Jogador do Goiás, principal revelação do futebol brasileiro em 2014, apareceu na Copa São Paulo de Futebol Júnior, que começa a ser disputada nesta semana e tem os quatro clubes da capital goiana como participantes

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Erik, de 20 anos: de artilheiro da Copa São Paulo em 2013 a revelação do Brasileiro do ano seguinte | Foto: Rosiron Rodrigues/Goiás E.C.

Elder Dias

O ano de 2014 terminou para o jovem Erik Nas­ci­mento Lima assim como havia começado 2013. Bastante reconhecimento por seus serviços prestados, embora, desta vez, com assédio muito maior. Aos 20 anos, Erik é jogador de futebol e tem uma boa chance de ficar milionário com o que faz. Um destino de sonho para quem morou a primeira metade da vida em um assentamento rural de Novo Repar­timento, município do Pará situado na mesma latitude da região do Bico do Papagaio, no Tocantins.

Na segunda metade de sua vida entrou o futebol. Erik veio para Goiânia e, com seu talento, foi logo aprovado no teste para as categorias de base do Goiás. Passou a morar em casa de parentes na vizinha Aparecida de Goiânia e seu pai se tornou funcionário do clube, para que o garoto tivesse mais tranquilidade para se aprimorar. O trabalho rendeu frutos, visíveis já em 2013, quando a equipe goiana foi vice-campeã da Copa São Paulo de Juniores e o menino paraense, um dos artilheiros da competição, com oito gols. Quase dois anos depois, o garoto recebia o troféu de Revelação do Campeonato Brasileiro de 2014. Havia feito 12 gols e se tornado a principal referência ofensiva de um Goiás de conjunto bastante limitado.

Da façanha no torneio paulista até dezembro do ano passado, muita coisa aconteceu na vida de Erik: ele subiu para o elenco profissional, teve chances, não as aproveitou muito bem em um primeiro momento; mesmo sem se firmar, foi convocado para a seleção brasileira sub-20, e ganhou o Torneio Internacional de Toulon; depois, finalmente, tornou-se titular absoluto da equipe no segundo semestre de 2014. Tudo serve para mostrar como o mundo do futebol é instável, principalmente para quem está ainda tentando um lugar na vitrine.

Em janeiro, como Erik fez dois anos atrás, algumas dezenas de jovens de Goiás estarão em São Paulo para buscar mostrar serviço na Copinha, como é chamado o torneio, o mais tradicional (realizado desde 1969) no País entre os que buscam revelar novos jogadores. Pela primeira vez na história, os quatro clubes da capital goiana vão estar na disputa: Goiás e Goiânia conseguiram vagas pela cota técnica da Federação Goiana de Futebol (FGF); Atlético e Vila Nova foram convidados.

Ao mesmo tempo em que buscam a exposição de seus valores, os clubes carregam uma preocupação do mundo moderno do futebol. Com a globalização e a atual legislação para o esporte — especialmente a Lei Pelé, não raramente amaldiçoada nas sedes dos clubes —, a correlação de forças foi alterada. A figura do empresário de atleta ganhou ressonância: hoje boa parte dos jogadores, mesmo antes de se profissionalizarem, tem seus direitos econômicos fatiados entre “grupos de investidores”. É como se cada candidato a craque fosse uma empresa, com ações em que essas pessoas apostam suas fichas. Se der certo, todos ganham. Ou quase todos.

Se o time vai bem, quem aparece na vitrine vira alvo dos empresários, que às vezes representam seus próprios interesses ou de seus grupos; outras vezes trabalham a cargo de clubes do Brasil e do exterior. E assim, se o atleta não estiver bem “amarrado”, contratualmente falando, o clube que o está mostrando pode perder a joia a preço de banana, ou até de graça.

Competições de equipes de base podem ter resultados imprevisíveis. O Goiás de 2013 não tinha nada de favorito quando pegou a Via Anhanguera — um dos detalhes que diferenciam profissionais de jogadores de base é o meio de transporte — e por pouco não voltou de São Paulo com o título. Em dezembro de 2014, o mesmo Internacional que havia conquistado a Copa do Brasil de Juniores — vencendo o Goiás nas quartas-de-final — 15 dias antes, foi eliminado do Brasileiro na 1ª fase.

Trabalho de base no Goiás para perpetuar celeiro de craques

Do quarteto goianiense, o Goiás, por seu passado de revelador de talentos — craques como Luvanor, Zé Teodoro, Cacau, Túlio, Fernan­dão, Josué, Araújo e Danilo, entre outros —, pela estrutura e pela posição que ocupa, é de quem mais se espera um resultado positivo. O técnico é Augusto César, o mesmo que levou o clube à decisão da Copinha em 2013. Ex-lateral do clube entre 1992 e 1996, ele saiu do clube para atuar por Portuguesa, Corinthians — esteve no elenco campeão mundial de 2000 —, Botafogo e, depois, clubes do Japão e de Portugal. Encerrada a carreira, voltou à terra natal, Brasília, onde começou a trabalhar como treinador e foi buscado pelo então presidente do Goiás João Bosco Luz para as categorias de base.

Técnico Augusto, dos juniores do Goiás: “Garotos oscilam” | Foto: Portal 730
Técnico Augusto, dos juniores do Goiás: “Garotos oscilam” | Foto: Portal 730

O vice-campeonato logo após um ano de trabalho no clube lhe trouxe respeito. Ganhou todas as cinco competições estaduais que disputou como técnico, mas não teve o mesmo sucesso em 2014 no retorno à Copinha. Eliminação na primeira fase. Ele acha natural: “Não dá para prever o que vai acontecer em uma competição de atletas de base. A oscilação é muito grande, o elenco tem muita rotatividade”, afirma.

Para o ano passado, ele perdeu a base que tinha sido vice-campeã — entre eles, o agora famoso Erik. E para esta edição, a base será totalmente diferente do ano passado. “A gente está sempre assim, porque também é importante que os jogadores sigam para o profissional”, diz Augusto.

Da mesma forma com que ajuda o time “de cima”, ele conta com a parceria da categoria sub-17: ele contará com três atletas — o goleiro Felipe Ramos, o meia Valdemir e o atacante Richard, este considerado uma das maiores promessas para o futuro alviverde — do elenco comandado pelo treinador Rafael Barreto.

Formado em Educação Física pela PUC-GO, Rafael integra uma geração cada vez mais em alta entre os profissionais do futebol brasileiro: a de treinadores saídos das faculdades e não das quatro linhas. Nesse sentido, ele segue os passos dos dois últimos treinadores do Goiás nos campeonatos brasileiros, Enderson Moreira e Ricardo Drubscky, considerados intelectuais do futebol, como também são vistos Carlos Alberto Parreira, Rubens Minelli e o português José Mourinho, do Chelsea, tido por muitos como o melhor técnico em atividade no mundo. Nenhum foi jogador.

Enderson deu aulas para Rafael Barreto em um curso de formação de treinadores de futebol promovido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) na Granja Comary, sede da entidade em Teresópolis (RJ). Além do ex-técnico do Goiás a formação, em três módulos, contou com nomes como Mano Menezes, Ney Franco e Vanderlei Luxemburgo, todos treinadores consagrados. “No Centro-Oeste, sou o único que já concluiu os três níveis”, orgulha-se Rafael Barreto.

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Rafael Barreto, do sub-17 verde: curso na Granja Comary | Arquivo Pessoal

Nascido em uma família que tem o Direito como ambiente natural — seu pai, Reinaldo Barreto, é um dos mais reconhecidos advogados do Estado e foi procurador-geral na capital —, Rafael concluiu o curso, mas em seguida encarou novamente outra faculdade por sua real paixão, formando-se em 2011. Começou a trabalhar no Goiás na comissão técnica de Enderson e depois assumiu o comando da categoria sub-17. Seu aprendizado tem sido intenso e serve para mostrar como se dá a interação na base para, ao fim, formar atletas como Erik. E alto que nem sempre vem com títulos. “A gente pega fotos de times antigos campeões da base e, quando olha os jogadores, repara que nenhum virou titular de sua equipe. Ao contrário, tem muito elenco de categorias sub-20 e sub-17 que não chegou a ganhar título e rendeu muitos frutos ao clube”, lembra Rafael.

No trabalho do Goiás, o contato entre as comissões técnicas dos times profissional, sub-20 e sub-17 é frequente, entre treinadores e seus auxiliares. “Várias vezes o Augusto assistiu a nossos jogos e chamou os que se destacavam para ter um primeiro contato, como um estágio, no sub-20”. A cada fim de ano, cada comissão faz um relatório e passa às demais. O cruzamento de dados ajuda a fechar um planejamento para o ano seguinte, com promoções e dispensas de atletas.

O Goiás tem um trunfo importante nas categorias de base: recebeu da CBF o selo de clube formador. Isso significa que é um dos poucos que faz um trabalho de base respeitando totalmente o que prevê a lei, incluindo o acesso dos jovens atletas à moradia, saúde e, principalmente, a educação. “Às vezes tem clube com trabalho bom dentro das quatro linhas e que peca fora delas. No Goiás, para se manter como clube formador, é preciso que todos os jogadores da base estudem, por exemplo”, diz Rafael.

O certificado de clube formador é como um passaporte “da 2ª Divisão para a 1ª” no mundo das categorias de base, exemplifica o treinador do sub-17, para quem o Brasil precisa buscar cada vez mais planificar seu trabalho: “O 7 a 1 para a Alemanha na Copa foi muito eficiente, nesse sentido, para demonstrar a fragilidade do futebol no País do futebol.”

Goiânia quer ser um heroico “Davi” na Copa SP

Responsável pelos garotos do Goiânia que vão à Copa São Paulo, Fabrício Carvalho é da mesma geração e idade (tem 31 anos) de Rafael Barreto. Mas já é um velho conhecido entre os que atuam nas categorias de base dos clubes goianienses. Já passou por Atlético, Vila Nova, Futebol Arte e Campinas e chegou a 11 finais, conquistando quatro títulos. Decidiu largar a carreira de jogador em uma noite em Cassilândia (MS). Comunicou a seu treinador que estava deixando o futebol. “Senti algo que me dizia que eu tinha era de estudar”, declara. E assim foi para a sala de aula, mas sempre visando continuar no esporte. Formou-se em Educação Física pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e acrescentou ao título duas especializações.

Fabrício Carvalho, técnico do sub-20 do Goiânia: compensando a diferença de estrutura para o “gigante” Goiás | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Fabrício Carvalho, técnico do sub-20 do Goiânia: compensando a diferença de estrutura para o “gigante” Goiás | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Como treinador do Galo, foi responsável por uma das façanhas da Copa São Paulo do ano passado. Ele dirigiu os garotos do Goiânia à frente da melhor campanha do clube na competição: a primeira vez que a equipe conseguiu passar de fase, justamente no ano em que Goiás — o vice-campeão da edição 2013 — e Vila Nova frustraram expectativas e voltaram para casa eliminados depois dos jogos iniciais.

No Goiânia, o trabalho é feito com recursos modestos. “Perdemos duas decisões para o Goiás este ano. Mas é sempre o pequeno contra o gigante, a diferença de estrutura é imensa”, ressalta. Para compensar, o time leva para São Paulo uma relativa experiência: boa parte dos jogadores já participaram da Copa São Paulo — os mais experientes são o zagueiro Rodrigo Ramos e o atacante Marcinho — e passaram também pela disputa complicada da 2ª Divisão do Campeonato Goiano deste ano. Fabrício Carvalho foi o técnico chamado para tentar salvar o Galo de cair para a Terceirona, no que seria o degrau mais baixo da história do maior campeão goiano na era do amadorismo. A prata da casa, incluindo o próprio Fabrício, conseguiu tirar o clube do buraco.

Atlético e Vila Nova

Já Coutinho, treinador do Atlético, pode ser considerado da escola mais convencional do futebol. Tem vínculos com o clube do Setor Campinas desde 1979, quando começou como juvenil, aos 16 anos. Foi artilheiro do Campeonato Goiano de Juniores por dois anos seguidos e depois fez sucesso também no time profissional. Seguiu carreira fora do Atlético a partir de 1987, como um cigano do futebol. Conquistou títulos — como o de campeão cearense pelo Ferroviário, em 1993 — e depois encerrou a carreira. O ex-atacante goiano, nascido em Orizona, relembra uma curiosa marca pessoal: é o maior artilheiro da história da Catuense, equipe do interior baiano.

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Coutinho, técnico do Atlético: “Tenho sonho de voos mais altos na profissão” | Foto: Erick Xavier/Portal 730

Voltou ao Atlético em 1997, já para trabalhar com as divisões de base. O ex-atacante desfaz o mito de que o clube não dá atenção para suas categorias de formação. “Isso não é verdade. O Atlético praticamente parou de funcionar no começo da década passada. Não tinha nada, só se reergueu a partir de 2005. Mas desde então, já passaram pelo clube jogadores como Luciano (hoje no Corinthians) e Souza (campeão pelo Cruzeiro), Mauro e Platini (que estão no futebol português”, cita. Da base do Atlético saíram ainda Diogo Campos e Mahatma, que estão no elenco profissional e Francesco, que titular do Bragantino (SP) em 2014.

Sobre a expectativa para a volta à Copa São Paulo depois de três anos ele diz que quer ver a equipe “fazer bonito” e ganhar um bom presente de aniversário no dia 17 de janeiro: “Que o time ainda esteja em São Paulo.” É que a Copa São Paulo se encerra na data de fundação da capital paulista, 25 de janeiro. Estar disputando a competição no dia 17 significará ter ido longe nela.
Entre os goianos, o Vila Nova foi o último a ser confirmado na competição. A crise financeira e a restruturação do clube, que disputará a 2ª Divisão estadual e a Série C nacional, levaram a diretoria a economizar na delegação, que terá apenas 18 jogadores e 5 integrantes da comissão técnica: além do treinador Ariel Mamede, preparador físico, treinador de goleiros, roupeiro e massagista.