É preciso exigir redução de danos das mudanças climáticas para já, dizem pesquisadores
24 setembro 2023 às 00h01
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Nem mesmo as chuvas inesperadas em agosto e no início de setembro foram capazes de amenizar o forte calor sentido no Brasil, especialmente pelo goianos. As altas temperaturas que estiveram presente no inverno do hemisfério sul não vão embora tão rapidamente com a chegada da primavera.
De acordo com especialistas, a onda de calor é tão severa que jamais foi percebida no Brasil. Existe a possibilidade de recordes serem quebrados País afora. Até o momento – a máxima já registrada foi de 44,8ºC, na cidade de Nova Maringá (MT), em 2020. Os Estados mais afetados, segundo os institutos de meteorologia, serão Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Rondônia, Pará, Tocantins, Bahia, Piauí e Maranhão. Ou seja, mais da metade das unidades federativas e de todas as regiões. Em todas elas, possivelmente os termômetros registrarão temperaturas acima de 40ºC.
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) explica que um dos motivos para a elevação do calor são as alterações climáticas dos últimos 60 anos. Neste período, houve uma redução de chuvas e as temperaturas subiram em torno de 1,5ºC. O instituto aponta a possibilidade de um acréscimo na frequência, intensidade e duração desses eventos extremos, como calor, seca e inundações.
No presente caso, esse aquecimento, chamado de “bolha de calor”, deverá se prolongar pelo menos até a primeira semana da primavera, segundo os especialistas. Contudo, vale ressaltar que essa “ebulição” não acontece somente no Brasil, mas no mundo. Segundo estudo realizado pela ONG CarbonPlan em parceria com o jornal Washington Post e publicado por O Globo, até 2050, mais de 5 bilhões de pessoas, ou seja, mais da metade da população mundial, estarão expostas a no mínimo um mês de calor extremo por ano.
De acordo com os dados da ONG, Belém do Pará será a cidade brasileira que mais sofrerá com temperaturas elevadas. A capital paraense sentirá o aumento mais acentuado entre as grandes cidades do mundo. Em dados absolutos, perderá apenas para Pekanbaru, na Indonésia.
Os cientistas que conduziram os estudos informaram que está em curso uma nova onda de calor extremo que representa uma das ameaças mais graves para a humanidade. Os países mais pobres, onde as pessoas têm maior dificuldade para acessar serviços de saúde e sistemas de refrigeração, são os que mais sofrerão, conforme ponderam os pesquisadores. No brasil, de acordo com a MetSul Meteorologia, a onda de calor excepcional poderá bater a casa dos 45ºC, com sérios riscos à Vida.
Diante desse cenário de fervura mundial, o Jornal Opção ouviu especialistas que detalham por que está acontecendo isso no planeta, quem seriam os culpados, se existe algo que se possa fazer para reverter esse quadro e quais os cuidados com a saúde em casos excepcionais como o atual.
Especialista da UFG
A geógrafa e coordenadora do Laboratório de Análise da Atmosfera e da Paisagem do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás (Iesa/UFG), Gislaine Cristina Luiz, explica que o que está acontecendo em relação às altas temperaturas registradas em todo o mundo neste ano é um fator já existente desde a história da evolução do planeta terra. Essas variações sempre existiram na avaliação da pesquisadora.
Para ela, atualmente o que se observa é uma modificação no comportamento das chuvas, no padrão das temperaturas. Apesar de tais variações acontecerem desde sempre, nos últimos anos elas estão ocorrendo de forma mais intensas, porém, muito mais por causa das ações humanas que interferem diretamente na mudança de comportamento da natureza.
A professora esclarece que o fim do inverno no Brasil sempre foi caracterizado por muito calor, então isso não seria surpresa. No entanto, o que causa incômodo é que as temperaturas estão mais elevadas que o habitual. “O aquecimento fora do normal se dá muito por causa das condições de superfície do mar. O Oceano Atlântico está mais quente e, além disso, temos o fenômeno El Niño acontecendo no Pacífico, o que gera modificações na atmosfera, repercutindo em algumas regiões do País como calor excessivo.”
De acordo com a geógrafa, o Oceano Atlântico mais aquecido do que deveria influencia diretamente nas massas de ar em volta do planeta. Conforme pontua a professora, existe um bloqueio atmosférico que está impede a passagem de ar frio para algumas regiões. “O bloqueio atmosférico é um sistema de ar que se instala em determinada região, impedindo a passagem de massas de ar que possam promover queda nas temperaturas e chuvas. É como se fosse uma grande bolha de aquecimento atípico, que, para ser rompida, precisa do surgimento de outra bolha ainda maior, de ar mais frio”, pontua.
A doutora discorre, então, sobre a crise climática que o mundo está presenciando. “Essas transformações são variações na temperatura, precipitações e nebulosidade em escala global. A despeito de o planeta já ter passado por inúmeros momentos assim, esses acontecimentos estão cada vez mais intensos e infelizmente a atividade humana é um dos causadores dessa problemática.“
Em relação ao superaquecimento do Oceano Atlântico, a pesquisadora explica que ainda é uma incógnita, mas, que, os cientistas estão em busca da resposta, assim como também ainda não se sabe as verdadeiras causas dos fenômenos El Niño e La Niña – este. de resfriamento das águas do Pacífico. Tudo isso ainda são objetos de estudos, apesar de várias hipóteses levantadas e posteriormente descartadas.
Para a pesquisadora, a interferência humana na natureza é um forte gerador do aquecimento global, como o desmatamento intensivo e a impermeabilização das grandes cidades, que resulta em temperaturas elevadas nas áreas metropolitanas. Entretanto, a zona rural também tem experimentado calor ao extremo ano após ano, com desmatamentos e queimadas, desarborização das margens dos rios, gerando além do aumento das temperaturas, uma queda na umidade relativa do ar, que é um elemento muito importante principalmente para quem mora no Cerrado.
Ainda conforme pontua a professora, as previsões para os próximos anos não são de melhora nesse cenário. “A tendência é de aumento. Os modelos nos mostram que, se houver continuidade das mesmas atividades, não haverá mudanças para melhor”, diz. A coordenadora, todavia, expõe um ator importante nessa conjuntura que tem o poder de provocar uma modificação do atual panorama: o povo. “A sociedade precisa se organizar para tentar reverter essa situação caótica.“
A pesquisadora explica como a população pode ajudar nesse processo: reivindicando, juntos aos gestores políticos, ações concretas e exigindo dos mesmo uma melhor qualidade do ar. “Por exemplo, é um absurdo em nossa cidade ter uma Feira Hippie sem arborização, não tendo como o ar circular para minimizar a alta temperatura. Tem de acabar com a ideia de que arborização é somente para efeitos visuais, como é o caso das enormes palmeiras nas vias de circulação, mas que não trazem sombreamento e, assim, vão criando esses bolsões de ar quente que ultrapassaram facilmente os 40ºC. O pico do calor ainda está por vir”, adverte.
A pesquisadora relata que as ações individuais podem ajudar a mudar esse cenário, como arborizar o seu quintal, a sua rua, e a partir de aí exigir do poder público uma praça com mais árvores que realmente sombreie e não apenas para beleza cênica do ambiente. “As ações começam por cada pessoa, não devemos esperar as coisas prontas virem do governo porque não virão. A população precisa se conscientizar e fazer sua parte e posteriormente impor aos agentes públicos que façam a sua”, defende.
Para a doutora, essa onda de calor intenso poderá acarretar em problemas para a economia mundial, mas pensando em um estado agropecuário como é Goiás, sérios problemas acometeram principalmente os pequenos produtores que não tem a tecnologia a seu favor, como sistemas de irrigação, por exemplo. Ademais, de acordo com a professora, as perspectivas para o aumento do preço dos alimentos são reais em ambiente assim. “Lembrando que o produtor terá maior custo financeiro para manter a produção, além de eventuais perdas se as chuvas atrasarem também. É um conjunto de fatores que podem afetar a produção de forma negativa influenciando diretamente em um possível aumento da inflação, “alerta.
A pesquisadora reitera que os eventos climáticos não podem ser evitados, mas as consequências devastadoras sim. Hoje a precisão dos institutos meteorológicos são de praticamente 100% de acertos, podendo assim pelo menos evitar que muitas vidas se percam. “Tragédias como a do Rio Grande do Sul e da Líbia, com milhares de mortes, só acontecem porque as autoridades ignoram a ciência”, denuncia.
“O fenômeno a gente não consegue impedir, mas é possível preparar a população para que não venha a sofrer todas as consequências do evento. As perguntas que fazemos são as seguintes: por que esse pessoal não foi avisado, porque não foram retirados das áreas de risco, porque elas não foram orientadas”, pergunta. Para a professora, nesses casos existe uma clara omissão dos gestores.
A geógrafa lembra que a redução da queima de combustíveis fosseis é uma forma de ajudar a diminuir as altas temperaturas no planeta. “Essa atitude já deveria estar acontecendo há muito tempo. Países de primeiro mundo são os maiores responsáveis pelo lançamento de gases de efeito estufa na atmosfera, como os Estados Unidos e a China que lideram essa lista. “
Além de possíveis problemas na economia, outra área atingida com o calor excessivo é à saúde. “Altas temperaturas trazem risco à saúde tanto humana quanto dos animais. A população mais afetada, são os mais vulneráveis socialmente falando, os idosos, crianças e pessoas com algum tipo de doença crônica. “Por isso, é fundamental que os agentes públicos tomem ações para proteger a população”, ressalta.
Saúde
Fernanda Miranda de Oliveira, Pneumologista e Presidente da Sociedade Goiana de Pneumologia e Tisiologia descreve quais os cuidados que a população precisa tomar para cuidar da saúde em momentos críticos assim. Fernanda Miranda descreve que temperaturas elevadas podem levar à desidratação e ao aumento da temperatura corporal, causando insolação. Ainda pode sobrecarregar o sistema cardiovascular, ampliando o risco de ataques cardíacos, arritmias e outras complicações em pessoas com doenças cardíacas.
Em relação ao sistema respiratório, o forte calor tende a piorar as condições respiratórias, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Conforme a pneumologista, esse fenômeno é capaz de levar à perda de líquidos e eletrólitos, resultando em desidratação e desequilíbrios metabólicos.
Ainda promove o crescimento de alérgenos e patógenos, agravando alergias e aumentando o risco de patologias transmitidas por vetores, como dengue e zika. Exposição excessiva ao sol pode causar queimaduras solares, insolação e expandir os perigos de câncer de pele. Ainda de acordo com a profissional, as altas temperaturas podem motivar problemas neurológicos, como confusão mental, tontura e até mesmo convulsões.
“É importante tomar medidas preventivas, como hidratar-se, adequadamente, evitar a exposição direta ao sol nas horas mais quentes do dia. Usar roupas mais leves e proteção solar, manter-se informado sobre os alertas de calor para proteger a saúde durante condições climáticas quentes”, aconselha.
Fernanda pondera que as crianças de até cinco anos e os idosos acima dos 65, são os que mais necessitam de cuidados nessa época. A especialista diz que para se ter uma noite de sono tranquila, é importante manter o ambiente mais arejado com o uso de umidificador.
Meteorologia
André Amorim Gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimego), esclarece que esse calor no estado de Goiás, a princípio se manterá até que as chuvas se iniciem na primavera. “Esperamos para a próxima semana a chegada de uma frente fria, no entanto, por enquanto as temperaturas estrão bastante elevadas em todo o estado, podendo em alguns locais chegar aos 40Cº”, pontua
Aprosoja –GO
Questionada se a forma utilizada no manejo e preparo da terra para o plantio das lavouras é um fator causador de desmatamento e devastação ambiental, que consequentemente contribuem para a elevação das temperaturas, a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Goiás (Aprosoja) esclarece em nota que está equivocado aqueles que pensam dessa maneira.
“Essa é uma acusação equivocada, pois com o advento do desenvolvimento tecnológico e as legislações ambientais vigentes, o Brasil se tornou um dos principais fornecedores de alimentos do mundo, com o aumento da produção em aproximadamente 560% sem avanços significativos sob áreas de vegetação nativa. “
A nota continua pontuando que, segundo dados da Embrapa, 66% do território nacional é coberto por esse tipo de vegetação, com metade dessas áreas dentro de propriedades particulares. Mesmo com os aspectos ambientais positivos da produção agropecuária, o setor busca conformidade ambiental e a sustentabilidade em todas as suas ações, como práticas de agricultura regenerativa, soluções baseadas na natureza, sequestro de carbono, preservação de recursos naturais, entre outros.
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