PEC da Segurança reacende embate entre União e estados sobre controle das polícias; ‘perfumaria’, critica oposição

27 setembro 2025 às 21h00

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A proposta de emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública voltou como um dos principais temas do debate político atual após um ano de sua apresentação aos líderes do Congresso Nacional e seis meses do envio à Câmara dos Deputados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). Desde a sua elaboração pelo governo federal, governadores e membros da oposição foram críticos sobre a proposta por provocar ingerência federal nas atribuições estaduais.
O projeto foi acatado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) em julho deste ano com uma nova redação e tramita na Comissão Especial que discute o projeto, presidida por Aluíso Mendes (Republicanos-MA). O governo procura aglutinar forças para a aprovação da PEC, que precisa de apoio de um terço dos legisladores nas duas Casas de Leis.
A proposta objetiva a criação de Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) pela constitucionalização do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) e do Fundo Nacional de Segurança Público (FNSP). Para os articuladores, a matéria deve criar um modelo similar ao Sistema Único de Saúde (SUS), sendo o governo federal como coordenador, fiscalizador e investidor.
Na CCJ, duas emendas foram oferecidas pelo relator Mendonça Filho e aprovadas pelos legisladores. A nova redação suprime dois temas da proposta: a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de segurança pública e o caráter exclusivo da investigação criminal pelas polícias civil e federal.
O fundamento para a alteração do texto foi a manutenção do pacto federativo (o conjunto de regras constitucionais que delimita a relação entre os entes da Federação: União, estados, Distrito Federal e municípios) e a preservação da separação de poderes e aos direitos e garantias individuais, respectivamente.
Segundo o entendimento do relator, a atribuição das investigações criminais exclusivas na PC e na PF prejudicaria as prerrogativas constitucionais do Ministério Público de conduzir investigações (artigo 129) e afetaria a função fiscalizatória do Poder Legislativo por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), conforme o artigo 58 da Constituição.
Em meio a deliberação, deputados federais integrantes da Comissão Especial correm contra o tempo para acumular as mais de 40 sessões ordinárias em dez dias, excluindo o dia inicial e o final da contagem, para enfim apresentar um relatório pela aprovação. Entre as reuniões estão as audiências públicas que podem ser feitas com representantes do governo, das forças especializadas no serviço e especialistas no tema.
Com isso, a proposta que visa centralizar a segurança pública volta ao discurso político, com a oposição firmemente contra a PEC por possivelmente centralizar indevidamente o poder na União e ameaça a autonomia dos estados. Enquanto isso, o Executivo tenta aprovar o projeto ao mesmo tempo que possui outras pautas na linha de tiro, como a isenção do Imposto de Renda para pessoas que recebem menos que R$ 5 mil.
Audiência pública na Alego
O deputado federal goiano e vice-presidente do colegiado, Ismael Alexandrino (PSD), promoveu uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) com o governador Ronaldo Caiado (UB) — forte opositor da matéria. Estiveram presentes sete parlamentares da Câmara e representantes do governo federal, representados pelo Secretário Nacional de Segurança Pública substituto, Rodney da Silva, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
O encontro foi a primeira agenda oficial da comissão fora do Distrito Federal e contou com um debate fervoroso entre as partes, com críticas incisivas sobre a centralização de poder na União e a falta de medidas do governo federal para combater o crime organizado.
Para Caiado, o texto viola o pacto federativo ao colocar “freio nos governadores e comprometer a eficiência na segurança”, além de permitir ingerência federal nas polícias estaduais. “A lei existe para todos os estados. Por que só Goiás a segurança é plena? Porque eu nunca renunciei a minha posição de respaldar vocês [as polícias]… O que falta no Brasil é uma pessoa que não seja complacente com o crime e que tem coragem de assumir o combate à criminalidade”, disse.

Em discurso, o gestor ressaltou a importância do controle da segurança pública aos estados, uma vez que as unidades federativas possuem o conhecimento e os meios para proteger os cidadãos.
Com base nisso, Caiado aponta que a matéria serve de pretexto para o Executivo legislar e regulamentar a segurança, que é atribuição dos Estados, como a obrigação das câmaras em fardas policiais. “Conversei com o ministro da Justiça e disse que essa PEC não tem nada de emenda constitucional, isso aqui é tudo matéria de lei ordinária”, explica.
“A única coisa que eles fizeram com matéria constitucional foi a ingerência para comandar as decisões das nossas polícias, para dizer que amanhã todo mundo vai ter que botar câmera”, afirma Ronaldo Caiado.
A visão do governador foi compartilhada pelos parlamentares que denunciaram a falta de medidas para o combate do crime organizado, como afirma o parlamentar pela Bahia. Para Alden, a PEC é uma “perfumaria” que falha em colocar medidas exatas para o combate contra as facções. “Tudo que está nesta PEC hoje é perfumaria. Não apresenta absolutamente nenhuma medida concreta para combater o crime organizado, nenhuma medida concreta para valorizar as forças de segurança pública.”

Da mesma forma, Portugal afirma que o combate à criminalidade não deve ser centralizado ao citar o exemplo do Rio de Janeiro como um cenário diferente ao que se encontra em Goiás. “O Rio de Janeiro hoje é um dos estados mais bonitos, mas que ninguém quer visitar. Eu não aconselho a nenhum de vocês irem ao meu estado, porque com certeza vão ser vítima de algum crime”, explica. “Hoje os criminosos procuram o meu estado para poder aprender a luta pelo território.”
Governo federal como coordenador
Em contrapartida, Marivaldo Pereira, secretário de Assuntos Legislativos (SAL), do MJSP, afirma à reportagem que proposta se trata um novo acordo de cooperação para o fornecimento de dados e informações primárias ao governo federal, uma vez que Estados não são obrigados a fornecer os dados pela ausência da constitucionalização — o que cria falhas e brechas na fiscalização. “A gente depende muito da boa vontade de cada um dos estados em querer cooperar e integrar esses dados de fontes primárias. E quando isso não acontece, essa base de dados fica falha e prejudica o mapeamento dos rumos que o crime organizado está adotando.”

Com isso, afirma que a PEC pode abrir caminho para que todos os entes colaborem na criação de um sistema nacional e integrado. Por outro lado, aponta que a proposta respeita a gerência de cada estado sobre a sua segurança.
Outro ponto destacado pelo secretário é a criação de um orçamento robusto que permite novos investimentos na área. Como afirmou Rodney Silva, o Fundo Nacional de Segurança Público (FNSP) sofreu um “revés violento”, como afirma, pelo corte de mais de R$ 2 bilhões. “Teve uma queda muito grande de investimento e custeio na segurança pública nos estados do Norte e Nordeste que dependem muito dos recursos federais”.

A constitucionalização do FNSP permitira, segundo Rodney Silva, que o orçamento seja “blindado” de possíveis tentativas de alteração. Quando questionado sobre o impacto na receita pela aprovação da PEC, Marivaldo afirmou que o efeito orçamentário não deve ser imediato.
A antemão disso, o Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) e a Delegada Ione argumentam que a mera aprovação da PEC não vai ser o bastante para proteger os recursos federais e que é necessário a vinculação de receitas obrigatórias da União e dos estados nos moldes da saúde e da educação.