Uma em quatro crianças estará acima do peso em 2030
18 dezembro 2022 às 00h00
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Há mais de 20 anos a Organização Mundial da Saúde (OMS) monitora, orienta e define metas para que países combatam a obesidade, um problema crônico de saúde pública. Entretanto, o rápido crescimento da proporção de obesos na população e o alastramento desse mal para regiões que anteriormente tinham baixo percentual de pessoas com sobrepeso indicam o fracasso dos planos para lidar com a questão. O relatório World Obesity Atlas 2022, principal divulgação mundial dos dados sobre o assunto, aponta que em 2030, uma a cada cinco pessoas terá algum grau de obesidade.
Dados alarmantes
Segundo o Atlas, em 2020, mais de 650 milhões de adultos perderam qualidade de vida devido ao alto índice de massa corporal (IMC), e estima-se que em 2030 o número de obesos passe de 1 bilhão. Também em 2030, a obesidade entre as crianças vai afetar 23% daqueles entre cinco e nove anos de idade. No Brasil, o ritmo com que a obesidade na infância aumenta é considerada uma das maiores do mundo: a incidência cresce 3,8 pontos percentuais por ano. Em 2030, a prevalência da obesidade entre mulheres será de 33% e de 25% entre homens.
A mortalidade causada por doenças relacionadas à obesidade, como ataques cardíacos e a Covid-19, causaram em todo o mundo uma perda somada de 160 milhões de anos de vida em 2019. Isso representa mais de 20% de todos os anos perdidos de vida saudável causados por doenças crônicas evitáveis. No Brasil, o impacto da obesidade na saúde pública é de 181 bilhões de dólares por ano.
Sendo um problema tão grave e dispendioso de saúde pública, as medidas para combater seu crescimento têm dado resultados frustrantes. Por ser causado por múltiplos fatores, a cientistas consideram que a solução também deve atacar várias áreas, modificando ambientes urbanos, regulamentando o marketing de alimentos, conscientizando mães a respeito de hábitos de vida saudáveis durante o período de gestação e amamentação, entre outros.
O que causa a obesidade
Glaucia Carielo Lima é Professora na Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás (Fanut-UFG) e vice-coordenadora do Grupo de Estudos da Obesidade (Geo). A cientista explica que a obesidade é uma doença com diversas causas. Pode ter origem genética; é influenciada pela vida intrauterina (a privação de alimento da mãe durante a gestação aumenta a predisposição para que a criança seja obesa); tem relação com a alimentação durante a primeira infância; pode ser causada pelo consumo de alimentos ultraprocessados, pelo sedentarismo, entre muitos outros fatores.
“Vivemos em um ambiente que desestimula a alimentação saudável”, comenta Glaucia Lima. “Frear o crescimento da incidência de obesidade não pode ser entendido como escolha individual, mas sim como questão de saúde pública. Muitos fatores independem da decisão pessoal, como a disponibilidade de alimentos in natura baratos em feiras e mercados. Há ainda questões econômicas, como a obrigação de consumir alimentos prontos e rápidos.”
“Fatores culturais ainda não são bem regulados, como a propaganda persuasiva de alimentos ultraprocessados voltada para crianças – um grupo vulnerável que não consegue compreender as consequências do consumo daquele produto”, afirma a nutricionista. Essas consequências podem durar a vida toda, já que a obesidade é uma doença crônica, cujo tratamento não tem duração determinada.
“As pessoas precisam compreender o tratamento como tal”, diz Glaucia Lima. “O estigma da obesidade faz que as pessoas demorem a procurar ajuda profissional, pois pensam que o problema é culpa dela, que deve ser enfrentado sozinho. Precisamos lembrar que todas as doenças devem ser enfrentadas com auxílio profissional.”
Por que a obesidade cresce
A obesidade infantil tem crescido por diversos fatores. A probabilidade de uma criança ser obesa aumenta quando seus pais são obesos, portanto o crescimento da incidência da obesidade na população geral predispõe os menores de nove anos à condição. As pesquisas têm revelado o consumo de alimentos ultraprocessados por crianças com menos de dois anos de idade. Segundo Glaucia Lima, o consumo de alimentos ultraprocessados na infância causa modificações permanentes na região do cérebro (hipotálamo) responsável pela sensação de saciedade.
Os smartphones também têm parcela de culpa pelo sedentarismo, explica a cientista. “Durante o primeiro ano de vida, a recomendação é que a criança jamais seja exposta à tela. Mas essa não é a realidade, os pais ainda não estão conscientes dos possíveis problemas causados. As telas também são responsáveis por reduzir a atividade física na vida das crianças e dos adolescentes.”
Soluções
Combater esses problemas não é tão simples. Mesmo que se conscientize os jovens da importância dos hábitos da vida ativa, é necessário oferecer condições para a prática dos esportes. Com a violência urbana e sensação de insegurança – principalmente em regiões periféricas, desproporcionalmente afetadas pelo sobrepeso – a predisposição a atividades ao ar livre diminui. “Temos academias ao ar livre e ciclovias nos parques centrais da cidade. Essas políticas atingem as periferias da cidade?”
Programas como Crescer Saudável, do Ministério da Saúde, propõe desde 2017 um conjunto de ações a serem implementadas com o objetivo de enfrentar a obesidade infantil no país. O programa distribui guias, materiais e cursos sobre nutrição, educação física e saúde para as crianças matriculadas na Educação Infantil (creches e pré-escolas) e Ensino Fundamental. Entretanto, ainda é necessário fazer mais, diz Glaucia Lima. “Precisamos lutar para que as escolas estejam livres da publicidade infantil. Não é questão prejudicar a indústria dos alimentos, como muitas vezes ouvimos, mas a propaganda voltada para vulneráveis deixa muito difícil o combate a qualquer problema.”
Em outubro deste ano, entraram em vigor as novas regras para rotulagem de alimentos, considerada um avanço por nutricionistas. Além de mudanças na tabela de informação e nas alegações nutricionais, a novidade é a adoção da rotulagem nutricional frontal, que deve constar na frente da embalagem. A ideia é esclarecer o consumidor, de forma clara e simples, sobre o alto conteúdo de nutrientes que têm relevância para a saúde.
Segundo Glaucia Lima, um dos objetivos mais urgentes para resolver o problema é combater o estigma e a associação da obesidade com questões morais. “Quem sofre com essa doença deve buscar um profissional da saúde especializado na área. A vergonha atrapalha e retarda o tratamento. Aqueles que não sofrem com a obesidade também devem se envolver, prevenindo a doença desde o início da vida.”