Contrariando especialistas em saúde mental no país, o Governo Lula tem mantido o apoio às comunidades terapêuticas (CTs), incentivadas pela gestão de Jair Bolsonaro. Há um mês, o Ministério do Desenvolvimento Social publicou uma portaria em que prevê a ampliação do número de acolhimentos em entidades de tratamento de dependentes de álcool e drogas contratadas até 2026. O incentivo ao acolhimento está previsto no Plano Plurianual (PPA) entregue por Lula em agosto, explicitando o embate dentro do governo sobre o tema.

A portaria nº 907 aprova o Planejamento Estratégico Institucional do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) para os anos de 2023 – 2026. No texto, estão previstas ações com a “missão de superar a fome, reduzir a desigualdade social e garantir a dignidade, a inclusão, a proteção socioassistencial às pessoas em situação de vulnerabilidade social”.

Entre as metas anunciadas no anexo IV está a contratação de vagas em CTs, ainda sem informação de quantas nem onde serão, já que é necessário lançar edital para habilitar as entidades, também sem data prevista. No texto, o termo “comunidades terapêuticas” não aparece. O que temos é o seguinte:

Meta 4.55 – Ampliar o número de acolhimentos em Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas contratadas pelo Governo Federal, até 2026.

Meta 4.56 – Capacitar pessoas na temática de álcool e outras drogas, até 2026.

Meta 4.57 – Realizar estudos e pesquisas com foco na avaliação da política de acolhimento de pessoas dependentes de álcool e outras drogas, até 2026.

Atualmente, há duas mil comunidades terapêuticas no país, de acordo com último Censo, que está sendo atualizado. O governo federal financia 14.948 vagas em 602 entidades. Há um mês, mais de cem associações de saúde mental e de militância antimanicomial escreveram uma carta ao presidente Lula cobrando mudanças e uma reunião sobre o tema.

Em janeiro, foi criado o Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas no Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, dando continuidade à política pública potencializada nos últimos anos. Em maio, o nome mudou para Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas (Depad), com o objetivo de “redução da demanda de drogas” e um orçamento de R$ 273 milhões.

A contratação pelo governo federal de vagas nas comunidades começou em 2010, no programa Crack, é possível vencer, do Ministério da Justiça. Nos governos Michel Temer e, principalmente, Jair Bolsonaro, a política foi ampliada. Em 2020, 27 mil pessoas foram acolhidas, num investimento de mais de R$130 milhões naquele ano.

As comunidades ganharam força em 2016, quando o Ministério da Saúde permitiu que se cadastrassem no SUS para ter isenção de impostos. O modelo ganhou apoio popular nos últimos, tendo como principal porta voz o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que foi ministro da Cidadania na gestão de Bolsonaro. Segundo Terra, o modelo de comunidades traz resultados melhores que o sistema de saúde tradicional por causa do isolamento e da abstinência total.

Críticas ao modelo

Conforme dados fornecidos pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, nos últimos cinco anos, houve aumento de 182% nas emendas parlamentares destinadas a essas instituições. Em 2020, foram destinados R$27,8 milhões; em 2021, o montante saltou para R$40,5 milhões; em 2022, R$36,4 milhões; em 2023, R$53,6 milhões (até maio).

Para participantes do debate, no entanto, o acréscimo de dinheiro público não resultou em melhor eficiência no tratamento da saúde mental. “Ao longo destes últimos cinco anos não tivemos melhora de nenhum indicador na área de saúde mental. Durante esse período, houve aumento do uso de álcool e de drogas e de taxas de suicídio”, disse o representante do Ministério da Saúde, Marcelo Kimati.

Para o psiquiatra, é preciso pensar em um modelo flexível para atender os usuários de drogas, que acompanhe a pessoa ao longo do tempo necessário a sua reabilitação. De acordo com Kimati, a criação de novos leitos hospitalares não resolve o problema dos mais de 15 milhões de brasileiros que vivem nessa situação.

Segundo o Ministério da Saúde (MS), a prioridade da pasta é a “expansão e qualificação dos serviços de saúde mental”. O orçamento da Rede de Atenção Psicossocial foi ampliado em 27%, segundo o MS. Hoje existem 2.857 Centros de Atenção Psicossocial, 870 Serviços Residenciais Terapêuticos, e o novo PAC prevê a abertura de mais 200 centros, segundo a pasta.

Os críticos ao modelo de comunidades terapêuticas não descartam que a espiritualidade é importante no tratamento. O problema é quando essa fé é imposta aos internos como pressuposto de cura.

Fiscalização

A atual rede de apoio aos usuários de álcool e outras drogas financiada pelo poder público é formada pela iniciativa privada, com a atuação das comunidades terapêuticas; e pelo SUS, por meio de unidades de acolhimento e centros de atenção psicossocial.

Para a representante do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) na audiência, Dayana Rosa, um dos principais problemas de se manter comunidades terapêuticas na rede pública é a precariedade de fiscalização.

Em levantamento feito pelo IEPS, entre 2017-2022, nos contratos da parceira público-privada foi identificado que a fiscalização ficava a cargo de conselhos (nacionais, estaduais e municipais) sem que houvesse a presença da sociedade civil, ou era terceirizada para outra empresa privada.

Para Dayana Rosa uma possível solução seria concentrar esse tratamento no SUS, desabilitando as comunidades de pactuar com poder público. “No SUS, a gente consegue controle social, transparência, consegue observar os direitos humanos, fortalecê-los e até aumenta-los. Conseguimos, mais de que tudo, a liberdade”, disse.