Edward Madureira alerta que a população está envelhecendo e Brasil só será bem sucedido se aplicar seus esforços em pesquisa, tecnologia e educação imediatamente – nem que para isso tenha de se endividar

Segundo o reitor da UFG, negligencia-se o fato de que investimento em educação tem “data de validade ” | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

É impossível pensar neste estado sem a Universidade Federal de Goiás (UFG). Enquanto o restante da América Latina tem universidades tão antigas quanto a de Santo Domingo, com quase cinco séculos, na atual República Dominicana, o mais antigo centro universitário brasileiro é a Universidade de São Paulo (USP), com 85 anos de idade. A UFG, em suas cinco décadas, desde o início de sua história formou profissionais que construíram o Estado, e mais recentemente, se apresentou como centro formador de tecnologia e conhecimento. Entretanto, cortes, contingenciamentos e reduções orçamentárias colocam a instituição sob grave ameaça.

Nos anos 1980, o investimento na qualificação de seus quadros transformou a instituição de formação profissional em uma de pesquisa. A universidade se tornou referência mundial no estudo da Doença de Chagas, por exemplo. Hoje, por conta deste movimento, o reitor Edward Madureira afirma que diversas empresas se instalam em Goiás em função da produção de conhecimento da UFG.

Outro exemplo é o Centro Regional para o Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (CRTI),  que fornece serviços de análises e atende demandas de mais de 190 empresas e entidades governamentais, em especial da indústria mineral e de fármacos. Anualmente, cerca de R$ ___ milhões da receita anual da universidade vem deste tipo de prestação de serviço. 

Edward Madureira lembra que o processo de industrialização do Brasil foi baseado no estímulo para montadoras se instalassem no país, na década de 1960. “Essas montadoras vieram com sua base tecnológica e científica de seus países de origem. Então, nossa política industrial nasceu separado de nossa formação de conhecimento. Apenas em 1990 estes dois setores começaram a se unificar.”

A separação histórica perdura até hoje, na forma de desconfiança entre velhos pesquisadores e empresários, afirma Edward Madureira. “A nova geração de cientistas e empresários, entretanto, já superou essa divisão. Não há um dia em que não recebamos quatro ou cinco empresas ou governos para parcerias.” A evolução no modo de fazer ciência e negócios, portanto, se tornou um sistema de sobrevivência para a universidade. 

Para Edward Madureira, políticas públicas praticadas no país não refletem vontade da população | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

Fracasso histórico

A pesquisa de opinião a respeito da impressão dos brasileiros sobre a ciência e tecnologia com o significativo título “O ‘paradoxo’ da relação entre informação e atitudes” revela que, apesar de os cidadãos apreciarem a importância do conhecimento e acreditarem que o país deva investir na área, governos na realidade não o fazem. 

“O Brasil não tem políticas de estado de educação, ciência e tecnologia”, afirma Edward Madureira. “Temos políticas de governo que funcionam de maneira fragmentada e descontínua: no mesmo ano em que o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aumentou, o governo entrou com medida restritiva do teto de gastos e dividiu a cifra por uma fração. O Plano Nacional da Educação – lei orientada por 20 metas que determinam diretrizes e estratégias para a política educacional no período de 2014 a 2024 – está sendo sumariamente ignorado em função Emenda Constitucional 95, que limita tetos dos gastos.”

Atualmente há incerteza quanto ao pagamento das bolsas do CNPq e o próprio reitor afirma não saber se, dentre de uma semana, os profissionais que se dedicam à ciência poderão contar com seu pagamento. Estes profissionais têm formação a formação necessária para ocupar cargos importantes no mercado de trabalho, mas fizeram uma opção de vida pela busca científica. A questão orçamentária é ainda mais complexa nesta área porque pesquisas interrompidas são perdidas e porque cortes na ciência geram êxodo de cérebros, causando déficit nacional – inclusive econômico – por décadas. 

Agora ou nunca

Quando questionado se a UFG teria incorrido no mesmo erro da UEG, crescendo sem previsão de crises, o reitor Edward Madureira responde: “Se a expansão foi planejada? Planejadíssima. Tanto é que todos nossos indicadores melhoraram de 2006 para cá: conceito da pós-graduação, número de cursos, nota do INEP, publicação científica, internacionalização da universidade, e fizemos isso tudo reservando vagas para baixa renda e escola pública.” 

Edward Madureira lembra que balanços sociais acerca do retorno em investimento científico variam, alcançado cifras como R$ 12 para cada voltando como benefícios à sociedade para cada R$ 1 aplicado, conforme relatório da Embrapa. “Todo país bem sucedido em qualidade de vida, distribuição de renda e competitividade internacional – todos esses países investiram em anos de educação em uma parcela maior de suas populações. No milênio do conhecimento, nós temos o direito de não dar conhecimento a estes jovens? Não é questão de pensar se o Brasil consegue ou não – se quiser dar certo o país precisa fazer isto, nem que tenha de se endividar.”

Atualmente, a maioria dos brasileiros têm 11,8 anos de escola, e metade deles têm apenas o ensino fundamental, segundo dados do IBGE. Enquanto 17% da população brasileira têm ensino superior, a Coréia do Sul (que 50 anos atrás tinha marcadores sociais muito semelhantes ao Brasil) tem aproximadamente 80%. 

Edward Madureira traz uma reflexão assustadora: “O perfil etário brasileiro está mudando; a população está envelhecendo. Por isso, o investimento em educação é urgente. Daqui a vinte anos, não adiantará investir em educação porque teremos perdido esta porção da população jovem e não conseguiremos mais fazer a virada que o Brasil precisa.” Com a mudança da pirâmide etária brasileira, que já teve sua maior porção composta por crianças de 0 a 4 anos na década de 1980, atualmente está mais larga na altura dos 15 a 19 anos. 

Quando perguntado como sociedade pode ajudar a universidade, reitor afirmou que é necessário superar discurso de que instituição doutrina alunos ideologicamente | Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

Gestão planejada

A UFG dispõe de cerca de R$ 60 milhões para orçamento discricionário, com qual tem de pagar todas as despesas – da segurança, limpeza à energia elétrica. Enquanto contingenciamentos governamentais atravancam a liberação desta verba, cortar gastos não é uma opção. O consumo de energia elétrica (com valor mensal de cerca de R$ 1,5 milhão) pode ser utilizado como indicador de produtividade, já que laboratórios mais sofisticados possuem aparelhos mais avançados, que consomem mais energia. 

Isto não quer dizer que reduzir custos não é possível. Detendo uma das maiores unidades de energia fotovoltaica do país, a universidade produz 10% da eletricidade que consome. A produção poderia ser ampliada, eliminando custos com fornecimento elétrico, mas Edward Madureira estima que, para isso, seria necessário investimento de cerca de R$ 30 milhões; ao passo em que a verba para capital deste ano foi de apenas R$ 1,5 milhão. 

“O orçamento de custeio deixa muito pouca margem para um reitor trabalhar na criação de políticas”, afirma Edward Madureira. “O orçamento não dá conta de nossas despesas básicas – não posso deixar de ter segurança no campus. Por isso, grande parte de nossos esforços são destinados à captação de recursos com prestação de serviços – por exemplo, com o CRTI, ou o Centro de Seleção da UFG, que realiza grande parte dos concursos públicos do Estado.”