Reguffe, o homem de Marina Silva no DF
30 agosto 2014 às 10h16

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Como a candidata à Presidência, o candidato a senador se quer pairando acima da “sujeira” da política tradicional, o que tem sido um eficiente instrumento de marketing eleitoral

Cezar Santos
Quem anda pelas ruas de Brasília, mesmo nos bairros menos centrais, corre o risco de ser abordado por um homem solitário, que entrega panfletos e se anuncia como candidato ao Senado, pedindo o voto. Esse homem fala em tom baixo, com certa timidez e evidente sotaque carioca, puxando um pouco nos erres. O abordado pode nem saber que se trata do deputado federal José Antônio Machado Reguffe, ex-deputado distrital.
O pedetista Reguffe garante que sua campanha tem sido assim: uma batalha árdua, sem carro de som, sem cabos eleitorais remunerados, sem apoio financeiro, mas com muita andança, muito corpo a corpo, muita abordagem pessoal. E mesmo assim, com toda a precariedade que afirma enfrentar, ele está liderando as pesquisas com o eleitorado brasiliense.
Há poucos dias, no primeiro levantamento eleitoral feito pelo instituto MDA Pesquisa, em parceria com o jornal “Correio Braziliense”, Reguffe teve 33% na pesquisa estimulada (com nomes dos candidatos) e 11,8% na espontânea (o eleitor nomeia deliberadamente o seu preferido) — chega perto de alcançar 50% entre os eleitores que possuem nível superior. Ele é seguido pelo deputado federal Geraldo Magela, do PT (18,1% na estimulada e 6,3% na espontânea), pelo senador Gim Argello, do PTB, (13% e 4,5%, respectivamente) e Sandra Quezado, do PSDB (3,1% e 0,9%). É quase impossível que Reguffe não seja o próximo senador pelo Distrito Federal.
O carioca Reguffe, radicado em Brasília desde os 9 anos, quando o pai, oficial das Forças Armadas, foi transferido para a capital federal, tem sido apontado como o novo fenômeno da política brasileira. Desde 2010, quando conquistou uma cadeira na Câmara dos Deputados, com a maior votação proporcional do Brasil (266.465 votos, ou 18,95%), publicações de circulação nacional vêm fazendo seu perfil, destacando suas propostas e dando notícia de medidas que “estranhas” se comparadas com o que faz a grossa maioria dos políticos brasileiros.

Que medidas são essas? Coisas como abrir mão de salários extras (14º e 15º), rejeitar cota de passagens aéreas, reduzir verbas e cota interna de gabinete em mais de 80% e diminuir o número de assessores de 25 para 9. Tudo isso protocolado na mesa diretora, em caráter irrevogável. Outras “esquisitices” de Reguffe: comparecer a todas as sessões e reuniões de comissões. Ano a ano, ele tem sido campeão de presença no Congresso Nacional. E ele já tinha feito o mesmo como deputado distrital. Cara estranho, esse Reguffe.
Com tal comportamento, inevitável que passasse a incomodar colegas na Câmara. “Demagogo” e “Dom Quixote” foram alguns dos rótulos que lhe pespegaram. Mas o exemplo pessoal sempre lhe deu moral para cobrar mais ousadia nos cortes de gastos públicos do governo da presidente Dilma Rousseff (PT). Não raro, essas cobranças foram feitas na tribuna.
Em 2011, o pedetista calculou que, ao final do seu mandato ele terá economizado aos cofres públicos mais de R$ 2,3 milhões com suas medidas. “Podem me criticar por qualquer coisa, menos dizer que eu não fiz no meu mandato exatamente o que disse que ia fazer na minha campanha. Isso que fiz é compromisso de campanha”, disse então.
Com esse comportamento, evidentemente que José Antônio Reguffe caiu nas graças do eleitor, cansado de ver tantos políticos e autoridades gastando dinheiro público a rodo. Certamente está aí a razão de sua liderança nas pesquisas no distrito Federal.
O deputado Reguffe é aliado da ex-senadora Marina Silva, candidata do PSB-Rede à Presidência da República. E não é de hoje. A relação política entre eles remonta de muitos anos. Marina tem em Reguffe uma de suas estrelas. Com toda certeza, se a acriana for eleita presidente, o pedetista será uma das figuras de proa do governo, com influência direta sobre decisões do Executivo.
Várias vezes Marina expressou sua admiração pelo deputado. Ela já gravou para a campanha eletrônica dele em Brasília. E Reguffe se antecipou ao próprio Rodrigo Rollemberg, o candidato do PSB ao governo, na divulgação da ex-senadora em Brasília. O que se diz em Brasília é que assim que o partido de Marina, a Rede Sustentabilidade, for aprovado, Reguffe se muda de mala e cuia para a sigla.
Nesse sentido, Reguffe é o homem de Marina Silva no Distrito Federal. Coincidentemente ou não, ambos fazem um jogo político assemelhado, ao se apresentarem como acima da política tradicional. Reguffe na questão ética e de contenção de gastos públicos, dando exemplo; Marina como uma “ungida” celestial para conduzir o povo brasileiro.
Também não por coincidência, os brasileiros expressaram nas manifestações do ano passado uma aversão pela política e pelos políticos tradicionais. Alguém pode até duvidar da sinceridade de um ou criticar o caráter despolitizador na opinião pública do outro, mas não há dúvida: está funcionando.
Marina causou uma reviravolta no cenário da sucessão ao Palácio do Planalto, e já há quem aposte que ela tem condições de ganhar a eleição até mesmo no primeiro turno. No caso de Reguffe, sua escalada crescente nas pesquisas mostra que o eleitor brasiliense aprova seu comportamento.
“Detalhista e centralizador”


Quando se liga no celular de José Antônio Reguffe, ouve-se o recado de voz:
— Aqui é o deputado Reguffe. Não posso atender agora. Mande uma mensagem de texto e retorno assim que possível. Obrigado.
Ele realmente retorna. Não se sabe quando, se um dia ou dois ou três depois. Não se sabe o horário. Pode ser meia-noite, como aconteceu com o repórter, uns dias depois de ter ligado e solicitado uma entrevista para esse perfil. Até chegamos a conversar rapidamente, mas ele dizia que não tinha tempo para dar a entrevista:
— Estou muito ocupado, andando o dia todo entregando panfletos para os eleitores. Minha campanha está muito difícil, estou sozinho. Não tenho cabos eleitorais remunerados, nem carro de som. Estou saindo agora para entregar mais panfletos. Me desculpe. Podemos falar na semana que vem?
Ok, vamos conversar depois. Mas depois, a conversa teve o mesmo teor e o mesmo tempo, um ou dois minutos. Nesse ínterim, ele dá rápidas informações sobre si: disputou duas eleições (1998 e 2002) antes de se eleger pela primeira vez em 2006 (como distrital) e 2010, como federal; tem duas graduações (Economia, pela Universidade de Brasília-UnB, e Jornalismo, pelo Instituto de Educação Superior de Brasília-IESB); fez política estudantil. Suas principais propostas como parlamentar: as reformas política e tributária. “É preciso diminuir a carga tributária para os mais pobres e a classe média.”
Sugiro ir a Brasília, para acompanhá-lo numa tarde de campanha. Ele nega, dizendo que assim perderia a espontaneidade e que não gosta de fazer imagens quando está distribuindo seus panfletos. “Não autorizo nem mesmo minha equipe a fazer imagens. Se for fotografar ou filmar, saio determinadamente para isso.”
Campanha sozinho
Quem conhece e conviveu com Reguffe em um ou outro contexto diz que ele é assim mesmo. O jornalista e consultor Hélio Doyle o conheceu na Universidade de Brasília (UnB), onde Reguffe estudava Economia, mantiveram contatos em ocasiões esporádicas e mais em campanha eleitorais, como agora — Doyle coordena a campanha do senador Rodrigo Rollemberg (PSB) ao governo, aliado de Reguffe.
Helio Doyle revela Reguffe como um político muito detalhista e quase estóico em sua caça ao voto, além de muito centralizador, fazendo a campanha ao estilo dele. “E não tem quem o faça mudar. Sai sozinho, às vezes com no máximo duas pessoas. Isso de sair com turma com bandeiras não é com ele. Ele pode até ir num evento grande, de um aliado, do Rollemberg, mas não é o que ele gosta de fazer. O negócio dele e ir de porta em porta, conversar muito com as pessoas.”
Segundo Doyle, Reguffe escreve o próprio programa de TV, corrige o lettering (texto), redige o texto do panfleto, leva na gráfica, depois volta para conferir o material. “Ele que providencia o pagamento. Ele é detalhista e não é de delegar”, diz o consultor, lembrando uma vez, em campanha, alguém pede a Reguffe o nome de quem fazia a agenda para manter contato. A resposta:
— Minha agenda quem faz sou eu.
Pessimista como a hiena do desenho animado

Carlos Lupi, o presidente do PDT, é desafeto de Reguffe
Para um vencedor na política, José Antônio Machado Reguffe apresenta um acentuado traço melancólico de caráter, o que pode ser percebido até no tom de sua voz. Uma pessoa que tem certa convivência com o deputado diz que em tudo ele vê problema. E chega a compará-lo ao personagem Hardy, de um antigo desenho animado (Lippy e Hardy), uma hiena pessimista em depressão nervosa crônica e profunda, que vê derrota em tudo. Hardy sempre dizia “eu sei que não vai dar certo… Oh, dia, oh, céus, oh, azar…”
Reguffe é meio Hardy, diz o conhecido do pedetista. “Sempre que ligo para ele e pergunto como vai a campanha, ele fala ‘ah, cara, muito problema, as coisas não dão certo’. Nunca responde com um tom otimista, pra cima. É impressionante! Eu já disse a ele, a cada solução que trago, você cria um novo problema, não adianta lhe trazer soluções.”
Mas esse traço de caráter revela também certa instabilidade de José Antônio Reguffe. “Ele precisa ter mais equilíbrio emocional. Se fosse candidato a governador, como o PDT queria, seria um desastre. Ele não ter estrutura para disputar o governo. Politicamente ele não é de dialogar, não gosta de reunir. Ele não deixa as pessoas falarem, só ele fala o tempo todo.Teria muita dificuldade para ser candidato a governador e muito mais ainda para governar, porque o Executivo exige diálogo, negociação, o que ele não dá conta”, diz o conhecido de Reguffe.
Mas essa pessoa não tem dúvida: Reguffe vai crescer muito na política brasileira, principalmente se Marina Silva ganhar a eleição.
Falta de efetividade
O temperamento do deputado também seria um dificultador de sua trajetória política. Professor de Reguffe no curso de Jornalismo no Iesb, já como deputado distrital, o jornalista e historiador Hugo Studart lembra de Reguffe como um aluno aplicado, sério e esforçado. O historiador diz que sua mulher, que também foi professora do deputado, na disciplina de Ética, compartilha essa opinião sobre o aluno.
Studart lembra, porém, que a opinião positiva sobre o candidato ao Senado não tem unanimidade. A atuação política como parlamentar é criticada por muitos e tida como pífia ou nula, seja como deputado distrital seja como deputado federal. A causa é a pouco efetividade no andamento de projetos, justamente pela inabilidade em dialogar.
“Reguffe faz muito bem o jogo eleitoral ao se apresentar como defensor da ética, dá exemplos e agrada a nova classe média moralista, essa nova UDN. Mas ele não consegue fazer o jogo político, por isso seus projetos não deslancham. Por causa dessa falta de diálogo com os pares, o que se diz é que Reguffe fica isolado no parlamento e seu mandato fica entre o pífio e o nulo”, diz Hugo Studart.
Reguffe também teria um “rabo preso”, tema que o tira do sério, que teria sido um cargo comissionado com o então senador José Roberto Arruda. As más línguas dizem que Reguffe teria sido um “funcionário fantasma”, ou seja, receberia salário sem trabalhar de fato. Quando o tema é levantado, o deputado se mostra irritado e nega, diz que trabalhava sim.
Reguffe também tem um histórico de rixa com o presidente do seu partido, Carlos Lupi, ex-ministro do Trabalho de Dilma Rousseff. Eles não se “bicam”. No início do ano, quando a formação das coligações estavam sendo negociadas, Lupi reclamou que Reguffe não se decidia sobre o seu futuro – se queria ser candidato a deputado federal, senador ou governador. E, claro, sendo quem é, Lupi se mostrava muito irritado com a atitude de “super-honesto” de Reguffe.
Carlos Lupi queria empurrar o PDT para apoiar a reeleição do petista Agnelo Queiroz. Reguffe foi contra e acabou forçando a aliança com o socialista Rodrigo Rollemberg, saindo candidato ao Senado. Contra a vontade do chefão do partido. Afinal, um campeão de voto também tem força.