Parlamentares comentam ida do presidente a manifestações, seu diálogo com o centrão e a resistência do governo em repassar verbas a Estados e municípios

Bolsonaro discursa a apoiadores do golpe militar sobre a carroceria de uma pick-up | Foto: reprodução

No último domingo, 19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi a uma manifestação em Brasília favorável à reabertura do comércio em meio a pandemia do novo coronavírus, mas que também levantava bandeiras pró-golpe de estado e pedia um novo AI-5 – o ato que endureceu a ditadura militar no fim dos anos 1960. Sobre a carroceria de uma caminhonete, o presidente gritou para apoiadores que “agora é o povo no poder” e que não está interessado em “negociar nada”.

No sexta-feira, 24, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou inquérito para investigar deputados bolsonaristas (como Daniel Silveira, PSL-RJ), que estariam por trás da organização dos protestos anti democráticos. A Polícia Federal (PF) irá sondar aplicativos de troca de mensagem e redes sociais utilizados para o planejamento das manifestações. Segundo o jornal O Globo, essa teria sido atuação da PF que teria irritado Jair Bolsonaro e provocado a troca no comando do órgão, que gerou crise com o ministro da Justiça Sergio Moro.

Deputados federais goianos foram ouvidos sobre as últimas movimentações do presidente da República. A opinião da maioria dos parlamentares é de que a ida aos atos pró-golpe foi infeliz, mas que Jair Bolsonaro tomou atitudes contrárias, no sentido democrático, na semana que se decorreu. 

Delegado Waldir | Foto: Fernando Leite / Jornal Opção

Delegado Waldir (PSL), ex aliado e líder do partido do presidente na Câmara, afirmou não estar surpreso com o acontecido. “Jair Bolsonaro defende essas pautas não é de hoje. Ele já mostrava sua afinidade com a ditadura desde os anos 1990, quando deputado. Poucos dias atrás seu filho falava em fechar o STF. Alguns anos atrás, era o Movimento dos Sem Terra (MST) e Central Única dos Trabalhadores (Cut) invadindo a Embrapa, escolas, participando de tomada de órgãos públicos para fazer suas manifestações autoritárias. Agora temos o sinal oposto – cada um com seu estilo político.”

O parlamentar afirma não achar as manifestações do presidente desejáveis, mas que acredita ser seu direito de livre expressão demonstrar seus sentimentos pró-golpe. “Algumas atitudes podem ter sido excessivas ou inconstitucionais, mas o Procurador Geral, Augusto Aras, já pediu instauração de inquérito e logo teremos uma resposta. Se houve excesso de alguém, será punido pelos conselhos de ética, o presidente República incluído.”

Célio Silveira | Foto: Fernando Leite/ Jornal Opção

O deputado federal Célio Silveira (PSDB) afirmou: “Estamos vivendo o pior momento da nossa história recente, com dificuldades de toda monta, e o brasil vive ainda uma recessão muito grande. O momento deveria ser de convergência entre todos os poderes e união contra a pandemia, que não está nem perto ainda de acabar. Temos que lembrar que o processo que virá após a pandemia também será difícil, precisaremos de harmonia, e com as atitudes do líder do executivo, quem tem a perder é o povo.”

Célio Silveira disse pensar que Jair Bolsonaro foi ao evento e radicalizou diante da plateia radical, mas que depois falou em favor da constituição e que devemos focar enste, que é o melhor caminho. “O que ele diz, aí é questão dele. Depois ele mudou de ideia, é tudo contornável. Os poderes a imprensa, toda sociedade deve se unir em torno da luta ao coronavírus. Depois que passar, estaremos todos juntos e teremos de dialogar para sair da crise”, disse o parlamentar.

Deputada Flávia Morais | Foto: Ananda Borges/Câmara dos Deputados

Flávia Morais (PDT) também condena a ida do presidente às manifestações, e afirma que, até então, não foram necessárias reações institucionais porque o próprio presidente voltou atrás em suas declarações. “Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), é mto tranquilo, graças à Deus. O cenário poderia ser muito diferente se ele subisse o tom e escalasse as discussões.  Esse tipo de sentimento não deve ganhar força. Acho que o congresso tem lidado de forma exemplar.”

Flávia Morais interpreta as atitudes do presidente como sinal de isolamento, como um tatear por grupos de apoio. “Talvez a intenção fala dele tenha sido a de fazer uma ameaça caso um impeachment se desenhe. Algo como: ‘Se vier um enfrentamento, eu tenho o povo, vou conforntar’, mas na verdade isso é muito grave. Um atentado contra a democracia.”

José Nelto | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

José Nelto (Podemos) diz: “Quem participa de ato contra democracia é um fora da lei. É cômico o cidadão ir a uma manifestação pelo fechamento do Congresso e Supremo e, no dia seguinte, dizer ‘eu sou a Constituição’. Isso tudo que está acontecendo no país, a briga dele com outros poderes acontece porque Jair Bolsonaro não tem um projeto para o Brasil. O presidente não conseguiu fazer reforma administrativa e tributária.”

Magda Mofatto (PR) afirma que o presidente tem muito boas intenções; verdadeiramente tem intenção de melhorar o país e que tem grande preocupação com a corrupção. “No entanto, ele tem pecado. Sou contra AI-5 e a militarização do país, sou favorável à democracia. O comportamento do presidente indica que ele não seja democrático, mas seu discurso diz o contrário. Ele tem transmitido mensagens confusas a seus apoiadores”. 

Magda Moffato | Foto: Reprodução / Agência Câmara

Os parlamentares repercutiram outras movimentações recentes do presidente, como sua abertura de diálogo com os partidos do chamado centrão e a proposta de nomear representantes desta ala a diretoria de órgãos. O comando da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e da Parnaíba (Codevasf) será entregue ao Partido Progressistas (PP) de Arthur Lira e do senador Ciro Nogueira. O Partido Liberal (PL) de Valdemar Costa Neto ficará com o Banco do Nordeste.

“Temos que deixar claro que Bolsonaro nunca deixou o centrão”, diz Delegado Waldir (PSL). “Essa conversa de não negociar, de abandonar a velha política, isso é ‘jogar para a galera’. A aliança entre presidente e centrão já existe, só o que faltava eram os presidentes partidários assumirem controle de órgãos específicos. Se o presidente se sentiu pressionado pela Câmara, bastava o líder do governo, Vitor Hugo (PSL),  usar na Casa Civil as ferramentas de que dispõe.”

Delegado Waldir foi o único deputado federal goiano que se colocou contra medidas de repasses de verba a municípios e estados – iniciativas entendidas como necessárias para o combate da pandemia e saúde fiscal dos entes federados neste momento de arrecadação reduzida, mas compreendidas como pauta-bomba pelo executivo. O parlamentar justifica: 

“Eu seria favorável caso houvesse contrapartida, nos moldes do plano mansueto originalmente. Desde que haja regras, eu sou favorável. Mas simplesmente aliviar caixa dos estados aumenta o déficit fiscal e encoraja novo endividamento. Há poucos dias, a Câmara já cedeu alguns bilhões em relação para o Fundo de Participação de Estados e Municípios (FPM), mas neste momento, com o plano Mansueto desvirtuado, é uma grande farra fiscal.”

O deputado federal João Campos (PRB) diz sobre a abertura de diálogo com líderes partidários: “Em qualquer democracia do mundo, isso é o que se pratica. Constituir uma base, deixando claras as diretrizes do governo, isto é absolutamente correto. Ao que consta, a construção da base dará tranquilidade para governar e diminuir crise política”. Quando perguntado se não seria tarde demais para consolidação de base parlamentar, dezesseis meses após o início do mandato, João Campos responde: “antes tarde do que nunca”.

Sobre a aprovação de repasses a Estados e municípios, entendidos como pauta-bomba pelo executivo, João Campos afirma: “O governo participou disso. No último projeto aprovado de compensação da receita de ISS aos municípios e ICMS aos estados, o governo estava representado e dizia que estava de acordo com o que aprovamos. É um que o  governo imprevisível.”

Flávia Morais (PDT) disse sobre o repasse do orçamento como auxílio aos municípios e Estados: “É o que todos os países têm feito. É uma iniciativa que deveria vir do governo, mas sua inação fez com que a Câmara agisse para dar uma resposta. No momento difícil para a saúde e a economia, as coisas estão muito polarizadas, mas se pensarmos em termos de eficiência, todos os países têm mexido em suas reservas e investido porque não há outra forma de atravessar essa pandemia. Todos que têm economias e reservas, fizeram-nas para atravessar momentos de crise como este. Então, essa conversa de ‘pauta-bomba’ não faz sentido.”

José Nelto (PODE), a respeito do aceno ao centrão e abertura de diálogo, afirma: “Ele acena para onde nunca saiu. Em toda sua trajetória, pertenceu a partidos como o PP, ao PTB, à escória da política brasileira. Agora, Bolsonaro coloca Roberto Jefferson pra defendê-lo. Este homem que já foi condenado por vender votos no Mensalão, é colocar a raposa pra defender o galinheiro. O centrão vive atrás de cargos, então estão sempre dispostos. Na turma do centrão, quem não foi pra cadeia ainda vai – Valdemar Costa Neto, Ciro Nogueira, isto é um bando.”

Magda Mofatto (PR) interpreta a tentativa de aproximação do centrão por parte de Bolsonaro como busca por sustentação. “Jair Bolsonaro está observando que o coronavírus mexeu demais com a economia, e governo nenhum se sustenta quando a economia vai mal. Por conta da crise sanitária, e não por má administração nacional, está havendo essa temida fratura. O país já começou a sofrer. O desemprego aumentou. O consumo desapareceu. A ação dele junto aos líderes partidários, em minha opinião, é a busca por sustentação na Câmara para o caso de um eventual pedido de impeachment. Se isso acontecer, ele vai precisar de muito apoio na câmara e Bolsonaro parece estar disposto, inclusive, a ceder cargos em diretorias importantes.”