Prefeitura não amplia a coleta seletiva e Goiânia não recicla nem 5% do total do lixo

14 março 2015 às 10h36

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Apenas 4% de todo o resíduo coletado na capital é reaproveitado. Coleta seletiva é o caminho, mas o sistema precisa ser aperfeiçoado para que gere impactos ambientais positivos

Frederico Vitor
Goiânia, município de pouco mais de 1,4 milhão de habitantes, ainda não consegue reaproveitar a totalidade de seus resíduos para reciclagem. Atualmente, apenas 4% de todo lixo produzido é reaproveitado, um número muito baixo de seu potencial máximo. O caminho para se chegar ao ideal já começou a ser percorrido, contudo esta caminhada tem sido em passos de tartaruga. Todo o sistema que passa pela coleta seletiva, pelas cooperativas de segregação de resíduo e pelas empresas de reciclagem, precisa ser repensado para que de fato toda esta cadeia seja considerada sustentável.
A coleta seletiva funciona por meio da separação de resíduos como papéis, plásticos, metais e vidros. Desta forma, os materiais que podem ser reciclados são separados dos resíduos orgânicos — restos de carne, frutas, verduras e outros alimentos. Este último tipo de lixo é descartado no aterro sanitário ou usado para a fabricação de adubos orgânicos, ou até mesmo na geração de energia.
Pilhas, baterias comuns e de celular também são separadas, pois quando descartadas no meio ambiente provocam contaminação do solo. Embora não possam ser reutilizados, estes materiais ganham um destino apropriado para não gerarem a poluição do meio ambiente.
Em relação aos medicamentos, estes não devem ser descartados junto com o lixo orgânico, pois possuem substâncias químicas que podem contaminar o solo e a água. Lâmpadas fluorescentes também necessitam de descarte especial, já que em seu interior há vapor de mercúrio, gás tóxico, que contamina o ar quando quebrada. Algumas lojas de materiais elétricos e de construção possuem pontos de coletas deste tipo material.
O sistema de coleta seletiva da capital, instituído durante a gestão do ex-prefeito Iris Rezende (PMDB), em 2008, é considerado como bem pensado, porém muito mal executado. Tudo começou com os Pontos de Entrega Voluntária de Materiais Recicláveis (PEV) — em parceria com a Associação Comercial e Industrial do Estado de Goiás (Acieg) —, que serviu para sensibilizar a população para a questão. Depois passou a ser feita a coleta porta a porta. Atualmente, a estrutura consiste em 129 PEVs pela cidade e 15 caminhões baú.
Mas o maior problema está na falta de regularidade do caminhão da coleta seletiva, que tem dificultado a população a separar sistematicamente os resíduos domésticos que podem ser reaproveitados. Isto é, há pessoas que ainda não sabem quando e que horas o caminhão vai passar em sua porta.
Integrante do Plano de Gestão de Resíduos Sólidos e aprovado pelo Plano Diretor de Goiânia, o sistema de coleta seletiva de lixo teve como objetivo organizar os segmentos da sociedade em uma nova forma de reduzir o impacto ambiental e social provocado pelo lixo.
Sistema de coleta

A reportagem acompanhou um dos 15 caminhões baú que a prefeitura dispõe para realizar a coleta seletiva de lixo em toda Goiânia. A saída ocorreu às 7h da manhã de quinta-feira, 12, em um dos quatro pontos de partida destes veículos da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) que estão espalhados por diferentes regiões da capital. Como a frota é terceirizada pela empresa Ita, o motorista não faz parte dos quadros da prefeitura, diferentemente dos coletores.
O serviço funciona de domingo a domingo e, em média, cada caminhão tem capacidade máxima de transportar 1,3 toneladas de resíduos e realiza três viagens diárias. Como a frota é reduzida, a cada dia da semana é feita uma rota diferente pelos caminhões para que toda a cidade em sua totalidade seja atendida pelo serviço.
O caminhão Volkswagen a serviço da prefeitura, dotado de uma carroceria baú, parte para mais uma jornada. A reportagem acompanha um trecho da linha do dia que abrangia os setores Maristas, Bueno, Oeste e Centro. Os dois coletores, Adonildo da Silva e Diogo Félix, que estavam nesta viagem precisam estar em boa forma, pois o trabalho é puxado e exige muito fisicamente de ambos. É uma verdadeira maratona. A dupla embarca na traseira do caminhão e vai sinalizando o motorista de como e onde parar para coletarem os resíduos que são separados em lixeiras especiais instaladas nas portas de casas e comércios.
Ao adentrar na Avenida Mutirão, no Setor Marista, o caminhão precisa parar dezenas de vezes, já que a maioria dos estabelecimentos comerciais localizados ao longo da via tem disponibilizado considerável quantidade de resíduos, principalmente caixas de papelão e isopores. Em alguns casos, madeira, vidro e sacos plásticos também são recolhidos. Metais, produtos eletroeletrônicos e materiais plásticos não foram observados nesta viagem de coleta.
Porém, é perceptível que a população está longe de ter consciência de que o serviço, mesmo com a necessidade de ser aperfeiçoado, não foi muito bem compreendido. Os lixos continuam tumultuando as calçadas e lixeiras e é visível que resíduos que poderiam ser discriminados para ter uma destinação pela coleta seletiva são misturados em meio aos lixos orgânicos, que, por sua vez, acabam nas caçambas dos caminhões compactadores que os destinam ao quase saturado aterro sanitário de Goiânia.
Ao final da rota dá para se observar de longe a carroceria do caminhão abarrotada de papelões, sacolas e demais rejeitos. Todo este material é levado e distribuído às 15 cooperativas de catadores de materiais recicláveis que estão autorizados pela prefeitura a receberem tais resíduos coletados pela Comurg.
Cooperativas operam mais como separadoras de resíduos

Como funciona o processo de reciclagem de resíduos em Goiânia? A sistemática funciona da seguinte forma: a prefeitura, por meio da Comurg, disponibiliza 15 caminhões que fazem a coleta seletiva de lixo em toda a cidade, todos os dias da semana. No final do mês, em média, são coletados 2,8 mil toneladas de resíduos que são distribuídos às 15 cooperativas de “reciclagem” cadastradas e autorizadas pela Prefeitura a receberem estes materiais. Nessas cooperativas, das quais 300 famílias tiram o sustento, o material passa por uma segregação, ou seja, papel, metal, plástico e borrachas são separados e compactados por uma máquina até formarem imensos cubos.
Ao término desse processo, empresas privadas de reciclagem de resíduos compram dessas cooperativas todo o material segregado. A partir daí, todo o resíduo é industrializado até ser transformado em matérias primas — ou novos produtos como telhas, papel, e peças de alumínio — que são comercializados para as indústrias. Como observado, até o lixo ser reciclado, ou seja, transformado em outro novo material, é preciso passar por um longo processo. De acordo com a Prefeitura, Goiânia produz mensalmente uma massa de 36 mil toneladas de lixo. Destes, apenas 2,8 mil toneladas são recicladas.
Poder público não investe em reciclagem

A reportagem visitou a Cooperativa de Reciclagem de Lixo (Cooprec), que existe há 17 anos no Jardim Conquista, na região leste de Goiânia. Atualmente, ela opera com 22 cooperados. Por mês, duas toneladas de lixo recolhidos pela coleta seletiva da capital são deixados pela Comurg na Cooprec. Desses, cerca de 70% são aproveitados. De segunda a sexta-feira, em uma média de oito horas de trabalho diário, os cooperados realizam a separação dos itens, como latinhas, papel, papelão e garrafas PET, que depois são prensados e comercializados para empresas de reciclagem de Goiás e de fora do Estado.
O preço de cada item pode variar de 4 centavos a R$ 2. A latinha é comercializada a R$ 2 o quilo, assim como a garrafa PET. Já o papel tem valor menor, cerca de 30 centavos o quilo. Segundo o cooperado Rosalino Gomes, todo dinheiro arrecadado é dividido entre os cooperados, de acordo com o trabalho realizado. “Nossa renda pode chegar a um salário mínimo”, diz. Criada em 1998, esta cooperativa surgiu a partir do projeto do jornalista Washington Novaes, que atuava na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). O intuito do projeto era o de promover a educação ambiental e inclusão social dos cooperados que, no passado eram catadores de papeis e que atualmente têm uma fonte de renda com a reciclagem.

Porém, o que se nota, pela menos na Cooprec, é uma aparente necessidade de melhoria gerencial e de melhor profissionalização dos processos. O local é insalubre e os cooperados trabalham sem luvas, máscaras e toucas. Há muito lixo amontoado e misturado aos resíduos em condição de serem reciclados demonstrando improviso. Não existem máquinas para fazer a segregação do material e tudo é feito manualmente. Há excesso de material despejado pelos caminhões da Comurg e uma grande demanda por mão-de-obra. No passado, a Cooprec chegou a produzir telhas e papeis a partir dos materiais recicláveis, porém a máquina sucateou e para sua reativação é preciso R$ 50 mil para reparos e adequação de estrutura — soma a qual a cooperativa não dispõe.
Com o projeto iniciado em 2008, os catadores deveriam se reunir em cooperativas, ideia que a maioria desses trabalhadores rejeita. Os motivos são vários, mas o principal deles é que em cooperativas se perde os benefícios sociais dos programas de distribuição de renda. Desse modo, a cidade deixou de controlar os catadores que voltaram às ruas com seus carrinhos. Os críticos dizem que programas como este de cooperativa não se sustenta por não se tratar de política ambiental, mas sim social.
Cerca de 30% do lixo de Goiânia pode ser reciclado
De acordo com Eraldo Carvalho, professor da Escola de Engenharia Civil e Engenharia Ambiental (EEC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), e vice-coordenador do projeto de elaboração do Plano Estadual de Resíduos (Pers), a parte dos resíduos sólidos urbanos que poderiam ser reaproveitados em Goiânia é de 30% do total que é destinado ao aterro sanitário. Entretanto, ele lembra que para se chegar a esse patamar não seria uma tarefa tão simples. Haveria a necessidade de todo o lixo produzido na capital ser coletado seletivamente, uma realidade ainda muito distante por conta dos parcos investimentos na área e pela falta de políticas de conscientização. “Poucas cidades no mundo conseguem fazer isso efetivamente, porém Goiânia tem um índice muito baixo, de 4% de resíduos que são reciclados.”
Em relação às cooperativas, Eraldo Carvalho afirma que elas funcionam em locais improvisados com necessidade de melhorias estruturais, uma condição básica para se conseguir licença ambiental — algo que a maioria ainda não possui. Ele aponta que a condição dessas organizações de se limitarem apenas para a separação e prensagem de resíduos é um grande problema. Ele explica que é necessário convertê-las em indústrias de transformação e atrair outras para a capital. “Temos aqui algumas fábricas, mas a maioria que processam nossos resíduos está na Região Sudeste, enfraquecendo assim o mercado local de reciclagem”, afirma.
De acordo com o presidente da Associação das Empresas de Reciclagem do Estado de Goiás (Asciclo) — que congrega 47 empresas de reciclagem em todo o Estado —, Leopoldo Santana, atualmente, em Goiás, apenas 20% do que é descartado é reaproveitado pela reciclagem. Ele que é proprietário de uma empresa de reciclagem de metais, diz que o grau de recuperação do alumínio é muito maior se comparado a outros tipos de produtos, por ter alto valor agregado no mercado, ao contrário do que acontece com o papel, papelão, plástico e garrafas PET. “Pelo fato dos metais nobres terem maior valor no mercado, os catadores são desestimulados a coletarem os demais produtos, deixando este trabalho à prefeitura”, diz.
Leopoldo Santana critica o modo em que a prefeitura tem conduzido o sistema de coleta seletiva no qual classifica como desorganizado e ineficiente. Ele também diz que as cooperativas não estão estruturadas devidamente por conta de falhas durante a seleção dos materiais em condições de serem reciclados. “As cooperativas geram volume de lixo muito grande porque o que vai para elas não é em sua maioria materiais recicláveis”, argumenta.
Prefeitura garante que coleta seletiva cobre a cidade inteira

O presidente da Comurg, Ormando José Pires Júnior, garante que toda a cidade é atendida pela coleta seletiva de lixo e que a frequência é definida de acordo com a quantidade de resíduos que é produzido por cada região. Ele afirma que a prefeitura tem se preocupado em conscientizar a população de que é necessário fazer uma seleção dos resíduos a serem destinados à reciclagem, porém apenas 40 agentes têm feito esse trabalho por toda cidade, número que ele reconhece ser baixo para o tamanho do desafio.
Ormando José Pires reconhece que são necessários projetos educativos para que a coleta seletiva da capital possa ser melhor aproveitada pelos munícipes juntamente com a necessidade de separação do lixo orgânico do reciclável. “O mais adequado seria uma campanha maciça nos meios de comunicação, porém isso demanda custos maiores e devemos ter um planejamento neste sentido a médio e longo prazo.”
O aterro sanitário já há algum tempo não segue normas ambientais por receber resíduos de construção civil, o que é proibido, além de outras irregularidades. O chorume, em várias ocasiões, já transbordou para o córrego Caveirinha e não há tratamento adequado dos resíduos de serviços de saúde. Em relação a isso, Ormando José Pires afirma que há uma área de expansão do aterro que poderá dar sobrevida por mais 15 anos ao local, juntamente com medidas de tratamento adequado ao espaço. Sobre os resíduos da construção civil ele diz que este material é utilizado para fazer a cobertura do aterro e que em breve haverá uma usina de reciclagem de entulhos para o reaproveitamento destes rejeitos.