Com fusão ou não, PCdoB, que sempre bancou as candidaturas petistas, já avisou que terá nome próprio em 2022

Márcio França, Flávio Dino e Carlos Siqueira em reunião realizada no ano passado | Foto: Twitter/Reprodução

Em um artigo publicado no jornal O Globo no último dia 23 de julho, o ex-juiz federal e atual governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB, faz um apelo mais do que explícito para o que ele chama de “caminhar com Mandela” (o que também dá nome ao artigo). No texto, Dino chama a atenção para a necessidade de uma “ampla união progressista que livre o Brasil do bolsonarismo” e diz que “quem tem clareza dos seus propósitos não teme o diálogo com os diferentes”.

A mensagem de Dino é direta em relação à sua vontade de somar forças na esquerda, centro-esquerda, centro e até centro-direita para combater o que ele chama de “golpismo permanente” que realiza “destruições sucessivas de instituições e de vidas”. Mas além da construção de um diálogo com outras forças e frentes que, apesar de posturas e ideologias diferentes, também se mostram como oposição ao governo Bolsonaro, o governador pode ter em mente já um projeto específico de união, o que implicaria na fusão entre seu partido e o PSB, possibilidade essa que passou a ser comentada entre os filiados e apoiadores.

Na última semana, O Globo noticiou que Dino estaria articulando uma fusão das duas siglas para criar um partido forte que possa lança-lo como candidato à presidência da República. Além do capital político dos dois partidos juntos (vale lembrar que o PCdoB tem um dos maiores movimentos de juventude do país, a UJS), com a fusão, seria possível tocar um fundo eleitoral de mais de R$ 145 milhões, valor superior ao que é recebido por grandões como o PSDB, DEM e PP (esse último, antigo partido do presidente Jair Bolsonaro).

O governador do Maranhão já estaria se referindo ao novo e possível partido como um “MDB da esquerda”, uma vez que a nova legenda poderia atrair vários nomes insatisfeitos com os rumos das suas próprias legendas. Entretanto, a hipótese de PCdoB e PSB unidos em um só partido foi categoricamente negada pela presidente nacional da sigla de Dino, Luciana Santos. De acordo com a vice-governadora do Pernambuco, não há “nenhum debate em curso sobre fusão do PCdoB com PSB ou qualquer outro partido”.

Flavio Dino, governador do Maranhão | Foto: Facebook/Reprodução

Questionado sobre a questão, o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, foi evasivo mas deixou em aberto uma brecha. Siqueira disse que não iria discutir a suposta fusão pelos jornais, uma vez que “essa seria a forma mais segura da fusão não dar certo”. “Se acontecer essa fusão, ela deverá ser primeiro discutida internamente, o que não está acontecendo agora, antes de se tornar pública”, declarou ao O Globo.

Pelo sim ou pelo não, caso essa união entre os dois partidos realmente siga adiante, uma coisa é certa: a perdas serão significativamente grandes para o PT. A legenda petista, que tem uma das maiores bancadas de deputados na Câmara, sempre teve o PCdoB como forte braço eleitoral. Uma composição fechada com outro partido de esquerda, lançando um nome próprio do PCdoB, poderia significar, dessa vez, deixar o PT como coadjuvante.

Uma chapa composta por PT e PCdoB para 2022 chegou a ser cogitada. Entretanto, os petistas logo deixaram claro: a cabeça de chapa seria do PT. Em uma entrevista concedida no início do ano, o ex-presidente Lula chegou a dizer que gostava do governador Flávio Dino, mas que “o PT era um partido muito grande comparado ao PCdoB”. “É muito difícil imaginar eleger alguém de esquerda sem ser do PT”, disse, à época.

Porém, com outras lideranças na esquerda manifestando a vontade e agindo para serem os principais nomes de suas alianças, o jogo pode virar.

É a hora do PT retribuir o apoio que o PCdoB sempre deu, diz Tatiana Lemos

Para a vereadora Tatiana Lemos, do PCdoB, o Brasil está em um momento em que a defesa da democracia é fundamental. Segundo a vereadora, que é filha da ex-deputada estadual Isaura Lemos, nome proeminente do PCdoB em Goiás, caso haja necessidade, fusões e alianças precisam ser feitas.

“O PCdoB é o partido mais antigo do Brasil, um partido que foi criado e fundado na luta do povo pelos seus direitos e já passou por muitos momentos difíceis, inclusive já esteve também na clandestinidade, quando em outra época não havia democracia. Então, diante disso tudo, se é necessária uma fusão para que consiga sobreviver e manter a democracia no nosso país”, declarou.

Tatiana enfatiza que, apesar ser da base petista, o PCdoB não é o PT. A parlamentar esclarece que o nome do partido para 2022 será o de Flávio Dino e que essa seria a hora da legenda petista apoiar o governador para a presidência da República. “Dino é um homem mais do que preparado, um ex-juiz federal que passou em primeiro lugar no concurso onde, inclusive o Moro ficou na lista de chamada […]. Na relação com o PT, eu acredito que agora talvez seja a hora do PT retribuir todo esse apoio do PCdoB, talvez tendo aí o PCdoB um nome na cabeça de chapa”, afirmou.

Para Tatiana Lemos, é hora do PT retribuir o apoio que já foi dado pelo PCdoB | Foto: Facebook/Reprodução

“Tudo é uma construção. Hoje, claro, o PT é um partido bem maior do que o PCdoB em questão numérica, mas nadam juntos, têm muitas pautas juntos, e não vejo dificuldade nenhuma do PT querer vir apoiar o PCdoB”, conclui.

A vereadora falou sobre as especulações acerca de uma possível fusão entre PCdoB e PSB, mas se referiu à hipótese exatamente como especulações. Porém, Tatiana admitiu que Dino está manifestando que existe a possibilidade da união.

Já para a secretária da Mulher do PCdoB em Goiás, Sidiana Soares, uma chance de fusão com outro partido não é pauta dos fóruns. Conforme a secretária, o debate está voltado para as eleições municipais de 2020 e a preparação dos pré-candidatos e das pré-candidatas que serão lançadas pelo PCdoB.

Sidiana conta que serão mais de 100 mulheres concorrendo em diferentes municípios do Estado. “Tivemos uma grandiosa plenária no último sábado [18/7] da secretária nacional de mulheres do PCdoB com pré-candidatas de todo Brasil e começamos na próxima semana um curso”, adianta.

Para cientista política, possível fusão é projeto na esquerda sem o PT

Uma nova frente de esquerda o PT não deve encabeçar. Muito menos participar. É o que acredita a doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Denise Paiva. De acordo com Denise, uma possível fusão entre PSB e PCdoB representa um movimento de união de forças da esquerda e centro-esquerda, com a qual, segundo a professora, o PT tem se mostrado reticente.

Conforme Denise, o partido de Lula tem como marca primar pela liderança das alianças das quais participa e não seria diferente agora. “Vejo com ceticismo o PT acompanhar esse movimento de união, porque uma característica do partido, sem fazer nenhum juízo de valor, é que em geral as alianças que ele aceita formar são alianças onde as candidaturas gravitam em torno dele. Ele é hegemônico”, avalia.

PT é homogênico e pode não querer compor união, diz cientista política | Foto: Arquivo pessoal/Reprodução

A professora vê Flávio Dino como um potencial para 2022, mas adianta que tudo vai depender de como vão se comportar as lideranças dos partidos envolvidos nessa união.

“Se vai ser uma candidatura competitiva. Isso vai depender muito de quem vai ser o candidato do próprio centro da esquerda, porque ainda está um cenário muito nebuloso. O Flávio Dino tem sido uma liderança importante no campo da esquerda, mas é preciso criar novas negociações”, conclui.