Outra eleição? Nada disso
11 outubro 2014 às 11h50

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Tese de que o jogo recomeça do zero para ambos os lados não se sustenta nem na matemática nem nas implicações políticas

para definir de vez quem será o novo governador do Estado: é a mesma eleição com novos elementos
Cezar Santos
No futebol e em outras competições em que a classificação dos contendores é definida em dois jogos, ganha quem obtiver a maior pontuação na soma das duas partidas. No caso de empate, vale a soma de gols — não cabe considerar neste intróito a questão do gol fora de casa valer dois. Em termos práticos, quem ganha a primeira partida por qualquer placar, começa a segunda peleja com esse mesmo placar. É simples assim.
Na regra eleitoral brasileira, também existe a decisão em dois jogos – ou dois turnos -, que se dá quando um dos adversários não consegue obter 50% mais um dos votos válidos no primeiro escrutínio. Pois bem, estamos em plena campanha para o segundo turno da eleição à Presidência e em alguns Estados, entre eles Goiás.
Como se sabe, o primeiro jogo eleitoral em Goiás terminou com vitória de Marconi Perillo (PSDB) sobre Iris Rezende, pelo placar de 1 milhão 451 mil e 330 votos (45,8%) a 898 mil e 645 votos (28,4%). Um placar bem avantajado, de mais de 552 mil votos (13%), de diferença pró-Marconi. Por pouco, muito pouco, a fatura não foi liquidada no primeiro turno. Na verdade, não dá para evitar a expressão: foi uma goleada.

Iris Rezende: espera virada na nova fase de campanha
Em casos de segundo turno, sempre há quem diga que se trata de outra eleição. Ou seja, que o jogo está zerado, e, portanto, tudo começa em patamares iguais, etc. e tal. Um dos pontos mais fortes em defesa da tese é de que o tempo de propaganda na TV e no rádio é igual para ambos os lados, no caso, dez minutos diários para cada.
Quem coloca as coisas nesses termos, normalmente, é o pessoal que terminou atrás no primeiro turno. Foi o que ocorreu com Iris Rezende e, principalmente, seu aliado Ronaldo Caiado (DEM), eleito senador, que se apressaram a reafirmar o argumento assim que foi divulgado o resultado da eleição, no domingo, 5.
A tese pode até servir de estímulo para quem perdeu o primeiro jogo. É uma forma de levantar o ânimo da militância, instada a redobrar os esforços na busca da virada.
Sim, o tempo é igual para os dois adversários. Ponto. A igualdade termina aí. A tese pode servir de estímulo ao vice, mas não tem sustentação nem na matemática nem nos desdobramentos políticos. E não se está dizendo que virada em segundo turno é impossível. É possível sim, já aconteceu em outros tempos e lugares, mas é pouco provável principalmente no atual caso de Goiás.
Dois profissionais goianos tarimbados nas lides eleitorais falam sobre essa questão. Gean Carvalho, da empresa de pesquisa Fortiori, diz que o argumento de que segundo turno é outra eleição só se aplica no sentido formal do processo, por que o eleitor vai à urna novamente. “Mas o segundo turno não começa do zero a zero, ele carrega consigo o resultado e o filme do primeiro turno e tende a confirmar o resultado das urnas. Nova eleição em segundo turno é uma meia verdade.”
Gean rememora a eleição goiana, lembrando que a campanha no primeiro turno foi estável, com pequenas oscilações. Em termos de votos totais, Marconi começou ali pelos 35 a 36% e chegou a 42%, com Iris começando em 32% e terminando com 25%. “Foi uma linha ascendente de Marconi e uma descendente de Iris. Não houve alteração de posição, quem começou em primeiro terminou em primeiro, o que também ocorreu com os outros candidatos.”
O pesquisador afirma que em qualquer tipo de eleição, seja federal, estadual ou municipal, quando ocorre essa estabilidade numérica durante a campanha, não existe história de virada. “Pelo menos eu não me lembro de ter havido, a não ser que aconteça um fato novo grave, que não dependa do candidato, como um acidente que gere uma comoção, um escândalo muito forte, etc. Num processo normal de campanha, vai se configurar o que foi o primeiro turno.”
Nessa perspectiva, Gean aposta que a vitória de Marconi será confirmada. “Pode o Gomide declarar apoio a Iris, pode Vanderlan declarar apoio a Iris, isso não vai mudar um voto do que já está configurado. Eleitor de Gomide e de Vanderlan não vai votar em Iris por causa de apoio deles, ponto final.”
Segundo Gean, não se trata de mera opinião, isso é fato. Ele afirma que uma pesquisa antes de declaração de apoio já delinearia a migração de votos para Marconi e para Iris, em proporções diferentes, independentemente do apoio deles a Iris Rezende.
O profissional cita Anápolis como exemplo, onde Iris teve apenas 4% dos votos. “Ele vai ter mais que isso no segundo turno, claro, mas os quase 70% que Gomide teve não vão para Iris nem que a vaca tussa. O segundo candidato do anapolino é Marconi, que teve votação bem acima de Iris. Quem votou em Gomide, queria um governador da cidade, como Gomide está fora, ele agora é Marconi. Gomide pode espernear e pedir voto à vontade para Iris, não vai adiantar; ele pode transferir um, dois por cento, mas o grosso do eleitorado toma decisão independente do apoio declarado.”
Diferença entre cenários nacional e estadual

do primeiro turno que nem a boca de urna detectou
Dilma Rousseff (PT): terminou em 1º, mas está agora
em posição pouco confortável diante do adversário
E no cenário federal, em que petista Dilma Rousseff terminou o primeiro turno em primeiro com o tucano Aécio Neves em segundo? O pesquisador Gean Carvalho diz que aí a história é diferente. Independentemente das oscilações que ambos sofreram, principalmente em função da morte de Eduardo Campos e a entrada de Marina Silva na disputa, Aécio veio numa ascensão tão meteórica nos últimos dias da campanha, que nem chegou a ser percebida pelas pesquisas na intensidade devida.
“A virada de Aécio sobre Dilma está configurada. Minha leitura do segundo turno é de projeção de vitória de Aécio Neves. Se as primeiras pesquisas indicarem frente de Aécio, vão dizer que ele virou no segundo turno? A resposta é não, as pesquisas indicavam que ele já estava virando no primeiro, isso já estava desenhado”, diz o pesquisador, lembrando que o processo foi tão rápido que nem a boca de urna conseguiu pegar.
Gean diz que o cenário nacional começou a se acelerar após o debate na Rede Globo, continuou mudando antes da eleição, no dia da eleição, continua mudando até hoje. Ou seja, o processo de virada foi construído lá atrás.
Em Goiás, em 2006, houve algo semelhante na disputa ao governo, em que Alcides Rodrigues (então no PP) estava atrás de Maguito Vilela (PMDB). A virada começou no final do primeiro turno, sem ter sido detectada pelas pesquisas, mas confirmada nas urnas. Na primeira pesquisa de segundo turno Alcides Rodrigues já aparecia na frente e acabou ganhando a eleição.
“É o mesmo pleito, com novas variáveis”

O marqueteiro Renato Monteiro, da Cantagalo, também relativiza a questão de “outra eleição”. Segundo ele, é a mesma eleição, numa fase com menos competidores, menos “poluída”. Para o profissional, trata-se do mesmo pleito, mas agora com novas variáveis que podem ser trabalhadas de forma diferente pelos dois lados.
Segundo Renato, o dado puramente político influencia. Quem está na frente, até pela perspectiva de poder e pelo poder mesmo de cooptação, ainda mais para quem tem a máquina na mão, tem mais condições de atrair apoios para seu grupo. “Quem abre vantagem maior tem perspectiva de manter isso e abrir, mas isso depende da conjuntura. É o caso do Marconi, que abriu frente no primeiro turno, conta com a máquina e conta com a perspectiva de poder e de cooptação.”
Outra vantagem do governador, diz Renato, é a boa perspectiva de Aécio Neves na corrida presidencial no segundo turno. “Imagina se Aécio começa na frente de Dilma, ou cola nela logo na primeira pesquisa. Há uma ligação do federal com o estadual e no segundo turno isso fica mais claro, a discussão fica mais sintética.”
Renato destaca, porém, que há um campo para a oposição no segundo turno, principalmente se ela se unir, já que os candidatos Antônio Gomide e Vanderlan Cardoso tiveram votação expressiva [a entrevista foi concedida antes de o PT anunciar apoio a Iris e Vanderlan declarar neutralidade]. “Imagina Vanderlan vestindo a camisa de Iris e trabalhando em Senador Canedo e na Grande Goiânia, onde teve votação muito boa. E se Gomide atuar em Anápolis e região para assegurar uma melhora para Iris, que teve muito pouco voto lá. E Ronaldo Caiado, que teve boa votação, pode atuar nos colégios eleitorais dele. Somado isso, com um tempo de propaganda maior, pode sim provocar uma reviravolta na eleição. Não é fácil, mas há condições para isso.”
Renato Monteiro reafirma que os elementos para uma virada existem em Goiás. Segundo ele, há um sentimento de mudança, o que restou provado no fato do governador não ter liquidado a eleição no primeiro turno. Lembra que a oposição teve 54% dos votos no primeiro turno e há um território a ser explorado. “Não é uma situação tão confortável como a de Aécio no plano federal, mas há condições de virar.”
Mesmo porque, lembra o publicitário, a oposição teve dificuldades no primeiro turno, muita divisão e menor tempo na propaganda gratuita. “Ela agora poderá fazer comparação com o governo, não só em questão de obras, mas também do discurso como alternativa.”
Renato também destaca a diferença do cenário nacional, em que Dilma Rousseff terminou com sete pontos à frente de Aécio Neves, mas numa situação pouco confortável, mesmo detendo a máquina, por causa do sentimento de mudança que há no eleitor. “Resta saber se Aécio vai conseguir capitalizar esse sentimento agora no segundo turno para virar a eleição. Se ele fizer uma campanha bem posicionada pode causar uma reviravolta, ainda mais com o apoio de Marina Silva, que foi bem votada.”