Organização da direita pode trazer de volta o bipartidarismo no Brasil?

16 julho 2023 às 00h01

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Conversava recentemente com um amigo buscando compreender o verdadeiro significado dos partidos políticos dentro da estrutura política brasileira, e ele me disse a seguinte frase: “O PT é o único partido de verdade no Brasil. O resto é legenda.” Após refletir por algum tempo, entendi o que ele quis dizer. Nesse contexto, a palavra “partido” significa tomar partido, ou seja, posicionar-se a favor de algo, ser fiel aos próprios pensamentos e convicções. Com a recente polarização entre Lula e Bolsonaro, o Brasil poderia caminhar para um eventual bipartidarismo. Será?
O especialista em regimes democráticos e doutor em História, Marcelo Rizzo, compartilha do mesmo pensamento. Segundo ele, há muitos anos o PT acaba por “pautar” às eleições no Brasil. Se antes tínhamos a legenda organizada com seus ideais de um lado e do outro o sentimento de antipetismo, a tentativa de organização da direita começou em 2014 e quase resultou na vitória de Aécio Neves.
“Há muitos anos o PT é quem conduz, de uma maneira indireta, às eleições no Brasil, sendo o partido que se organizou em torno de suas ideias e cobra de seus políticos alinhamento com elas. Antes da onda bolsonarista, tínhamos o PT e o Anti-PT, com partidos que apoiavam ou faziam oposição, mas sem o mesmo apelo ideológico. Isso começa a mudar em 2014, onde ser antipetista não bastava mais, e foi necessário o aglutinamento de lideranças que quase resultou na vitória do Aécio”, afirma o especialista.
Quando analisamos pesquisas sobre o grau de identificação partidária no Brasil, vemos que, quando as pessoas são solicitadas a mencionar um partido político com o qual tenham afinidade ideológica, o PT é citado por cerca de 30% dos brasileiros. Os demais partidos são praticamente ignorados. Mesmo quando o entrevistado se declara de direita, por exemplo, ele não sabe ao certo qual partido representa a linha ideológica que defende. Marcelo acredita que vivemos uma espécie de “bipartidarismo velado”.
“Vivemos um bipartidarismo de massas, que hoje é velado, com grupos que se identificam com algumas pautas, mas não podemos comparar com o que há nos Estados Unidos, por exemplo. Um modelo parecido dificilmente será instaurado no Brasil, devido às particularidades das políticas locais onde os grupos não caminham juntos seguindo um único pensamento, e sim, apenas de olho em seus interesses. Se nos EUA o candidato não segue o posicionamento ideológico do partido, ele não vence às prévias e por consequência, fica fora das eleições”, explica Marcelo.
Nenhum outro partido no Brasil possui essa característica. Em geral, eles são “legendas”, sem uma posição ideológica clara. Seguem a corrente, suas ideologias são fluidas, dependendo do momento e com quem desejam negociar. Isso sem mencionar os outros partidos “nanicos”, com pouca representatividade parlamentar. Para o especialista, o PL de Bolsonaro ainda não representa a ideologia necessária para organizar a direita, assim como o PT fez com a esquerda.
“Desde 2018, percebemos que o ex-presidente Jair Bolsonaro se tornou a figura referencial do posicionamento ideológico anti-PT. No entanto, ele começou em um partido, tentou migrar para outro e acabou no PL, partido integrante do Centrão. O partido em si não tinha uma posição ideológica clara até então e foi “invadido” por bolsonaristas que surfavam em sua onda”, afirmou.
“Diante da eleição de 2022 e em virtude das características do novo Congresso Nacional, tendo o Bolsonaro capitaneado o posicionamento ideológico mais à direita, talvez possamos nos utilizar desse fato para uma migração para um sistema bipartidário a longo prazo. Primeiro, a direita precisa se organizar em um partido que represente ideologicamente às caraterísticas que o PT representa para a esquerda. A curto prazo não vejo a possibilidade, mas caso essa organização fique parecida com a do PT, podemos, sim, ter um bipartidarismo no Brasil no futuro”, explica o historiador.
Aquele Brasil antigo, em que a população defendia políticas intervencionistas, está desaparecendo aos poucos e talvez faça sentido uma leve migração do PT para uma esquerda mais posicionada ao centro, mais aliada aos valores do livre mercado e com novos nomes na liderança. Para o caso do partido mais à direita, o eventual partido vai precisar de um novo líder a nível nacional, uma vez que Bolsonaro está inelegível até 2030.
Bipartidarismo no Brasil
Após a grande luta pelo retorno ao “Estado de Direito” no país, tendo como grande expressão o Movimento das “Diretas já” nos anos 80, a redemocratização aconteceu a partir de 1985, com a instauração da Nova República no Brasil e com os tempos subsequentes. Desde então, uma “enxurrada” de novos partidos foram sendo criados ou extintos de acordo com os interesses, mas visto positivamente como fruto natural da reconquista da liberdade política.
O cenário democrático brasileiro conta hoje com 32 partidos ativos (não necessariamente possuindo representação no Congresso Nacional), tendo registro definitivo junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), aptos a apresentarem candidatos em qualquer eleição, individualmente ou em coligação com outros mais representativos.
O Brasil pode viver um novo bipartidarismo liderado pelo PL e PT. E não se trata de uma segunda onda bolsonarista, mas da “realidade bolsonarista”. Em 2018, foi a onda que elegeu ilustres desconhecidos, em 2022 só passou nas urnas quem executou a pauta bolsonarista. Estamos vivendo uma era muito radical na política e o Brasil precisa sair dessa polarização. Quem fala isso são figuras que perderam espaço na política, que era um espaço mais moderado, que não vê condições em candidaturas ao Executivo.
Políticos terão êxito no máximo em eleições para prefeito e governador, para presidente impossível. Hoje se você não for bolsonarista ou de esquerda, do PT, dificilmente vai ter votação expressiva, como foi provado em 2018 e 2022. Essa polarização, segundo alguns estudiosos, é um processo de amadurecimento da democracia. Polarização não é uma anomalia, na verdade, ela é o normal nas políticas.
O processo político caminha naturalmente para o bipartidarismo no Brasil. Atualmente temos vários partidos, mas que na hora de uma eleição você só tem duas candidaturas viáveis, uma em um polo e a outro no outro polo, e isso independe de Lula e Bolsonaro. A tendência da política no Brasil será essa e dificilmente o país vai voltar o que era antes.