Vida real: confira a história de dois PMs de Goiás feridos ao combater criminosos (parte I)

12 novembro 2023 às 00h17

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Fala do tenente Castro, ferido em combate: “Não tem coisa melhor do que saber que você está protegendo as pessoas de bem, que você está sendo útil. Não me arrependo de minha decisão, feita há 18 anos. Pelo contrário, cada dia mais me apaixono por essa profissão honrosa. Sou muito feliz por vestir a farda da Policia Militar de Goiás”.
Ao assumir seu primeiro mandato como governador em 2019, Ronaldo Caiado (União Brasil) prometeu pôr fim a criminalidade no Estado de Goiás. A segurança pública era a principal bandeira do gestor estadual. Com quase um ano do segundo mandato, ele continua enfatizando o tema como a menina dos olhos do seu governo.
Em 2023, os indicadores mostram que os índices de criminalidade despencaram no Estado. Os dados do primeiro trimestre divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) colocam Goiás no topo entre as unidades da federação que mais reduziram os crimes. Ronaldo Caiado inclusive formalizou um bordão que caiu na graça da população: “Ou o bandido muda de profissão, ou muda de Goiás”. Sabe-se que alguns líderes do crime organizado receiam agir no Estado. Sugerem que a política é “dura” e “profissional”.
Porém, a forma de agir da Polícia Militar goiana tem gerado críticas por parte de ONGs e adversários políticos do governador, uma vez que na maioria das ações policiais supostamente somente os suspeitos levam a pior. A polícia goiana é constantemente acusada de truculência em suas abordagens e de proceder de maneiras à margem da lei. Pouco se fala que há um sistema preventivo, operado com base em Inteligência, que tem evitado crime e, daí, choques.
Para compreender o lado policial dessa história, o Jornal Opção fará algumas reportagens com a intenção de mostrar os dramas vividos pelos homens que juraram dar a vida, se preciso for, para defender a população. São policias feridos em confrontos, afastados por problemas psicológicos, e familiares de soldados que faleceram em decorrências desses enfrentamentos armados. A imprensa pouco — ou nada — registra a respeito. As pessoas que defendem os direitos humanos — e elas são necessárias, até vitais — nunca visitam um policial ferido ou a família de um policial assassinado por criminosos. As viúvas têm de se consolar com suas famílias e se quedam esquecidas, com seus filhos.
Na primeira parte da reportagem, o Jornal Opção ouviu o segundo tenente Castro e o cabo Clécio Rocha — que participaram de uma operação na GO-139 entre Corumbaíba (GO) e Paracatu (MG) e foram feridos. Três criminosos foram mortos pelos policiais do COD. Para os policiais, o confronto armado não é determinado pela polícia, e sim pelos criminosos. “Somente revidamos, na mesma proporção. Por sermos mais preparados do que os marginais, quase sempre levamos a melhor, o que é o normal”, dizem. Sublinhe-se que, por vezes, os policiais atiram com revólveres e pistolas e os criminosos com fuzis e metralhadoras.

O segundo tenente Castro, de 37 anos, faz parte do Comando de Operações de Divisas (COD). O militar goianiense relata que ingressou na Polícia Militar como soldado por meio de concurso em 2005. É casado há quatro anos com a policial major Alessandra, que integra o quadro de psicologia da corporação. O tenente possui várias graduações em seu currículo.
O policial conta que, quando decidiu fazer o concurso para a PM, não teve apoio dos pais. Revoltada, sua mãe ficou cerca de seis meses sem conversar com o militar. Castro lembra que os pais ficam apreensivos quando um filho decide pela profissão de policial devido aos riscos de chegar a morrer em algum confronto com criminosos.
Para o militar, a Polícia Militar de Goiás é umas das mais bem-preparadas do Brasil. Com constantes aperfeiçoamentos e cursos em parceria com o Ministério da Justiça. Os policiais são incentivados a fazê-los porque auxiliam em possíveis promoções. “Desde quando entrei para a PM sempre fiz os cursos indicados e de capacitação, o que agregou bastante conhecimentos. Hoje sou instrutor de identificação veicular tanto para cursos especializados quanto para os novos soldados.”
Durante os 18 anos que defende a população, o tenente já passou por várias situações de perigo em ocorrências. Em três ocasiões, os confrontos armados e intensos foram inevitáveis. Alguns policiais foram alvejados pelos criminosos. Num caso, o tiro pegou no colete. Outros não tiveram a mesma sorte, como foi o caso do próprio tenente Castro.

A última dessas ocorrências se deu no dia 22 de setembro na GO-139, na região da Ponte Quina Mariano, entre as cidades de Corumbaíba (GO) e Paracatu (MG). O policial diz que, pelo fato de o COD ter uma abrangência maior em relação às fronteiras do Estado, a Polícia Civil de Minas Gerais entrou em contato com o comando informando sobre as características dos três homens que estavam aterrorizando a cidade mineira.
Somente nos 15 dias antes do confronto, os criminosos haviam assassinado oito pessoas nas cidades de Ouvidor e Paracatu, de acordo com os policiais de Minas Gerais. Castro pontua que os indivíduos possivelmente pertenciam a uma grande facção criminosa, por causa das características dos homicídios praticados por eles. As execuções foram feitas com armamento pesado. Tais armas foram utilizadas no confronto com os policiais. “Ao que tudo indica, os suspeitos já esperavam por uma abordagem policial.”
As informações davam conta de que os criminosos atentaram contra a vida de dois homens e uma mulher no dia 20 e que os suspeitos teriam se deslocado rumo ao Estado de Goiás. De posse das referências, o COD montou uma operação na região leste, sul e sudeste e no entorno de Brasília para tentar localizá-los.
O tenente relata que sua equipe, composta por quatro policias em uma S-10, identificou um veículo que correspondia aos aspectos repassados pelos colegas mineiros. Contudo, explica o policial, é muito complicado esse tipo de abordagem, porque normalmente os criminosos usam um veículo clonado, isto é, um carro roubado em que se coloca uma placa de um automóvel que não foi roubado, ou seja, a mesma placa tem dois veículos trafegando com ela, o roubado e o não roubado.
Segundo o tenente, ao avistar o carro e sabendo que os ocupantes poderiam ser de alta periculosidade, foi preciso fazer uma aproximação para identificá-los. Entretanto, após o reconhecimento e a tentativa de abordagem, os policiais foram surpreendidos com rajadas de pistolas de 30 munições, das quais duas acertou o tenente; uma no braço saindo no ombro, outra do lado esquerdo da cabeça, e um projétil atingiu o braço direito do motorista da viatura.
Mesmo com o braço ferido, o cabo Clécio Rocha, o condutor da viatura,conseguiu dar continuidade à perseguição. Castro relembra que no momento que sentiu o tiro ficou uns 40 minutos meio que aéreo, porém achou que a bala teria passado de raspão por sua testa. O tenente sublinha que, ao recobrar a consciência, continuou firme dando apoio aos colegas.
Castro narra que durante a perseguição — que durou uma média de duas horas —, os marginais saíram pela janela do Onix que utilizavam e fizeram disparos contra a S-10 dos policiais. Nesse momento de tensão, os homens da lei precisam proteger a vida dos civis que trafegavam normalmente pela rodovia.
“Além de nos proteger, precisamos resguardar a vida das pessoas. Já os marginais não estão preocupados com a vida de ninguém, exceto a deles. O que eles querem, nesses momentos, é matar os policiais e se livrar da prisão ou da morte. Para tanto, fazem qualquer coisa. Os policias não dão tiro a esmo. Se eu alvejar um cidadão de bem, seria uma tristeza muito grande para mim. Por isso, cada disparo nosso é pensado”, assinala o policial.
Ao alcançar o carro dos criminosos, o policial conta que conseguiram alvejá-los e os três morreram no local. “Graças a Deus nenhum motorista que passava pela rodovia sofreu ferimento. Foi uma troca de tiro muito intensa, somente do lado dos indivíduos foram encontrados no interior do veículo quatro carregadores vazios, sendo que dois eram de 30 tiros e dois de 15, o que significam 90 tiros.”
Depois de aproximadamente duas horas — ao finalizar a operação e com a chegada da ambulância do Samu —, o tenente, ao ser deitado na maca, teve a primeira de cinco convulsões. Castro recebeu os primeiros atendimentos em Corumbaíba, onde ficou sabendo que a bala não tinha sido de raspão e estava alojada na sua cabeça.
O policial conta que de Corumbaíba foram levados para Caldas Novas, onde uma aeronave do Corpo de Bombeiros de Goiás já os aguardava para levá-los para o Hospital de Urgência de Goiânia (Hugo). No hospital, Castro foi imediatamente entubado e ficou em coma. “Não tenho religião, mas acredito muito em uma energia positiva, por isso não tenho dúvidas de que o que ocorreu comigo foi realmente um milagre.”
De acordo com os relatos do tenente, outra evidência de um milagre foi, ao ser transferido para o Hospital Santa Mônica, ser atendido por dois dos melhores neurocirurgiões do Brasil. Eles estavam de plantão no hospital. “Tudo contribuiu para que desse tudo certo em minha cirurgia e a retirada do projétil de uma nove milímetros acontecesse sem maiores complicações”, diz, ainda emocionado.
Para o militar, quem tem que perder a vida em um confronto não é o policial. Para evitar perdas, a polícia goiana está preparada tanto com armamentos de precisão quando psicológica e tecnicamente. No entanto, de acordo com o PM, a polícia não chega atirando em ninguém. “Somos treinados para preservar a vida de quem quer que seja. Nosso primeiro contato sempre é por meio do diálogo. Não saímos para matar, não somos assassinos. Nossa missão é prender o criminoso. Porém, infelizmente, nem sempre somos atendidos e, às vezes, precisamos usar a força. Ao contrário do policial, o marginal não se importa com a vida de ninguém, muito menos a de um policial”, frisa.
Depois de três dias em coma e mais dez em observação, após o procedimento cirúrgico, Castro assegura que viu a morte de perto por vários momentos.
O policial encontra-se de atestado médico — em um ritmo bom de recuperação. Contudo, garante que voltará aos trabalhos assim que for liberado. “Não tem coisa melhor do que saber que você está protegendo as pessoas de bem, que você está sendo útil. Não me arrependo de minha decisão, feita há 18 anos. Pelo contrário, cada dia mais me apaixono por essa profissão honrosa. Sou muito feliz por vestir a farda da Policia Militar de Goiás”, pontua Castro.
Defender o cidadão de bem: missão de Clécio
Clécio Rocha tem 32 anos e é natural do Estado da Bahia. Clécio conta que sempre sonhou em ser policial. Por isso, prestou o concurso em Goiás, aos 21 anos. O PM é formado em Contabilidade, mas diz que o que sempre quis fazer foi defender a população de bem. “Sempre admirei o trabalho policial, para mim são heróis.”
Há 11 anos nos quadros da PM, Clécio se tornou cabo por tempo de serviço. O militar é divorciado e tem uma filha. Ele conta que a separação se deu porque a ex-esposa não quis se mudar do interior para a capital em decorrência de uma transferência. “Ela não quis me acompanhar na minha caminhada.” O cabo sublinha que os pais não o apoiaram. No entanto, estava decidido a se tornar um policial. “Meus pais sempre acharam que eu poderia ter outra atividade, mais segura, porém faço o que gosto. Isto é o que importa.”

Clécio comenta que é bem aceito na comunidade onde mora. Na sociedade em geral, o militar percebe uma boa aceitação, apesar de algumas críticas esporádicas. Clécio foi o motorista da viatura do COD que participou da operação para prender os três suspeitos que foram mortos em confronto com a polícia.
Mesmo discreto, o PM reclama da burocracia que impera no sistema de segurança. “Muitas vezes um flagrante perdura de 8 a 12 horas, até a audiência de custódia, na qual o suspeito fala o que quer, induzindo, em alguns casos, o Judiciário a abrir procedimentos contra o policial. Mas essas coisas não tiram meu entusiasmo em dificultar a vida dos marginais.”
Clécio Rocha revela que, durante a perseguição aos criminosos na GO-139, levou um tiro no braço que usava para fazer a troca de marchas da caminhonete S-10, o que ocasionou uma saída de pista em alta velocidade. Mas, com as técnicas aprendidas em treinamentos e a capacidade de pensar e agir rápido, conseguiu devolver o carro para a pista.
“Foi muito tenso. Os marginais não paravam de atirar contra nós e meu braço sangrava e doía muito. Olhei para o meu colega do lado e achei que estava morto, pois havia levado um tiro na cabeça. Toda essa situação e adrenalina alta me motivavam a continuar a perseguição. A S-10 ficou toda furada, inclusive no para-brisa.”
O militar retornou às atividades. Pporém, com prejuízos físicos, uma vez que, desde o dia do tiroteio, faz uso contínuo de analgésicos para conter as dores, pois a bala transfixou e está alojada nas costelas. “Se as dores persistirem, serei obrigado a realizar a retirada do projetil.”
Questionado a respeito de na maioria das vezes somente os suspeitos perderem a vida em confrontos com a polícia, o PM corrobora a opinião do tenente Castro. Ele sustenta que os policiais estão mais bem-preparados e são audazes no combate aos criminosos. “Combatemos o crime por vocação, às vezes pondo a nossa vida em risco. Mas sabemos que somos policiais e que nossa missão é proteger a sociedade. Não podemos nos omitir.”
Clécio Rocha diz que as situações de perigo só o motivam a continuar. Segundo o cabo, tudo é utilizado em benefício de outras ações por parte da polícia no combate à criminalidade. Embora o policial aponte que alguns colegas de farda faleceram — tanto por conta de ferimentos em confrontos quanto por problemas psicológicos —, não pensa em desistir. “É o risco que corremos e sabemos disso.”
Alerta, cenas fortes. Veja o vídeo: policias feridos. Eis o mundo real
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