Cientistas criam padrão global para medir gasto energético e avançar no combate à obesidade

26 setembro 2025 às 08h10

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Um grupo internacional de cerca de 80 pesquisadores de 18 países, incluindo o Brasil, estabeleceu uma padronização inédita para estudos de gasto energético em modelos experimentais, como roedores. O trabalho foi publicado na revista Nature Metabolism e propõe regras e unidades uniformizadas para análises de calorimetria indireta, em substituição ao método de dividir taxas metabólicas pelo peso corporal.
A normatização busca resultados replicáveis e comparáveis, além de possibilitar a criação de bancos de dados que possam ser analisados por técnicas avançadas, como inteligência artificial. A expectativa é que o novo padrão facilite o desenvolvimento de testes pré-clínicos de fármacos voltados para aumentar o gasto calórico, abrindo caminho para novas estratégias de combate à obesidade e a doenças metabólicas.
Segundo o médico Licio Augusto Velloso, diretor do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC), sediado na Unicamp e financiado pela FAPESP, a falta de padronização dificultava a avaliação de medicamentos com potencial de estimular o gasto energético. “O ideal no tratamento da obesidade é combinar a redução do apetite com o aumento do gasto de energia. O problema era a ausência de critérios uniformes para medir esse gasto”, disse.
Na última década, terapias com análogos do hormônio GLP-1, como a semaglutida e a tizerpatida, avançaram no controle da obesidade por atuarem no sistema nervoso central e digestivo, reduzindo a fome. Ainda falta, porém, o desenvolvimento de medicamentos capazes de induzir termogênese em células do tecido adiposo, promovendo perda de peso.
O artigo apresenta um conjunto de unidades padronizadas para os experimentos: consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono (ml/h), gasto energético (kcal/h), ingestão energética (kcal/h), ingestão de água (ml/h), atividade física (metros) e razão de troca respiratória.
Os testes costumam ser realizados em câmaras respirométricas, que medem oxigênio, gás carbônico, temperatura corporal e movimentação dos animais. Cada unidade custa cerca de US$ 30 mil, e laboratórios costumam possuir de 10 a 12 equipamentos.
De acordo com o professor José Donato Junior, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e também autor do estudo, a ausência de critérios comuns levava a resultados divergentes entre pesquisas. “Cada laboratório apresentava os dados de forma diferente. O objetivo foi reunir um consórcio internacional para propor um padrão com respaldo científico”, afirmou.
Os pesquisadores citaram como exemplo a análise de genes relacionados à composição corporal e ao diabetes tipo 2. Em estudos com camundongos, a remoção de determinados genes mostrou impacto no peso corporal, mas as conclusões variavam em função dos métodos empregados.
A partir da publicação, o grupo pretende difundir as normas em congressos e propor que revistas científicas da área passem a exigir o padrão para avaliação de artigos.
Segundo o Atlas Mundial da Obesidade 2025, mais de 1 bilhão de pessoas vivem com a doença, associada a 1,6 milhão de mortes prematuras por ano. No Brasil, estima-se que 31% da população seja obesa e que entre 40% e 50% dos adultos não pratiquem atividade física de forma adequada.
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