Demitido da Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc), Professor Alcides estaria inelegível. De acordo com uma decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2021, qualquer servidor público demitido em decorrência de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) torna-se automaticamente inelegível, salvo se o ato for suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário.

Com base nessa decisão, Alcides Ribeiro Filho, mais conhecido como Professor Alcides, não poderia nem sequer ter disputado as eleições de 2022. O candidato a prefeito de Aparecida de Goiânia foi demitido em decorrência de um PAD instaurado por abandono de trabalho. A decisão ocorreu em 2019, e, em 2021, seus recursos foram definitivamente esgotados.

Em fevereiro de 2020, a Seduc anunciou a demissão do servidor, e, em agosto de 2021, a decisão definitiva de afastamento de Alcides Ribeiro Filho foi publicada no Diário Oficial do Estado.

Alcides ingressou no serviço público em 1980, inicialmente como professor. Em 2016, a Gerência da Comissão Permanente de Processo Administrativo Disciplinar, por meio do memorando nº 046/2016, instaurou um processo por abandono de cargo, informando que o servidor interrompeu o exercício de suas funções em 31 de março de 2015.

Nos autos, constam várias interrupções de trabalho por licenças remuneradas para disputar cargos eletivos, licenças prêmio e remoções para outros órgãos estaduais. De acordo com fontes, Alcides Ribeiro Filho foi demitido por não exercer funções na Secretaria da Educação, seja como professor ou no corpo técnico. Ele teria habilidade em conseguir licenças e se colocar à disposição de políticos.

Decisão do TSE

A decisão que trata da inelegibilidade de Alcides baseia-se em um precedente do TSE. O ministro Alexandre de Moraes indeferiu o registro de candidatura de James Bel (PP), que foi eleito sub judice prefeito de Martinópole (CE), com 50,08% dos votos nas eleições de 2020.

James Bel foi considerado inelegível por ter sido demitido do cargo de professor da rede municipal por abandono de emprego, o que resultou na aplicação da inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa (artigo 1º, inciso I, alínea O, da Lei Complementar 64/1990).

A decisão colegiada do TSE reafirma a jurisprudência estabelecida em 2016 pela corte, amplamente utilizada nos casos relacionados às eleições de 2018. Para os julgamentos das eleições de 2020, a corte manteve a posição de que o contexto ou a causa da demissão em decorrência de PAD não altera o resultado.

O que diz o MP-GO

A reportagem questionou o Ministério Público sobre o assunto, e o órgão respondeu com uma nota explicando que, no caso em questão, o MP só pode atuar quando a Justiça Eleitoral identifica a irregularidade no momento do registro da candidatura.

Veja a nota na íntegra:

A promotora de Justiça com atribuição perante a 119ª Zona Eleitoral de Aparecida de Goiânia esclarece que só é feita a abertura de vista para manifestação do Ministério Público Eleitoral em registros de candidaturas quando existem indicativos de irregularidades. Essa constatação de indícios de irregularidades é feita pela Justiça Eleitoral.

No procedimento de pedido de registro de candidatura do candidato Alcides Ribeiro, não consta a informação sobre a existência de decisão em Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

Ressalta-se que, nos termos da Lei 64/90, também estão legitimados a propor ação de impugnação ao registro de candidatura qualquer candidato ou candidata, partido político, coligação ou federação.

O que dizem os especialistas

Para o advogado eleitoralista e presidente da Comissão de Enfrentamento à Corrupção Eleitoral, Samuel Balduíno, algumas causas de inelegibilidade previstas no artigo 1º da Lei Complementar 64/90 têm uma anotação oficial, e o período de inelegibilidade coincide com essa notação. “Uma pessoa condenada por um crime contra a administração pública, como improbidade administrativa, ao ser condenada pela justiça comum, já tem uma anotação feita em sua inscrição eleitoral, e, a partir daí, essa pendência fica registrada”, explica.

O advogado esclarece que, no caso de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), não é exatamente a decisão de um ministro que causa a inelegibilidade, mas ela está prevista na Lei Complementar. Ele ressalta, no entanto, que se o indivíduo renunciar após a abertura do PAD, isso não impede a inelegibilidade, como ocorreu no caso do ex-deputado Deltan Dallagnol. “O problema é que nem sempre essa causa de inelegibilidade aparece na documentação geral do candidato, e, nesse caso, a Justiça Eleitoral pode não ter esse controle”, afirma.

Samuel Balduíno: advogado eleitoralista l Foto: Arquivo pessoal

Samuel Balduíno enfatiza que, para que essa causa de inelegibilidade seja analisada pela Justiça Eleitoral, é necessário que haja provocação. Ele destaca que o Ministério Público Eleitoral (MPE), um candidato, uma coligação ou partido político, todos eles são legitimados para pedir a impugnação de uma candidatura.

O advogado também esclarece que, se ninguém fizer esse pedido de impugnação dentro do prazo de até cinco dias após a publicação do edital com todos os pedidos de registro de candidatura, a Justiça Eleitoral, em tese, não irá indeferir a candidatura automaticamente. No entanto, segundo Balduino, a inelegibilidade ainda pode ser discutida posteriormente através de um recurso contra a expedição de diploma, previsto no artigo 262 do Código Eleitoral. Isso pode ocorrer em três situações:

  1. Quando surge uma inelegibilidade superveniente, ou seja, que não existia no momento do registro, mas passou a existir antes do dia da eleição;
  2. Quando, no momento do registro, a inelegibilidade existia, mas estava suspensa por uma decisão judicial, e essa decisão caiu antes da eleição;
  3. Nos casos de inelegibilidade de natureza constitucional.

Ainda de acordo com o advogado, o prazo para o pedido de impugnação é de até três dias após a diplomação. “Se ninguém fez a alegação em 2022, se não havia uma decisão liminar ou se não é matéria constitucional, o entendimento do TSE, até as eleições de 2022, é que o direito de questionar a inelegibilidade precluiu, e, assim, o candidato estaria elegível”, assegura Balduino. Entretanto, esse pedido de impugnação após a diplomação poderá ser feito dentro do prazo, caso ele seja eleito em 2024.  

Um ex-ministro do TSE e advogado especialista em direito público explica que o caso mencionado se trata de uma inelegibilidade infraconstitucional, prevista na Lei Complementar 64/90. Sendo assim, o momento adequado para levantar essa questão seria durante a impugnação do registro de candidatura. “Passado esse momento, a possibilidade de indeferimento fica preclusa. No entanto, em tese, poderia ser arguida em um recurso contra a expedição de diploma, caso o candidato fosse eleito, mas vejo poucas chances de sucesso”, avalia o ex-ministro.

A reportagem também entrou em contato com a 119ª Zona Eleitoral de Aparecida de Goiânia. De acordo com a chefia, que pediu para não ser identificada, essa informação é nova para a Justiça Eleitoral, e ninguém provocou a Justiça com essa questão até o momento. “Não temos um sistema que permita observar esse tipo de situação”, comentou.

O chefe do cartório explicou que o candidato é responsável por apresentar as certidões obrigatórias. “Quem traz essas informações para o processo são as partes habilitadas para impugnar a candidatura, como outro candidato, partido político, coligação ou o Ministério Público. A Justiça Eleitoral, então, decide se a impugnação é válida. Mas posso garantir que, neste caso, nenhum pedido foi feito”, afirmou.

Ainda segundo o chefe, se essa informação for verdadeira, o candidato realmente não deveria ter sua candidatura habilitada nem em 2022. “A Justiça Eleitoral só pode julgar um caso se for provocada por uma das partes”, conclui.

Além da documentação apresentada pelo candidato, o chefe destaca que o único fator que a própria Justiça Eleitoral investiga automaticamente para deferir uma candidatura são os julgamentos dos tribunais de contas.

A reportagem questionou a juíza Christiane Gomes Falcão Wayne, responsável pela 119ª Zona Eleitoral de Aparecida de Goiânia, onde o candidato fez o registro de candidatura, sobre o motivo pelo qual o candidato Professor Alcides conseguiu realizar o registro normalmente, apesar de ter sido alvo de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

A magistrada enviou uma nota ao Jornal Opção esclarecendo a situação.

Veja a nota na íntegra:

De acordo com a Resolução TSE (nº 23.609/2019), após a escolha em convenção partidária, os candidatos devem comprovar a nacionalidade brasileira, o domicílio eleitoral na circunscrição e a filiação partidária. Devem, ainda, apresentar um conjunto de documentos, dentre os quais se destacam:

  • Certidões criminais para fins eleitorais fornecidas pela Justiça Federal de 1º e 2º graus e pela Justiça Estadual de 1º e 2º graus;
  • Prova de alfabetização;
  • Prova de desincompatibilização, quando aplicável;
  • Cópia de documento oficial de identificação;
  • Propostas defendidas pelo candidato ou candidata aos cargos de presidente, governador ou prefeito.

No caso do candidato citado, toda a documentação exigida foi devidamente apresentada.

Além da conferência dos documentos, são consultados sistemas aos quais o servidor da Justiça Eleitoral tem acesso, para averiguar a existência de alguma irregularidade que possa impedir o deferimento do registro de candidatura.

No caso do candidato citado, todos os sistemas acessíveis aos servidores da Justiça Eleitoral foram consultados, e nenhuma inelegibilidade foi constatada.

Além da rigorosa conferência de documentos e consulta aos sistemas, ainda é aberto prazo para que qualquer candidato, partido político, federação, coligação ou o Ministério Público possa IMPUGNAR qualquer requerimento de registro de candidatura, trazendo ao conhecimento do julgador a existência de eventual inelegibilidade que impeça o deferimento do registro.

Adicionalmente, qualquer cidadão no gozo de seus direitos políticos pode noticiar a existência de inelegibilidade. No caso do candidato citado, nenhuma impugnação foi apresentada.

Assim, tendo em vista a ausência de informações sobre a existência de inelegibilidade nos autos do pedido de registro, e não havendo impugnação por parte de nenhum dos legitimados, o registro do referido candidato foi deferido.

Em resumo:

  • Todos os documentos exigidos ao candidato em questão foram apresentados;
  • Todos os sistemas disponíveis à Justiça Eleitoral foram consultados, e nenhuma inelegibilidade foi constatada;
  • Não houve impugnação do pedido de registro por parte de nenhum dos legitimados.

Por essas razões, o pedido de registro do referido candidato foi deferido.

Por fim, da decisão que deferiu o registro, não houve recurso por parte de nenhum dos legitimados.

Caso Deltan Dallagnol

Deltan Dallagnol antecipou sua exoneração do cargo de procurador da República em uma tentativa de evitar consequências legais dos 15 procedimentos administrativos em andamento contra ele no Conselho Nacional do Ministério Público. Essa ação foi vista como uma tentativa de fraude à lei, visando escapar de um possível Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que poderia torná-lo inelegível.

A candidatura do ex-chefe da Operação Lava Jato foi contestada pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) e pela Federação Brasil da Esperança, que inclui o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Verde (PV).

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou que Deltan Dallagnol cometeu fraude à lei ao adotar uma estratégia que, embora aparentemente legal, tinha o propósito de contornar as normas jurídicas para atingir um objetivo proibido.

A reportagem tentou contato com o candidato, seu advogado e sua assessoria, mas não recebeu respostas. O espaço continua disponível para manifestações.

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