‘Rota Caipira’: o caminho do tráfico em Goiás

02 agosto 2025 às 08h20

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Em cidades do interior goiano, principalmente do sudoeste, é possível avistar uma imagem típica: ruas tranquilas, sem trânsito, cortadas por estradas cercadas de plantações de soja, milho e pastos para criação de gado. Afinal, a região é responsável por abrigar três dos seis maiores produtores do agronegócio goiano: Rio Verde, Jataí e Mineiros, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
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Porém, quem viaja pelas rodovias de Goiás não imagina que este cenário pacato é pano de fundo para o crime organizado. Drogas, contrabando e pistas aéreas clandestinas fazem parte de uma das mais antigas rotas internacionais do tráfico de drogas: a “Rota Caipira”.
Responsável por “guiar” ao menos 70% de todo o volume de drogas que circulam pelo país, essas rotas são usadas para cruzar fronteiras entre os Estados de forma mais rápida e eficaz. Em Goiás, apenas no mês de julho, a Polícia Militar (PM) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreenderam mais de sete toneladas de maconha e cocaína nas rotas caipiras, especialmente em Jataí e Rio Verde.
“Geralmente a região sudoeste do Estado tem mais suspeitas de incidência de utilização de rotas caipiras do tráfico. Normalmente são estradas sem infraestrutura, que passam por pequenos povoados e dão acesso a outras cidades. As drogas mais comuns flagradas são maconha e cocaína. A maconha em maior quantidade e cocaína em menor quantidade”, explica o vice-comandante do Comando de Operações de Divisas (COD) da PMGO, Major Júnio Costa.
O militar explica que as rotas caipiras são utilizadas pelos traficantes de drogas na intenção de fugir de rodovias que possuem maior fiscalização policial. As estradas vicinais servem como rotas alternativas, onde geralmente dão acesso ou somente passam por cidades até o destino final.
Além da geografia favorável e da existência de pasto e plantações baixas como milho e soja no Estado, os criminosos ainda contam com um dado ao seu favor: quase um quarto da pulverização das lavouras é feita por transporte aéreo, deixando o país com a marca de 2,7 mil aeronaves agrícolas, a segunda maior frota do mundo, conforme dados do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag).
O cenário é favorável para despistar o tráfego aéreo, facilitando pousos em áreas agrícolas e de pecuária. Ao desembarcar nestes locais – o que leva entre 15 e 30 minutos – os criminosos desabastecem a aeronave que, em seguida, levanta voo. Neste momento, pelo meio terrestre, é iniciada a rota.
“As drogas geralmente vêm dos países vizinhos do Brasil como Paraguai, Bolívia, Colômbia e Peru. A posição geográfica do Estado de Goiás (centro do país), torna-se um ‘corredor’ para o transporte de drogas para chegar a outras regiões. O entorpecente transportado serve tanto para o consumo interno no Brasil quanto para o consumo externo. A mais comum de ser enviada via portos à Europa é a cocaína”, diz Costa, ao afirmar que países da Ásia e África também são abastecidos pelo crime organizado brasileiro.
Embora Goiás seja usado como ponto de escoamento de entorpecentes, o Estado de São Paulo é quem detém a mais antiga e movimentada rota caipira do Brasil. Pelo menos 70 a cada 100 quilos de drogas que circulam pelo país passam pelo interior paulista, de acordo com o levantamento divulgado pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) nesta quinta-feira, 31.
“Mulas do tráfico”
O vice-comandante do COD conta que os presos flagrados transportando drogas pelas rotas caipiras normalmente não são os verdadeiros donos do entorpecente, mas sim terceiros que recebem uma certa quantia para levar o carregamento de um Estado para o outro – modalidade conhecida como “mula do tráfico”.
Caminhoneiros, grávidas e lactantes sem envolvimento direto com o crime organizado, inclusive, são alguns dos grupos aliciados por traficantes. O transporte, comumente, é realizado por meio de ônibus interestaduais e caminhões de carga. O chefe de comunicação da Polícia Rodoviária Federal em Goiás, Victor Rustiguel, explica que uma “mula do tráfico” também é usada para transportar armas, munições ou outros produtos ilícitos.
“Não existe um perfil único. A PRF tem identificado uma grande diversidade entre as pessoas que atuam no transporte de drogas. No entanto, é comum o uso de mulheres, inclusive acompanhadas de crianças, como estratégia para reduzir a suspeita por parte das forças de segurança. Idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade social também são alvos frequentes”, reforça Rustiguel.
Segundo ele, as organizações criminosas se utilizam das “mulas” para tentar despistar a fiscalização policial. Ao fragmentar o transporte das cargas ilícitas e usar pessoas que não despertam suspeitas, os criminosos mascaram, em um primeiro momento, os verdadeiros responsáveis pelo ilícito.
Para o PRF, o transporte rodoviário continua sendo o meio mais utilizado. Buscando evitar prejuízos, as mulas carregaram drogas em ônibus interestaduais, mas também há registros frequentes em veículos de passeio, vans e caminhões.
Em alguns casos, o transporte é feito de forma oculta no corpo da pessoa ou em bagagens, exigindo um trabalho minucioso de fiscalização por parte das forças de segurança pública. Neste sentido, a integração entre as policiais e essencial.
“Por meio do mapeamento e da análise e do compartilhamento de informações entre as forças de segurança, é possível identificar rotas e caminhos utilizados para o tráfico de drogas e outros crimes. Isso possibilita dar uma resposta à altura do crime organizado”, concluiu.