PEC aprovada no Senado, já de volta à Câmara dos Deputados, introduz modificações importantes na legislação, como a cláusula de barreira

Plenário do Senado aprova PEC da reforma política: mudanças como cláusula de barreira e fidelidade partidária podem melhorar a representatividade parlamentar | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Há muito tempo se fala em reforma política, tanto que já se firmou um clichê sobre ela, na denominação de “mãe de todas as reformas”. Nesse reordenamento, entre outros pontos, os mais citados como necessários são a chamada cláusula de barreira, para restringir os ditos partidos de aluguel, e a fidelidade partidária.

Em novembro passado, o Sena­do aprovou em segundo turno o prin­cipal texto relativo à reforma po­lí­tica, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 36/2016, dos senadores Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e Aécio Neves (PSDB-MG). O tex­to seguiu para ser analisado pela Câ­mara dos Deputados, onde uma comissão especial está discutindo pontos a serem acrescentados ou su­primidos ou melhorados. Há certo sentido de urgência na conclusão da votação em plenário, pois a intenção é que pelo menos parte dela já vigore na eleição geral do ano que vem.

Alguns dias depois, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, esteve na Câmara dos Deputados, e na comissão falou sobre a necessidade da reforma política. Ele afirmou que as mudanças são necessárias “para dar novos rumos ao país e buscar soluções para a séria crise no am­biente político atual, que se de­ve ao modelo adotado que já dá si­nais de exaustão há algum tempo”.

A reforma política aprovada no Senado tem como ponto principal o estabelecimento da cláusula de barreira que divide os partidos políticos em dois tipos: os com funcionamento parlamentar e os com representação no Congresso Nacional. Os primeiros serão os que obtiverem no mínimo 2% dos votos nas eleições gerais de 2018 e 3% nas de 2022.

Esses partidos poderão ter acesso a fundo partidário e tem­po de rádio e televisão, estrutura funcional própria no Congresso e terão direito de propor ao Supre­mo Tribunal Federal (STF) ações de controle de constitucionalidade. As siglas apenas com representação no Congres-so, por não superarem a barreira do número mínimo de votos, terão o mandato de seus eleitos garantido, mas perdem o acesso aos benefícios.

Se os políticos filiados a esses par­tidos terão direito de mudar de legenda sem perder o mandato, os deputados e vereadores que o fizerem não contarão, na nova le­genda, para fins de cálculo do tem­po de televisão e o fundo partidário.

No que diz respeito à legislação eleitoral, o texto da reforma busca valorizar a fidelidade partidária ao estabelecer que políticos eleitos já no pleito do ano que vem perderão o mandato caso se desfiliem de seus partidos. E os suplentes e os eleitos como vice não poderão atuar como substitutos.

As informações que seguem compilam a reportagem “Reforma política mobilizou senadores em 2016”, publicada no site da Agência Senado (23/12 e atualizada em 28/12/2016), e dão um panorama completo de como está a matéria no Congresso.

A reforma dá fim às coligações partidárias nas eleições proporcionais (vereadores e deputados), com o objetivo de evitar as alianças entre partidos sem nenhuma afinidade ideológica, apenas com finalidade eleitoreira.

A PEC define que as coligações partidárias nas eleições para vereador e deputado (estadual, federal e distrital) serão extintas a partir das eleições de 2020. Hoje, as coligações são livres, com as votações das legendas coligadas somadas e consideradas como um grupo único no momento de calcular a distribuição de cadeiras no Legislativo.

O texto da reforma também cria a cláusula de barreira para a atuação dos partidos políticos, num mecanismo que mesmo sem restringir a formação de siglas poderia diminuir o número de legendas. Apenas os partidos com funcionamento parlamentar poderiam ser contemplados com recursos do fundo partidário, tempo de rádio e TV e estrutura funcional própria no Congresso. Imagina-se que isso evitaria a formação das chamadas siglas de aluguel, que existem apenas para vender tempo de rádio e TV.

A reforma aprovada determina que, nas eleições de 2018, as res­trições previstas na cláusula de barreira serão aplicadas aos partidos que não obtiverem, no pleito para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2% de todos os votos válidos, distribuídos em, pelo menos, 14 Estados, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada um. A partir das eleições de 2022, o porcentual sobe para 3% dos votos válidos, distribuídos também em, pelos me­nos, 14 Estados, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada um.

Bloco

No texto, foi criada a figura da federação de partidos. As legendas poderão se unir para funcionamento parlamentar como bloco. No sistema de federação, os partidos permanecem juntos ao menos até o período de convenções para as eleições subsequentes.

Fidelidade partidária também é tratada na matéria. O texto diz que perdem mandato os políticos eleitos que se desliguem dos partidos pelos quais disputaram os pleitos. A punição se estende aos vices e suplentes que decidam trocar de partido e deve ser aplicada nas eleições que vierem depois do ano de promulgação da Emenda Constitucional.

As únicas exceções se relacionam à desfiliação em caso de mudança no programa partidário ou perseguição política. Uma terceira ressalva é feita para políticos que se elegerem por partidos que não tenham superado a cláusula de barreira criada pela PEC. Esses terão asseguradas todas as ga­rantias do mandato e podem mu­dar para outras legendas sem punição.

Reeleição

Outros temas também chegaram a ser discutidos em Plenário, mas, sem acordo, voltarão à pauta neste ano. Entre esses temas está o fim da reeleição, previsto na PEC 113A/2015. O texto, que veio da Câmara dos Deputados chegou a ir para a votação em Plenário, mas, por falta de acordo voltou à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

O substitutivo (texto alternativo) do senador Antônio Carlos Vala­dares (PSB-SE) prevê a proibição de reeleição para presidente da República, governador e prefeito. A duração do mandato – de quatro anos – foi mantida, mas muitos parlamentares defendem o aumento do tempo para cinco anos, caso a reeleição seja proibida.

A matéria trata ainda da cláusula de barreira para partidos políticos, prevendo regras menos rígidas que as já aprovadas pelo Senado: para ter direito à representação parlamentar, o partido político deverá obter, no mínimo, 1,5% dos votos válidos, distribuídos em um terço dos Estados com mais de 0,8% do total de cada um deles.

A PEC 113-A foi desmembrada da PEC 113/2015, aprovada em 2015. O acordo dos senadores, naquele ano, foi aprovar a parte sobre a qual havia consenso, relativa à janela partidária, prazo de 30 dias (após a promulgação) para que políticos detentores de mandatos eletivos proporcionais (deputados e vereadores) pudessem mudar de partido sem a perda do cargo. Pela legislação vigente, essa mudança só seria possível se o parlamentar fosse para um partido recém-criado. A emenda resultante da PEC foi promulgada em fevereiro de 2016.

Em 2017, o Senado deve analisar outras propostas referentes à reforma política. Entre os temas das propostas apresentadas nos últimos meses de 2016 estão o fim do voto obrigatório (PEC 61/2016); a proibição da reeleição dos chefes do Poder Executivo (PEC 48/2016); a perda de mandato para senadores e deputados que permanecerem mais de 90 dias sem filiação partidária (PEC 54/2016); e a definição do terceiro domingo de outubro como data de realização do segundo turno nas eleições para presidente e governador (PEC 60/2016).

Substitutivo à PEC 36/2016 aprovado em segundo turno

ColigaçõesFicam extintas as coligações nas eleições proporcionais a partir de 2020. Coligações nas eleições para cargos majoritários (presidente, governadores, senadores e prefeitos) continuam sendo permitidas.
Cláusulas
de barreira
Estabelece cláusulas de barreira para os partidos políticos. Só poderão ter funcionamento parlamentar os partidos que:
A partir das eleições para a Câmara dos Deputados em 2018 obtiverem:
* Um mínimo de 2% dos votos válidos + um mínimo de 2% dos votos válidos em pelo menos 14 unidades da Federação
E a partir das eleições para a Câmara dos Deputados em 2022 obtiverem:
*um mínimo de 3% dos votos válidos + um mínimo de 2% dos votos válidos em pelo menos 14 unidade da Federação.
Funcionamento parlamentarSomente partidos com funcionamento parlamentar terão direito a:
1) participação nos recursos do fundo partidário;
2) acesso gratuito ao rádio e à televisão;
3) uso da estrutura funcional oferecida pelas casas legislativas.
Direitos
dos eleitos
Os eleitos por partidos que não alcançarem o funcionamento parlamentar têm assegurado o direito de participar de todos os atos inerentes ao exercício do mandato. Além disso, podem se filiar a outro partido sem risco de perda de mandato. A filiação, no entanto, não será considerada para efeitos de fundo partidário e acesso ao tempo de rádio e TV.
Fidelidade
partidária
Cria regras para fortalecer a fidelidade aos partidos:
1) Prefeitos e vereadores eleitos em 2016, bem como deputados, senadores, governadores e presidente da República eleitos a partir de 2018, que se desfiliarem dos partidos que os elegeram, perderão o mandato, ressalvadas exceções previstas pela própria PEC.
2) Vice-prefeitos, vice-governadores e vice-presidente que se desfiliarem dos partidos pelos quais concorreram não poderão suceder os titulares de chapa assumindo a titularidade definitiva do cargo.
3) Perderão a condição de suplentes de vereador, de deputado, de senador aqueles que se desfiliarem dos partidos pelos quais concorreram, considerada a regra citada no item acima.
Federação
de partidos
 Os partidos políticos com afinidade ideológica e programática poderão se unir em federações, que terão os mesmos direitos das agremiações nas atribuições regimentais nas casas legislativas e deverão atuar com identidade política única, resguardada a autonomia estatutária das legendas que a compõem.

Propostas relacionadas à reforma política

PECObjetivoTramitação
113/2015Janela partidária: prazo de 30 dias para que deputados e vereadores pudessem mudar de partidoFoi aprovada em dezembro
de 2015 e promulgada
em fevereiro de 2016
113A/2015Fim da reeleição para
cargos do Executivo
Será reexaminada pela
Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ)
36/2016
  • Fim das coligações nas eleições proporcionais
  • Cláusula de Barreira
  • Criação da federação de partidos
  • Punição para mudança de partido após as eleições
Foi aprovada em novembro de 2016 e enviada para a Câmara, onde ainda não começou a ser analisada
48/2016Proibição da reeleição
para cargos do Executivo
Aguarda escolha de relator
na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ)
54/2016Perda de mandato para senadores e deputados que permanecerem mais de noventa dias sem filiação partidáriaAguarda escolha de relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ)
60/2016Definição do terceiro domingo de outubro como data do segundo turno nas eleições para presidente e governadorPronta para ser votada na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ)
61/2016Fim do voto obrigatórioAguarda escolha de relator
na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ)

Parlamentares opinam

Quando se fala em reforma política, muitos são os tópicos a serem abordados. Há quem considere uns mais importantes que outros. Há quem defende que não é preciso mexer em muita coisa. A seguir, a opinião de alguns parlamentares goianos sobre o tema, incluindo deputados estaduais que se manifestaram em reportagem da Agência de Notícias da Assembleia Legislativa.

Foto: Fernando Leite

Começando pelo deputado fe­deral Jovair A­ran­tes (PTB), que inclusive tem fortes críticas ao fato de o Senado estar im­­pondo re­gras que, se­gun­do ele, afetam os de­putados e preservam os senadores.

“Senado é revisor, está errado ele se meter nisso. O Brasil está errado porque o Senado quer produzir leis, quando é uma casa revisora; quem produz leis é a Câmara Federal. Senador está fazendo lei para favorecer ele mesmo. E senador não é mais que deputado.

Sou favorável à reeleição para cargos do Executivo; a favor de coincidir eleições, ou seja, mandatos coincidentes; sou a favor de cláusula de barreira com transição.

Nossa democracia é jovem e absolutamente estável, então porque mudar algo que está caminhado bem? Tem problema sim, na questão partidária. E defendo uma reforma partidária, que vai além da reforma política. Para acabar com esse negócio de partido ter dono.

Eu não acho ruim que tenha muitos partidos no Brasil, mas tem de haver regras. Nem acho que tem de tirar prerrogativas de partido, porque ele pode crescer. Um exemplo é o PRB, que era pequenininho há pouco tempo, veio crescendo e fez 22 deputados na última eleição, ou seja, teve um crescimento orgânico. A regra atual propicia isso.

E tem de estabelecer regras que acabem com o fato de, na prá­tica, haver políticos de primeira, de segunda e de terceira ca­tegoria. Deputado estadual e fe­deral e vereador não podem trocar de partido, mas prefeito, go­vernador e senador pode fa­zê-lo na hora que quiser. Ou po­dem todos ou ninguém pode.

Não vejo razão para proibir coligações proporcionais, o que vai da na federação de partidos. Defendo que sejam eleitos os mais votados, sem problema. Em Goiás são 17 deputados federais, os 17 mais votados vão, não tem conversa. No Brasil, a tradição é de voto no candidato, e não no partido. Não dá querer fazer na marra, na caneta, que os partidos tenham vida orgânica.

É necessário estabelecer uma transição para essas mudanças, porque não se pode fazer uma reforma dessa da noite para o dia.”

Deputado fe­de­ral Heuler Cru­vinel (PSD)

Heuler Cruvinel durante entrevista ao Jornal Opção | Foto: Renan Accioly

“Cláusula de barreira é importante para diminuir o número de partidos no País, que chega a ser absurdo. Pode­ría­mos ter no máximo sete ou oito legendas, que abrigariam as tendências ideológicas. O fim das coligações proporcionais também é interessante.

Concordo com o endurecimento das regras para punir quem muda de partido, porque o partido é fundamental para que o político — seja do Legislativo, seja do Exe­cu­tivo — consiga se eleger. Se o vereador ou deputado mudar de sigla, que ele não leve nem o peso para o fundo partidário nem o tempo de TV. Defendo que essa mudança seja feita apenas no período de ‘janela’, para que o político cumpra o mandato dele dentro do partido pelo qual foi eleito.

E sou a favor do fim de reeleição no Executivo. Esses pontos são importantes para melhorar o quadro político-eleitoral no Brasil.”

Deputado fe­de­ral Pedro Cha­ves (PMDB)

Foto: Billi Boss / Agência Câmara

“Sempre defendi mandato de cin­co anos sem reeleição para o Exe­cu­tivo, mas me parece que isso foi ‘pa­ra o espaço’ na pro­posta aprovada. Mas o fim da reeleição é uma boa.

O que vejo como fundamental a­provarmos, e que passou no Se­nado, é a cláusula de desempenho, em que o partido precisa ter determinado número de votos em certo nú­­mero de Estados. Precisamos di­mi­nuir o número de partidos, já são 35 e tem mais 50 com pedido no TSE. Isso pode ficar insustentável. Is­so é o principal da reforma política.

Sou favorável à fidelidade partidária. Acho que tem de haver liberdade para quem não está satisfeito num partido para sair, mas tem de haver regras, senão vira bagunça.”

Deputado es­tadual Carlos Antonio (PSDB)

Foto: Y. Maeda

 

“Sou favorável à maioria dos pontos da reforma a­provada pelo Se­na­do e que está agora na Câmara Fe­deral. Precisa­mos urgente dessa reforma, até porque o fortalecimento da política passa pela aprovação popular. No caso, os candidatos eleitos. E, com certeza, a restrição de partidos sem efetiva representatividade popular ajudará a garantir a governabilidade do país.”

 

Deputada es­tadual Isau­ra Lemos (PCdoB)

Foto: Marcos Kennedy

 

“É necessário um projeto de iniciativa po­pular para viabilizar o processo de re­forma política. Acabar com os partidos de aluguel e com o poder financeiro nas campanhas. Também sugiro a criação de lista alternada para o ingresso das mulheres na política nacional, situação que ocorre em diversos países, ou pelo menos que 30% sejam destinados para a representação das mulheres.”

 

Deputado es­­tadual José Nel­to (PMDB)

Foto: Marcos Kennedy

 

“É preciso enxugar o nú­mero de partidos. O Brasil tem 35 partidos registrados no Tribunal Su­pe­rior Eleitoral (TSE) e 31 legendas estão em processo de regularização. É um número exagerado, o melhor seriam seis a sete legendas. É preciso urgentemente acabar com essa in­dústria de partidos, que negociam apoio político. Ou a classe política faz uma reforma sé­ria ou o eleitor vai reformar a clas­se política.”

 

Deputado es­tadual Luis Cesar Bueno, do PT (coordenou o 1 Fórum de Discussão so­­bre a Re­for­ma Po­lítica, na As­sembleia Le­gislativa)

Foto: Renan Accioly

 

“É lamentável que esse debate se estenda por mais de 20 anos no Con­gresso Nacional. Já estamos no limite! Temos que aprovar logo essa reforma política, porque com ela teremos regras que vão garantir a democratização do sistema eleitoral.”

 

 

Deputado es­tadual Ma­jor Araújo (PRP)

Foto: André Costa / Jornal Opção

 

“Temos que a­cabar com es­se maldito cai­xa 2. Tem que ser in­serido na pauta desta re­forma política esse grande problema das eleições, em que candidatos são escolhidos pela estrutura de campanha ou de partido e não pelos ideais e propostas.”