Embora o eleitorado ainda não pense nas eleições, as pesquisas de alguns dos principais institutos do estado revelam que políticos já começaram a adaptar seus perfis para se encaixar melhor com os anseios da população em 2024. Candidatos e partidos contratam empresas para moldar campanhas antes, durante e depois das eleições. O Jornal Opção ouviu estes profissionais para compreender quais serão as tônicas das eleições municipais em Goiânia, bem como antecipar o tom das campanhas. 

Segundo Mário Rodrigues, diretor da Grupom Consultoria e Pesquisa, empresa que atua desde 1972 com pesquisas de marketing e política, o perfil do candidato que o goianiense quer é o mesmo da última eleição. “Honestidade, competência e inteligência”, afirma Mário Rodrigues. Estes foram os critérios que guiaram a opção por Maguito Vilela em 2020, que nunca assumiu, e são as qualidades que a cidade continua a desejar. 

Segundo o consultor de marketing político, o fato de que o perfil de candidato desejado continua igual ao da última eleição é um sinal de que o anseio não foi satisfeito. “Se as pessoas continuam querendo honestidade, competência e inteligência, pode haver uma falha do atual gestor em comunicar essas qualidades à população.” 

Mais do que indicadores dos rumos da disputa política, as pesquisas eleitorais servem de subsídio para estratégias de marketing eleitoral. Mário Rodrigues diz que as ações políticas de pré-campanha já começaram a contar. “Quem quer disputar 2024 já deveria estar visitando entidades, oferecendo serviços, se apresentando nas redes sociais – enfim, fazendo comunicação clara. Não adianta ser honesto, competente e inteligente sem transmitir essa imagem ao eleitorado.”

Sobre os possíveis tópicos principais do pleito, Mário Rodrigues responde: “Desde que comecei a fazer pesquisas, há mais de 50 anos, os problemas da saúde, segurança pública, transporte, educação – tudo isso é significativo. O que acontece é que a importância desses temas flutua em função da qualidade dos serviços encontrados. Neste momento, a população de Goiânia não sente que é ouvida. Principalmente na eleição municipal, em que os problemas da porta de casa importam mais do que a ideologia, o eleitorado quer alguém que honesto, competente e inteligente o suficiente para resolver problemas concretos da rua, do bairro.”

Mário Rodrigues: “Quem está mais na mídia é mais lembrado” | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

O espírito do tempo

Jorge Lima é diretor do Instituto Goiás Pesquisas e afirma que as pesquisas já têm sido realizadas, mas, neste momento, há mais de um ano e meio das eleições, o que é medido não é a intenção de votos, apenas o reconhecimento ou desconhecimento dos atores políticos. “A população responde aos nomes que já são conhecidos – atuais políticos com cargos ou quem foi candidato no último pleito.” O objetivo dos pesquisadores neste ponto não é saber em quem as pessoas votarão, explica Jorge Lima. O intuito é saber o que as pessoas querem ver realizado com seu voto.

“Em muitas cidades goianas, o eleitorado quer um gestor; Goiânia inclusive”, afirma Jorge Lima. “Esse fator geralmente significa alguém que resolve problemas, arruma coisas, e o desejo frequentemente aparece em administrações mal avaliadas. As pessoas querem alguém que conserte a situação – mas não qualquer um, é claro. Não pode ser uma pessoa desconhecida. É preferível alguém com o histórico de trabalho conhecido.” 

Jorge Lima explica que o que se nota em grupos focais e em questionários aplicados é que, em tempos distantes das eleições, as pessoas não pensam na política como ferramenta para resolver problemas coletivos. “No Brasil todo, o voto é instrumento para obter melhoria pessoal. É uma forma de beneficiar minha classe ou grupo social, e não uma forma de expressar o desejo por um rumo das políticas públicas. É mais utilitário.”

Segundo Jorge Lima, há um desgaste do candidato do provocador | Foto: Jornal Opção

A ideologia, entretanto, tem seu papel nas eleições municipais. Esse conjunto de ideais aparece quando se aplicam questionários associando políticos da cidade com o contexto nacional e estadual. Apesar de o prefeito representar a capacidade prática de resolver problemas concretos, ele está ligado a políticos cuja ideologia é relevante. “Se Ronaldo Caiado (UB) estiver bem avaliado em Goiânia nas eleições de 2024, seu apoio vai pesar muito. Se Lula (PT) estiver bem, Adriana Accorsi ou Edward Madureira (ambos PT) vão receber um reforço. Se Bolsonaro (PL) se reabilitar, Gustavo Gayer (PL) ficará em alta.”

 Também está claro o que a população não quer. Segundo Jorge Lima, há uma saturação e um desgaste da imagem do provocador. O denuncismo, o ataque, a eterna oposição estão em baixa; principalmente nas eleições municipais, em que a capacidade de realização conta mais. Embora o político que destrói a imagem de adversários tenha números expressivos nas redes sociais, o palpite é de que sua vida profissional será curta pela incapacidade de construir pontes, subir em palanques, ganhar tempo de TV, ampliar o fundo eleitoral de seu partido com alianças. 

Se há um zeitgeist (espírito do tempo) em alta no momento, é a ideia de ‘vingança eleitoral’. “Antigamente, existia o político que comprava o voto da população e ganhava”, explica Jorge Lima. “Hoje, as pessoas aceitam o dinheiro e votam em outro candidato, numa espécie de represália. Bolsonaro foi tirado do poder porque as pessoas se ressentem de sua indiferença ao sofrimento na pandemia, de sua apatia pelos mais pobres, de sua agressividade com jornalistas mulheres. Com Lula aconteceu o mesmo: foi suplantado pelo antipetismo vingativo.” 

O inconsciente coletivo

As prévias das eleições de Goiânia estão caracterizadas por alto número de pré-candidatos inexperientes. Em Goiânia, há a possibilidade de entrar na disputa nomes que venceram nenhuma ou uma eleição e passaram pouco tempo no poder, como Ana Paula Rezende (MDB), Edward Madureira, Silvye Alves (UB), Gustavo Gayer. 

Para Jorge Lima, esse fenômeno é um sinal de fragilidade do prefeito de turno, Rogério Cruz (Republicanos). “Em diversos municípios, como Aparecida de Goiânia, percebemos a multiplicação dos novatos como sinal de que estão percebendo uma oportunidade. Os postulantes testam discursos e visões de mundo colocando seus nomes na corrida, pois sentem que as chances são maiores nas cidades insatisfeitas”, diz Jorge Lima. 

Segundo Mário Rodrigues, diretor da Grupom Consultoria e Pesquisa, o fenômeno da transferência de votos é sempre complexo de ser estudado e difícil de ser medido. “Temos uma grande liderança política na cidade que não conseguiu transferir votos para sua esposa, que era uma grande aposta de 2022. A transferência de votos implica uma dificuldade para o marketing, que é associar a figura do candidato ao de um outro político já consolidado. O trabalho de associação direta entre o candidato e sua obra é frequentemente mais simples.”

Jorge Lima complementa que a transferência de votos é complexa, porque é sempre indireta. “Caso Ana Paula Rezende escolha concorrer, terá de reforçar o perfil de Iris Rezende. As campanhas de oposição vão tentar confundir essa ligação ao afirmar coisas como: ‘Se Ana Paula é herdeira política de Iris Rezende, por que o ex-prefeito nunca a apresentou em vida? O herdeiro na verdade sou eu; olhe só um vídeo em que recebo apoio de Iris Rezende no palanque’. É uma confusão proposital que revela como a transferência de votos pode ser frágil.”

Prefeito de Goiânia, Rogério Cruz | Foto: reprodução

Para 2024, podemos ver tendências perniciosas na campanha que já foram percebidas em pesquisas com grupos focais e em pesquisas etnográficas. “Percebemos claramente que parte da desaprovação ao prefeito Rogério Cruz se deve ao racismo”, diz Jorge Lima. Rogério Cruz é o primeiro prefeito negro de Goiânia. “Ficamos horrorizados porque as candidaturas fundamentadas na agressão, na humilhação e desqualificação do oponente por sua identidade abrem caminho para que o racismo entre na política como visão de mundo válida.”

Jorge Lima explica que os representantes dessa visão de mundo não têm necessariamente um projeto e se baseiam na vontade de apagar ou remover certas identidades das lideranças. “É uma visão de mundo que já existia na sociedade, mas não tinha espaço para discursar em público. Era algo do foro íntimo. A aprovação desses políticos tem relação com o apelo de votar em seu próprio reflexo, em um símbolo de suas ideias, em vez de votar no projeto que se considera melhor para a sociedade.”

Ciência social aplicada

Kaumer do Nascimento Batista, coordenador de pesquisas no instituto Santa Dica Consultoria e Pesquisas, explica a metodologia das pesquisas. 

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Kaumer do Nascimento, do Instituto Santa Dica | Foto: Gabriela Macedo/Jornal Opção

Como as pesquisas eleitorais mudaram ao longo dos anos?

As metodologias para cruzamento de dados, o desenho da amostragem, a parte matemática existe desde o princípio das pesquisas eleitorais. A diferença é a prática. Quando eu comecei, o formulário de papel precisava ser despachado via ônibus para o interior e retornar preenchido e então codificado, digitado e processado. O resultado saía quando era tarde demais. 

Hoje, coletamos entrevistas em tablets que produzem o resultado em tempo real no nosso dashboard. Todas as nossas entrevistas são georreferenciadas, então eu sei que o entrevistador realmente esteve no local certo. A confiabilidade é muito maior porque tentar fraudar o sistema daria mais trabalho do que fazer as entrevistas corretamente.

Todos os institutos usam as mesmas metodologias?

Alguns têm cuidados a mais. A Pesquisa Datafolha usa a grade de amostragem. O entrevistador vai para a rua com determinações do setor censitário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sabendo quantas pessoas de cada perfil socioeconômico existem naquela região de domicílios. Assim, o entrevistador tem um controle do número de pessoas de diferentes grupos e busca uma amostra de entrevistados que refletem o universo pesquisado. Às vezes, uma pessoa quer dar entrevista ao pesquisador, mas ele está buscando pessoas de outro perfil, e acham que o instituto é enviesado por não querer ouvi-lo. 

Outras empresas fazem entrevistas e posteriormente corrigem matematicamente a proporcionalidade de cada grupo. Caso não se consiga ouvir a quantidade de pessoas em uma amostra que representa o universo, pode-se fazer uma ponderação estatística para projetar o peso daquele grupo no total. 

Quão confiáveis são essas técnicas? Como é calculada a margem de erro e o grau de confiabilidade?

Esses termos são frequentemente confundidos. A margem de erro indica a proximidade do valor real nos resultados de uma pesquisa para toda população. O número “mágico” para o mercado é aquele que produz uma margem de erro de 5%, pois, para atingir esse limite, a amostra necessária é comercialmente viável. Como a margem diminui de forma exponencial, diminuir um ponto percentual a partir daí exige um número grande de entrevistas adicionais. 

Já a confiabilidade da pesquisa significa que a metodologia utilizada pode ser replicada para produzir outras pesquisas de resultado semelhante, dentro da margem de erro. Como as pesquisas podem variar de amostra para amostra, quando se tem 99% de confiança de que a pesquisa está no intervalo de confiança, significa que apenas 1% das pesquisas refeitas com aquela metodologia terão resultado diferente. 

O fato de serem registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) significa que as metodologias estão sendo seguidas? 

Não. O Tribunal é apenas um fiel depositário. É como registrar uma criança recém nascida no cartório: você não precisa levar a criança, apenas a declaração da maternidade. Com a justiça eleitoral é a mesma coisa, se vc diz que vai fazer a pesquisa de acordo com as normas, pronto.

O importante é que qualquer representante de partido, instituto de pesquisa, ou mesmo cidadãos comuns podem questionar o banco de dados usado nas pesquisas. O acesso é público. Embora poucas pessoas tenham a capacidade e recursos para fiscalizar pesquisas, é importante que esse trabalho seja feito. 

Já ocorreu de detectarmos pesquisas com resultados fraudados porque detectamos que o perfil da amostra da cidade pesquisada estava errada. Quando a amostra não corresponde ao universo, se pode dar mais valor ao voto de um grupo do que de outro. Neste caso, se pode impedir a divulgação do resultado e as penalidades são diversas, vão até o recolhimento das contribuições previdenciárias dos entrevistadores.