Em 2022, ano em que ocorreu o último pleito em nível estadual e federal, 800 pessoas se candidataram ao cargo de deputado estadual em Goiás, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desses, 41 foram eleitos, 39 tiveram as candidaturas indeferidas, 32 renunciaram à disputa e um teve o pedido de candidatura não reconhecido. Entre um dos que tiveram votação expressiva está o deputado Cairo Salim, do PSD, que conseguiu ser reeleito na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) ao receber 40.359 votos nas urnas.

Durante a campanha, o hoje parlamentar recebeu o valor de R$ 100 mil do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o chamado Fundo Eleitoral ou “Fundão”. Na mesma eleição, ainda de acordo com dados do TSE, o radialista Adilson Pereira de Oliveira, do mesmo partido de Cairo e que também concorreu a uma vaga na Alego, recebeu somente R$ 10 mil do FEFC para sua campanha, ou seja: 10% do valor recebido por Salim. Da mesma forma, Antônio Gomide, do PT, outro deputado que teve grande votação – o político teve 45.256 votos e também conseguiu ser eleito para a Alego, recebeu R$ 157,8 mil do FEFC para sua campanha. Já seu xará do mesmo partido, Antônio Carlos Martins, dispôs apenas de R$ 5 mil desse fundo. Esse segundo Antônio não foi eleito.

Acontece que nenhum dos deputados e candidatos aqui usados como exemplos cometeu qualquer irregularidade, tampouco seus partidos, no caso, PSD e PT. Pelo contrário. As legendas e os candidatos (eleitos e não eleitos) tiveram as contas aprovadas e seguiram a regra única para distribuição do fundo recebido para uso nas campanhas: a inexistência de regras.

O Congresso Nacional aprovou a criação do FEFC em 2017: um fundo público destinado ao financiamento das campanhas eleitorais dos candidatos. Ele integra o Orçamento Geral da União e é disponibilizado ao TSE até o primeiro dia útil do mês de junho do ano eleitoral. A movimentação dos recursos é efetuada exclusivamente da conta única do Tesouro Nacional.

Conforme o TSE, no pleito de 2018, foi distribuído R$ 1,7 bilhão do Fundo Eleitoral para as legendas financiarem as campanhas daquele ano. “Nas Eleições Municipais de 2020, o montante totalizou R$ 2,03 bilhões. Nas Eleições Gerais de 2022, a quantia atingiu R$ 4,9 bilhões, que foram divididos entre os 32 partidos registrados no TSE naquele momento. Conforme a lei aprovada pelo Congresso Nacional, o valor do Fundo Eleitoral para as Eleições Municipais de 2024 será de R$ 4,9 bilhões”, destacou o Tribunal.

Segundo a Resolução nº 23.605 do TSE, de dezembro de 2019 – dispositivo que estabelece diretrizes gerais para a gestão e distribuição dos recursos do FEFC -, a Secretaria de Planejamento, Orçamento, Finanças e Contabilidade (SOF), na qualidade de órgão setorial de orçamento e finanças, “transferirá os recursos orçamentários e financeiros do FEFC para a Secretaria de Administração (SAD), à qual caberá a distribuição dos recursos aos diretórios nacionais dos partidos políticos”. Uma vez que não há nenhuma definição sobre como esses partidos devem distribuir os recursos dentro da legenda, a determinação de quem vai ficar com quanto depende somente do poderio político do candidato e da palavra do dirigente partidário.

Mais votos, mais dinheiro

Conforme explicado ao Jornal Opção pela advogada eleitoral e especialista em Direito Público, Maíce Andrade, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), desde que os partidos cumpram a destinação das cotas – ao menos 30% dos recursos do FEFC devem ir para campanhas femininas e de pessoas negras -, não existem regras sobre quanto cada candidato deve receber de seu partido do Fundão.

“Não há um regramento específico, é negociação política com o presidente do partido. Existe a regra para a distribuição do fundo entre os partidos em nível nacional. E os partidos, até onde tenho conhecimento, nenhum deles têm essa previsão em estatuto de distribuição igualitária entre os diretórios. Não tem previsão, justamente por que eles [os dirigentes partidários] querem ter essa moeda de troca na mão”, conta a especialista.

Maíce ainda destaca que, uma vez que somente os candidatos puxadores de voto e com maior viabilidade ficam no radar dos dirigentes, a verba do FEFC costuma ficar concentrada nas grandes metrópoles nas eleições municipais. “Vai de acordo com os interesses e conveniências. Tanto que, via de regra, não chega dinheiro para eleição nos municípios de interior. Fica tudo em capital, cidades maiores onde eles têm interesse. Você vale quantos votos você tem”.

Advogada eleitoral e especialista em Direito Público, Maíce Andrade | Foto: Reprodução/Instagram

“Consequentemente vêm os políticos mais antigos, mais influentes. Você fortalece esse circulo vicioso e ele continua acontecendo”, analisa a advogada, ao evidenciar que a falta de regramento faz com que políticos tradicionais e já com eleitorado garantido acabam sendo os maiores ganhadores da verba pública, deixando de fora os outros. “Se eu sou um político novo, por exemplo, não terei poder nessa negociação, nessa barganha”.

Vale destacar que, em situação em que um partido que recebe a verba do FEFC compõe federação com outra legenda cujo candidato tem maiores chances de ser eleito, o dinheiro pode ser direcionado todo para aquele nome. Em resumo: o candidato escolhido, além de usufruir dos recursos recebidos do FEFC por seu partido, das doações de pessoas físicas e do fundo partidário, ainda tem à disposição a verba do FEFC do partido aliado que aposta em sua eleição.

Desvalorização da mulher

Maíce Andrade aponta também que, no caso das mulheres candidatas, mesmo tendo o direito garantido pela legislação eleitoral de porcantegem mínima do FEFC para suas campanhas, acabam sendo prejudicadas pela ausência de normas e pela presença masculina dominante na política.

“Mulher vale ouro na política. Primeiro, porque você precisa cumprir a cota de gênero. Segundo, porque a mulher recebe esse valor do Fundão, mas normalmente gasta com despesas masculinas. Ela não vai mandar esse dinheiro para um homem, mas ela pode gastar isso com gráfica, cujo produto vai beneficiar o político homem”, narra.

Na eleição de 2022, foram eleitas 302 mulheres, contra 1.394 homens para a Câmara dos Deputados, Senado, Assembleias Legislativas e governos dos Estados. No entanto, para se ter uma ideia da desproporcionalidade, conforme dados do TSE, 9.794 mulheres se candidataram aos cargos disponíveis, incluindo para posições de suplentes. Já quanto aos homens, 19.072 se candidataram e 1.346 foram eleitos.

Leia também: Fundo eleitoral para eleições de 2024 será de R$ 4,9 bilhões

Para a especialista, tanto para mulheres quanto para homens, os partidos deveriam ter um regramento específico, uma vez que, na prática, dirigentes partidários iludem candidatos dizendo que o dinheiro vai chegar, mas nunca chega, “ficando concentrado nas metrópoles”. “Eles reforçam que as pessoas valem quantos votos elas têm, e esse valor [do Fundo] é justamente para você financiar a campanha daqueles que não têm condições”, conclui.

Distribuição nacional

O montante a ser gasto nas eleições é votado e aprovado pelos parlamentares no ano anterior ao das eleições, dentro da Lei de Orçamento Anual, a LOA. O valor do FEFC aprovado para 2024, de R$ R$ 4,9 bilhões, se deu da seguinte forma:

  • 2%, divididos igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no TSE;
  • 35%, divididos entre os partidos que tenham pelo menos uma pessoa representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por eles obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;
  • 48%, divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados, consideradas as legendas dos titulares;
  • 15%, divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado Federal, consideradas as legendas dos titulares.

Pela regra de distribuição, que leva em conta a quantidade de parlamentes eleitos na última eleição, o PL foi o partido que ficou com a maior fatia do Fundo Eleitoral: 17,8% do valor, o equivalente a R$ 886,8 milhões. Em segundo, ficou o PT, que terá R$ 619,8 milhões, o que corresponde a 12,4%. Em seguida aparecem o União Brasil, com R$ 536,5 milhões (10,8%); PSD, com R$ 420,9 milhões (8,48%); PP, com R$ 417,2 milhões (8,41%); MDB, com R$ 404 milhões (8,1%) e Republicanos, com R$ 343,9 milhões (6,9%).

Veja a lista completa:

  • PL
    R$ 886,84 milhões
  • PT
    R$ 619,86 milhões
  • União Brasil
    R$ 536,56 milhões
  • PSD
    R$ 420,97 milhões
  • PP
    R$ 417,29 milhões
  • MDB
    R$ 404,6 milhões
  • Republicanos
    R$ 343,9 milhões
  • Podemos
    R$ 236,66 milhões
  • PDT
    R$ 173,96 milhões
  • PSDB
    R$ 147,95 milhões
  • PSB
    R$ 147,64 milhões
  • Psol
    R$ 126,89 milhões
  • Solidariedade
    R$ 88,59 milhões
  • Avante
    R$ 72,59 milhões
  • PRD
    R$ 71,88 milhões
  • Cidadania
    R$ 60,26 milhões
  • PC do B
    R$ 55,97 milhões
  • PV
    R$ 45,28 milhões
  • Novo
    R$ 37,13 milhões
  • Rede
    R$ 35,9 milhões
  • Agir
    R$ 3,42 milhões
  • DC
    R$ 3,42 milhões
  • Mobiliza
    R$ 3,42 milhões
  • PCB
    R$ 3,42 milhões
  • PCO
    R$ 3,42 milhões
  • PMB
    R$ 3,42 milhões
  • PRTB
    R$ 3,42 milhões
  • PSTU
    R$ 3,42 milhões
  • UP
    R$ 3,42 milhões