Por que os partidos estão tirando a letra “p” de seus nomes?
26 agosto 2017 às 13h49
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Tendência mundial: PMDB, PP, PTN, PEN, PTdoB e PSDC já trocaram ou devem trocar de nome em breve
Em eleições que prometem um clima quente, a famosa sopa de letrinhas da política brasileira está perdendo espaço no cardápio de 2018. Aos poucos, partidos estão mudando seus nomes em uma tentativa de repaginação. No ano que vem, o eleitor deve se deparar, em menor frequência, com a palavra “partido”.
De acordo com o presidente nacional do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o senador Romero Jucá, de Roraima, a sigla pode voltar a se chamar MDB, relembrando os tempos de oposição à ditadura – ainda que não consiga ressuscitar nomes como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves.
O deputado federal Daniel Vilela, presidente do PMDB em Goiás, diz ser contra a mudança. O parlamentar argumenta que, nesse momento, são necessárias alterações orgânicas no partido a fim de atualizá-lo e não algo “irrelevante” como esse tipo de alteração. “O MDB já está cravado na história. Não concordo em voltar a usar o nome de um momento histórico. Se fosse para mudar, teria de ser uma outra denominação”, defende.
À coluna “Bastidores”, do Jornal Opção, o Senador Wilder Morais disse que, nos discursos e nas entrevistas, o som do Partido Progressista (PP) era confundido com o do Partido dos Trabalhadores (PT). O PP irá se chamar Progressistas e o senador goiano teve papel decisivo na escolha.
Anteriormente chamado de Partido Trabalhista Nacional (PTN), o Podemos teve sua troca oficializada em julho deste ano e já conta em seus quadros com os senadores Álvaro Dias, do Paraná, e Romário, do Rio de Janeiro, além do deputado federal por Goiás, Alexandre Baldy. Presidente regional do partido, Adriano Avelar apoiou a mudança desde o início. Ele considera que a ideia é buscar uma nova roupagem por meio de um modelo mais “evoluído”, “pragmático” e “inovador”, objetivando mostrar à população um novo mecanismo de fazer política.
Santana Pires, presidente do Partido Ecológico Nacional (PEN), que deve passar a ser chamado de Patriota, acredita que a retirada da palavra “partido” em massa é apenas uma coincidência. Segundo ele, o PEN será Patriota por exigência do deputado federal Jair Bolsonaro, do Rio de Janeiro. Santana Pires contou que havia deixado o presidenciável no aeroporto de Brasília momentos antes de conversar com o Jornal Opção ao telefone. Com o polêmico parlamentar, de 25 a 30 deputados federais devem se filiar ao Patriota, dentre os quais Santana diz haver goianos, sem revelar nomes.
Até o fechamento desta edição, a reportagem não conseguiu entrar em contato com as executivas goianas do Avante, antigo Partido Trabalhista do Brasil (PTdoB), e do Partido Social Democrata Cristão (PSDC), cujo requerimento para se tornar Democracia Cristã está em tramitação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Outros casos
Em 2007, o então Partido da Frente Liberal (PFL) virou Democratas e passou a usar a sigla DEM. Mesmo sem “partido”, o Democratas também deve aderir à mudança de nome e tende a se tornar Movimento de Unidade Democrática (Mude). Tony Carlo, assessor de imprensa do senador Ronaldo Caiado, presidente do Democratas em Goiás, expressou que o assunto ainda é “embrionário”.
Conforme publicado pelo “Estadão”, o Partido Social Liberal (PSL) teria sofrido uma modificação para Livres. Contudo, o presidente do PSL em Goiás, Benitez Calil, garante que o Livres se trata apenas de um movimento dentro do partido, uma espécie de “PSL Jovem”, e que não recebeu nenhuma informação da executiva nacional a respeito de uma eventual alteração do nome.
Algumas siglas já nasceram como um “movimento”. São os casos do Solidariedade e da Rede Sustentabilidade, cujos registros foram concedidos em 2013 e 2015, respectivamente. Por sua vez, mesmo tendo oficialmente a palavra “partido”, o Novo não costuma usá-la nas propagandas. E o seu nome é provavelmente o mais sugestivo entre aqueles que visam negar a política tradicional.
Tendência mundial
A busca pelo distanciamento da velha política não é uma característica exclusiva brasileira. Há, pelo mundo, demonstrações desta tendência.
Talvez não haja quem melhor represente a “antipolítica” do que Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, que, antes de ter sido eleito em 2016, nunca havia exercido qualquer função nesta área e bancou a campanha do próprio bolso. Até por isso, adotou – e ainda adota – discursos tradicionalmente não políticos.
Adversária do republicano nas eleições estadunidenses, a democrata Hillary Clinton, por outro lado, se enquadra perfeitamente na representação do que é a política. Ex-primeira-dama, ex-senadora e ex-Secretária de Estado durante o governo Barack Obama, Hillary foi a candidata de Wall Street e de grandes bancos, como Goldman Sachs.
Do outro lado do Atlântico, o Reino Unido se deparou, também no ano passado, com o Brexit – a futura saída do país da União Europeia, aprovada em plebiscito. O prefeito de Londres, Sadiq Khan, e o então primeiro-ministro britânico, David Cameron, votaram contra. Khan é dos Trabalhadores, enquanto Cameron é dos Conservadores, os dois grandes rivais da política na terra da rainha. Uma das cabeças da campanha pró-Brexit foi Nigel Farage, líder do pequeno UK Independence Party (UKIP) à época. Eurocético e nacionalista, Farage é comumente comparado a Trump.
Ainda na Europa, a Espanha sofre com o enfraquecimento dos principais partidos locais, o Partido Popular (PP) e o Partido Socialista Obrero Español (PSOE), à medida em que Ciudadanos, à direita, e Podemos, à esquerda – e que nada tem a ver com a sua versão brasileira -, ganham cada vez mais espaço sem utilizarem a palavra “partido”.
Na Itália, o MoVimento 5 Estrelas (M5S), que se recusa ser chamado de partido, já elegeu prefeitas em Roma e Turim e tende a obter bons resultados nas próximas eleições gerais. Fundado na internet pelo comediante Beppe Grillo, o M5S deixa de lado a dicotomia esquerda-direita e se define como um movimento simplesmente contrário ao sistema vigente. Para eles, a posição no espectro político deixa de importar. Agora, a moda é refutar a política tradicional.
Um grande exemplo dessa nova moda é a recente eleição na França. Na véspera do pleito, as pesquisas apontavam um empate quádruplo entre Emmanuel Macron, Marine Le Pen, François Fillon e Jean Luc-Melechon. O candidato do governo, Benoît Hamon, do Partido Socialista, nem sequer figurou no pelotão da frente. Melechon, com um discurso populista de esquerda, cresceu na reta final, mas terminou em quarto (a diferença dele para o primeiro foi de 4%). E Fillon, representante dos Republicanos, principais rivais dos Socialistas, não passou da terceira posição.
Foram ao segundo turno o centrista Macron, do movimento “La République en marche!”, e a populista de direita Marine Le Pen, da Frente Nacional. Os tradicionais Socialistas e Republicanos deram lugar a partidos sem o nome “partido”, que são ideologicamente diferentes, mas compartilham a mesma negação da velha política. Apesar de já ter integrado os quadros do Partido Socialista e ter servido como Ministro da Economia, Indústria e Assuntos Digitais do governo de François Hollande, Macron, de 39 anos, concorreu – e venceu – por uma sigla criada apenas no ano passado.
É um equívoco pensar que a onda “antipolítica” é restrita ao Ocidente. Nas Filipinas, o nada político Rodrigo Duterte, eleito presidente em 2016, já xingou Barack Obama e fez gestos obscenos a ele em público durante uma coletiva de imprensa. Com sua guerra às organizações internacionais por supostas violações de direitos humanos no combate ao tráfico de drogas, tendo ameaçado deixar a Organização das Nações Unidas (ONU), além da luta contra uma célula local do Estado Islâmico (chegou a dizer que, com sal e vinagre, comeria os terroristas vivos), o filipino é um fenômeno de popularidade.
Marolinha ou tsunami
De uma certa maneira, esta onda atingiu a costa brasileira em 2016. Não somente pelas vitórias de João Dória, em São Paulo, e Alexandre Kalil, em Belo Horizonte, mas também pelo alto número de abstenções e votos nulos ou brancos.
Geert Wilders, na Holanda, e Norbert Hofer, na Áustria, fracassaram nos pleitos de seus respectivos países. Ambos são adeptos da “antipolítica”, que não parece ter um representante forte o suficiente para vencer as eleições da Alemanha (O AfD, partido desta ala no país em questão, apesar de ser o primeiro de extrema-direita que pode ocupar cadeiras no Parlamento desde 1945, deve ficar em terceiro, atrás do social-democrata Martin Schulz e da democrata-cristã, Angela Merkel), marcadas para setembro. A pergunta que fica é se esse movimento tende a enfraquecer ou se consolidar. Em 2018, as eleições no Brasil podem ajudar a responder.
Doutor em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB), Pedro Pietrafesa explica que a instituição partido está em descrédito pelo mundo e as mudanças de nome não acontecem à toa. “Estão buscando alternativas e esse é um artifício que, na teoria, pode afastar a imagem da política tradicional, mas, na prática, não resulta em mudança concreta dentro dos partidos”, aponta.
Professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), o cientista político salienta que ainda não se sabe como esse movimento global vai interferir no pleito do ano que vem. De acordo com ele, depende de como os novos partidos vão se apresentar e, principalmente, quem serão os candidatos. “Se grandes nomes como Lula e Alckmin se candidatarem, a onda pode acabar sendo uma marolinha”, pensa.
Porém, Pedro Pietrafesa ressalta que um tsunami não está descartado. Para o professor, as chances disso se tornar realidade se dão em decorrência do histórico recente brasileiro – de Fernando Collor a João Dória – em apresentar nomes supostamente de fora da política e, por isso, uma boa votação de Jair Bolsonaro não deve ser encarada com surpresa. Ainda segundo o cientista político, o tsunami tem mais possibilidade de acontecer devido aos candidatos em si e não necessariamente às mudanças de nome dos partidos.