco mais de duas semanas para recuperação, a visão da paciente retornou. Lucilene não relata dor nem na cirurgia, nem no pós-operatório. Ao contar do misto de medo da cegueira e alegria da recuperação, ela exemplifica um cotidiano tranquilo: “Eu enfio a linha na agulha, eu escrevo, eu leio”.
Leia também: Regulação de vagas do Cerof começa a ser administrado pelo Governo Estadual
UFG inicia projeto para mapear diabetes na população do estado
Em números
O primeiro Relatório Mundial Sobre a Visão, documento organizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019, aponta que pelo menos 2,2 bilhões de pessoas no mundo possuem uma deficiência visual em algum nível ou cegueira. Desse montante, pelo menos um bilhão enfrentam problemas que poderiam ter sido evitados ou que ainda não foram tratados.
Dados da OMS apontam que a catarata é responsável por 51% dos casos de cegueira em todo o mundo. A Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), por sua vez, traz esse dado para o Brasil com cerca de 550 mil novos casos da doença a cada ano.

Dados do Ministério da Saúde disponibilizados pela Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) mostram que, em 2024, foram feitas oito cirurgias de catarata em pessoas de 40 anos ou mais a cada 100 mil habitantes do estado. Em 2020, foram 436 procedimentos a cada 100 mil habitantes, ou seja, Goiás registra alta na capacidade de combate à catarata. A média da região Centro-Oeste, por exemplo, é de 713 cirurgias a cada grupo de 100 mil habitantes.
Cuidados
O oftalmologista Daniel Costa, que atende na Fundação Banco de Olhos de Goiás (Fubog), coloca a catarata como “processo de disfunção e opacificação do cristalino” e que, apesar de natural, pode ser antecipado por alguns fatores como impactos na região do olho, uso de alguns medicamentos e doenças anteriores que se associam. “Todo mundo vai ter catarata”, lamentou o médico.
Segundo conta o especialista, os primeiros sintomas visíveis seriam uma baixa visual progressiva, diminuição do contraste, uma dificuldade em ver letras tanto à distância quanto perto e uma diminuição do brilho. Para ele, a melhor forma de lidar com a catarata é realizando consultas anuais a um oftalmologista, principalmente quando já se tem uma idade mais avançada.

Reforçando a importância da atenção de um especialista, Costa é categórico ao afirmar: “Não existe medicamento, não existe colírio que vá tanto prevenir a catarata quanto tratar a catarata. É uma condição cujo tratamento é cirúrgico”. Independente do quanto a doença já avançou, todo cenário pode ser revertido com a cirurgia. O oftalmologista destaca os avanços tecnológicos que permitem, mesmo em casos de atendimento tardio e outras disfunções afetando os olhos, a realização segura do procedimento contra a catarata. Vale destacar, entretanto, que “outras condições oculares associadas impossibilitam a cirurgia”.
Como cuidados pós-operatório, o médico afirma que o mais comum são 15 dias de repouso, evitar pegar peso, abaixar a cabeça ou fazer esforço físico, além do “uso de colírios antibióticos e antiinflamatórios para evitar a infecção e ajudar na cicatrização”.
Apesar do Sistema Único de Saúde (SUS) garantir que “o paciente tenha toda a assistência e que ele não precise ir para fora do estado”, Costa reconhece que “existe toda a burocracia, existe a fila e a regulação” que podem retardar esse atendimento. O maior problema está no encaminhamento para consulta com o oftalmologista, que pode demorar de 6 meses a um ano, enquanto a fila para a cirurgia em si gira em torno dos três aos seis meses de espera.
Por fim, o especialista garante que, apesar da baixa qualidade de vida que o paciente tenha, “a cirurgia resolve independente do agravamento”.
Cerof
O professor de Oftalmologia da UFG Marcos Ávila, que também é presidente do Conselho Diretor do CEROF/UFG, explica que “a catarata é uma calcificação da lente natural que as pessoas têm, o cristalino” e que não existem práticas de prevenção. A doença é algo que surge naturalmente em todos nós. “É um processo degenerativo das proteínas que estão dentro do próprio cristalino”, resumiu.
O especialista compartilha que a catarata é a principal causa de cegueira em todo mundo, mas “felizmente é uma causa de cegueira reversível com cirurgia”. Normalmente, os pacientes que precisam desse tipo de procedimento já têm mais de 60 anos, entretanto, alguns fatores como impactos ou uso indevido de alguns medicamentos podem fazer surgir a doença antes desse período.

Apesar dos efeitos e da proporção que a doença atinge, Ávila tranquiliza: “a oftalmologia de Goiás é uma das mais desenvolvidas do Brasil, em especial no setor público”. Ao invés de mandar pacientes para fora do estado em busca de tratamento específico, Goiás recebe essa demanda de outros estados, até mesmo para procedimentos mais delicados e específicos. Para ele, o maior desafio presente é a ampliação da “nossa capacidade de atendimento” que, apesar de já ser alta, poderia ser mais rápida e oferecer tratamentos mais específicos para outras doenças.