As queimadas no Brasil atingem a maior área no período de janeiro a junho desde 2016. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Cerrado é – de longe – o bioma mais afetado. Apenas no primeiro semestre deste ano, foram 21.346 km² incendiados. Com baixíssima umidade no solo e com os piores meses ainda por vir, a situação preocupa técnicos que lutam para evitar a repetição de desastres como o incêndio da Chapada dos Veadeiros e do Parque Nacional das Emas de 2021.

Foto: Inpe

O programa Queimadas, do Inpe, revela que em média 7% da área total do Cerrado é queimada todo ano. A comparação do total de focos ativos detectados pelo satélite de referência em cada mês mostra que, neste ano, existem menos focos de incêndio do que a média, mas o fato de a área atingida ser maior revela que o fogo já se alastra em focos maiores e mais difíceis de serem contidos.

Terra Brasilis, portal de visualização de dados do Inpe, expõe que Goiás é o quinto estado que mais queima entre as 12 unidades da federação que têm áreas de Cerrado. Goiás tem 9,2% de todos os focos de incêndio do bioma. A taxa está mais baixa do que nos anos anteriores, mas o Tocantins, com 1.346 focos (32% de toda a área queimada) está muito acima da média histórica. 

Em Goiás, o fogo atinge principalmente áreas com desmatamento consolidado. São 869 focos (72,4% do total) em regiões urbanas, de pastagens e de fazendas. Áreas preservadas, de vegetação primária, vem em segundo lugar nas estatísticas, reunindo 15,8% dos focos de incêndio. Zonas de desmatamento recente tem 11,8% dos focos de incêndio. 

Ainda segundo os boletins diários do Inpe, na data de fechamento desta edição, dia 23, havia 34 incêndios em Áreas Protegidas por lei e 11 queimadas em Territórios Indígenas. Os satélites que detectaram esses 45 focos ativos no momento também monitoram outros países da América do Sul. O Brasil está disparado em primeiro lugar; a Bolívia em segundo, com oito focos ativos; e Peru em terceiro com sete focos ativos. Atualmente, Goiás tem incêndios na Unidade de Conservação Estadual APA de Cafuringa (próximo a Planaltina) e na APA federal Perna de Brasília. 

Inovação contra o fogo

Os dados do Inpe reforçam algo que os técnicos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) já sabiam: os incêndios têm origem humana. O Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo) monitora queimadas por meio de satélites ambientais com geotecnologia, capazes de detectar pequenos focos de incêndios de até três metros quadrados. Segundo André Amorim, diretor do Centro, a maior parte dos focos de incêndio começam de madrugada – quando a fiscalização é menor. 

O gerente do Cimehgo conta que a Secretaria lançou uma nova ferramenta que promete agilizar o combate aos focos de incêndio, com objetivo de controlar as queimadas antes que cresçam. Trata-se de um sistema que envia alertas sobre incêndios no instante em que são detectados pelos satélites, de forma automática por WhatsApp, para os bombeiros, defesa civil e demais órgãos capacitados de todo o Estado. Diversas secretarias municipais de Meio Ambiente já aderiram ao programa gratuitamente – basta enviar ofício para receber gratuitamente os alertas de alta precisão.

André Amorim explica: “O satélite já passava, identificava a queimada e salvava as estatísticas no banco de dados para produção posterior de boletins. Agora, desenvolvemos uma ferramenta que automaticamente verifica autoridades na região e envia o alerta para o WhatsApp dos cadastrados. Assim, os bombeiros podem assim fazer a gestão de seus recursos, enviar destacamentos como entenderem melhor. Conseguimos discernir focos menores do que 10m². Incêndios pequenos podem ser contidos por poucos brigadistas, economizando tempo e recursos. Anteriormente, os bombeiros aguardavam comunicação da população, coisa que podia levar dias e permitir o crescimento do fogo.”

André Amorim, gerente do Cimehgo | Foto: Reprodução

A maior parte dos focos está no norte e nordeste do Estado, segundo André Amorim. “O problema na região é cultural; há o hábito de juntar folhas secas e queimá-las, e as pessoas não compreendem que isso é crime.” O ato aparentemente inocente é o causador de incêndios como o que atingiu 33 mil hectares na Chapada dos Veadeiros, iniciado por um fazendeiro que incendiou restos de vegetais em sua propriedade. 

O gerente do Cimehgo explica que a Semad tem o sistema desde maio, e que se dedicou para colocar a ferramenta em funcionamento antes dos meses críticos de agosto e setembro. “Nosso intuito é apagar o fogo no início. Se posso falar em uma meta, eu gostaria de terminar o ano com nossas unidades de conservação intactas. São nas áreas de proteção ambiental que os animais se abrigam durante os incêndios, além de influenciarem a qualidade do ar atmosférico e das águas. Queremos evitar tragédias como a do ano passado, quando perdemos 50% do Parque Nacional das Emas.”

André Amorim ressalta a preocupação com os meses agosto e setembro. “De agora em diante, a tendência é a temperatura subir e a umidade cair. Atualmente, a umidade do solo está na faixa de 5 a 10%, menor do que a média para este período. Devemos enfrentar dificuldades se a população não colaborar.” O gerente do Cimehgo, órgão que também é responsável pelo monitoramento da qualidade da água e do ar, afirma que as queimadas causam problemas à saúde pública e aumento de gastos incalculáveis.

Saúde pública

Material particulado fino são partículas de material sólido ou líquido suspenso no ar, na forma de poeira, aerossol, fumaça, que podem permanecer no ar e percorrer longas distâncias. Sua produção se dá principalmente nos processos de queima de biomassa, e também pode se formar a partir dos gases precursores emitidos como dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis. As partículas do material particulado fino são facilmente inaláveis e penetram mais profundamente no trato respiratório causando os maiores danos à saúde, uma vez que se instalam nas regiões mais profundas do pulmão.

A exposição a fumaça decorrente das queimadas além de prejudicar o bem-estar público ocasionando restrições na visibilidade, agrava a qualidade do ar nas áreas afetadas e causa efeitos graves na saúde como doenças do aparelho respiratório (falta de ar e asma), cardiovascular (isquemia, arritmia e infarto do miocárdio), além de uma variedade de outros problemas de saúde significativos, principalmente em crianças e idosos.

O Jornal Opção cruzou dados do Sistema de Informações Ambientais Integrado à Saúde (Sisam) com estatísticas de queimadas do Inpe para registrar que mais queimadas significam queda na umidade relativa do ar e na quantidade de chuvas, e o aumento no material particulado fino no ar, além de aumento na temperatura.

Segundo o Inpe, em Goiás, o mês de setembro com menos queimadas aconteceu em 2009 (709 focos), e o mês de setembro com mais queimadas foi o de 2010 (5.906 focos). A média da temperatura na ocasião com menos queimadas foi de 25,2 ºC enquanto a média do mesmo mês no ano com mais queimadas foi de 27,6 ºC. Em 2009, se registrou concentração máxima de material particulado fino de 339,787(μg/m³); já em 2010, foi detectado quase quatro vezes mais do que isso: 1.158,493(μg/m³).

Material Particulado em 2009 | Foto: Sisam
Material Particulado em 2010 | Foto: Sisam