O padre João Paulo Santos assume o Santuário no lugar do padre Robson, após a Operação Vendilhões, e precisa enfrentar o desgaste sofrido pelo templo

Novo reitor da Basílica do Divino Pai Eterno, padre João Paulo Santos | Foto: Danilo Eduardo/Afipe

O padre João Paulo Santos, de 37 anos, poderia ser classificado por alguém como um sacerdote mesmo sem revelar sua vocação. Com voz serena e postura calma, Santos dispõe do típico perfil plácido e contemplativo dos eclesiásticos. O padre, que é natural do estado do Pará e tem 11 anos de sacerdócio, assumiu, na última semana de setembro, a reitoria do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, um dos maiores templos católicos do Brasil e que atrai fiéis de todos os lugares do mundo.

Localizada em Trindade, o Santuário é a única basílica do mundo dedicada ao Divino Pai Eterno. O título foi concedido ao Santuário em 2006, pelo então Papa Bento XVI. De acordo com a instituição, durante a Romaria do Divino Pai Eterno, o município de Trindade recebe cerca de três milhões de pessoas. No total, ao longo do ano, o número de visitantes ultrapassa a margem de quatro milhões.

Santos, que nasceu no município paraense de São João do Araguaia e mudou-se, depois, para Trindade, assume o templo com um grande desafio pela frente: lidar com o desgaste do templo causado por um escândalo que abalou as estruturas da tradição católica de Goiás. O ex-reitor da Basílica e fundador da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), entidade jurídica que mantém o santuário, padre Robson de Oliveira, se tornou alvo de uma investigação do Ministério Público de Goiás (MP-GO) que apura diversos crimes supostamente cometidos pelo sacerdote, entre eles o de organização criminosa, apropriação indébita e lavagem de dinheiro.

A operação do MP-GO, batizada de Vendilhões, em referência à passagem bíblica em que Jesus expulsa os mercadores do templo, fez com que o padre Robson fosse afastado de suas funções pela Igreja e tivesse o uso de Ordens revogado.

Ao Jornal Opção, o padre João Paulo, que é membro do governo provincial, corpo da Igreja Católica que supervisiona e coordena a divisão territorial da ordem, chamada de “província”, conta que cursava um doutorado em Roma, na Itália, quando tomou conhecimento dos acontecimentos. A notícia o pegou de surpresa e o doutorado em Escrituras Sagradas, que deveria ir até fevereiro do ano que vem, teve que ser interrompido.

Missa de posse do padre João Paulo Santos na reitoria da Basílica | Foto: Danilo Eduardo/Afipe

“Por ser membro do governo provincial, eu sou vigário provincial, senti, juntamente com os demais membros do governo, que era necessário eu retornar para estar junto com o grupo neste momento, quando todos nós sofremos. Seria importante que eu sofresse junto com os meus”, relata.

O padre chegou ao Brasil no dia 5 de setembro. De acordo com o sacerdote, seu retorno ainda não tinha como objetivo a reitoria da Basílica. Apenas depois de reuniões com os demais membros do governo provincial é que foi decidido que Santos seria o novo nome à frente do Santuário.

A missa de posse de Santos foi realizada num domingo, 27 de setembro, presidida pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de Goiânia, Dom Levi Bonatto, que entrou ao padre as chaves do Sacrário e do Santuário. Na ocasião, Bonatto se referiu à posse do novo reitor da Basílica como um “ato canônico onde a Igreja mostra não deixar seus filhos desamparados e busca prover a Igreja pra que possa melhor atender os fiéis”.

Que a verdade seja demonstrada e que haja justiça, diz padre

Para o padre João Paulo Santos, a exposição negativa do Santuário diante do escândalo envolvendo o nome do ex-reitor é inegável. O sacerdote diz acreditar que existe uma ligação dos fiéis com a figura daquele que rege a Basílica e, investigações como a do MP-GO, acabam por balançar esse vínculo.

“É certo que todos nós fomos tocados pelo o que aconteceu. Sobretudo, nós redentoristas, que temos a responsabilidade de coordenar esses trabalhos relativos à devoção ao Divino Pai Eterno. Isso afeta muito os romeiros, porque de um modo ou de outro, eles têm uma ligação afetiva muito grande com quem está à frente dos trabalhos e não podemos negar que o padre Robson tem um carisma muito forte”, diz.

Contudo, Santos assegura que nem mesmo as investigações e os possíveis crimes cometidos por Robson são capazes de derrubar a fé daqueles que procuram o Santuário. Para o padre, a fé das pessoas está no Divino Pai Eterno e não no gestor do templo em si. “A relação dos fiéis com o Divino Pai Eterno permanece sempre. Por mais que a gente tenha uma função de responsabilidade aqui na coordenação dos trabalhos, os fiéis não estão alicerçando sua fé sobre nós”, defende.

Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade | Foto: Reprodução/Santuário Basílica

“É uma exposição negativa, mas as pessoas sabem distinguir uma coisa da outra. Existe uma investigação em curso e aqui nós não queremos fazer um julgamento antecipado. Estamos colaborando com as investigações do MP, nos interessa muito, na verdade, os fatos, mas a gente sabe que o Pai Eterno está acima de tudo”, afirma.

As missas presenciais foram retomadas há cerca de dois meses na Basílica, com a capacidade reduzida a 30% da lotação e, conforme o padre, não é possível mensurar exatamente o impacto das investigações nos fiéis que frequentam o local, devido à pandemia do novo coronavírus. Para Santos, se trata de um “momento atípico”. “Já estávamos vivendo uma anormalidade em razão da pandemia e as celebrações presenciais voltaram há pouco tempo. É difícil da gente dizer [se teve impacto em relação à participação dos fiéis]”, pontua o padre.

O novo reitor do Santuário Basílica é categórico ao dizer que não se pode reduzir “todo o trabalho que os redentoristas missionários realizaram em Trindade a esse momento de turbulência” e nem dizer que “tudo está perdido”. No entanto, questionado sobre a culpa ou não do padre Robson diante das acusações imputadas, Santos é evasivo.

“Infelizmente, eu não posso te dar esse tipo de resposta. Não tenho condições de dizer o que eu acho. Prefiro ter cautela. Nós estamos muitos interessados que os fatos sejam esclarecidos e a verdade seja demonstrada e que haja justiça, porque esse é um compromisso evangélico”, conclui.

A nova sede da Basílica

Uma nova sede da Basílica de Trindade está em construção desde o ano de 2012. A nova estrutura, que será três vezes maior que a atual, deve ser capaz de comportar cerca de 13 mil pessoas na igreja em si e 300 mil no complexo inteiro.

A construção acontece nas margens da GO-060, na rodovia que liga Goiânia à Trindade e não está saindo barata. Para se ter uma noção, somente os sinos da nova Basílica custaram o equivalente a R$ 17 milhões, conforme informado pela Afipe. Inicialmente, a obra estava orçada em R$ 100 milhões e com previsão de entrega para 2022. Entretanto, em uma entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, o padre Robson afirmou que o valor pode ser 13 vezes maior.

Sino adquirido pelo padre Robson, por meio da Afipe | Foto: Reprodução

O padre João Paulo Santos conta que assumiu a gestão do Santuário, e não da Afipe, entidade responsável pela construção, mas que mesmo assim está acompanhando as obras. Santos revela que uma comissão, formada por religiosos e profissionais técnicos, foi criada para acompanhar a construção e todos os procedimentos relativos a ela, e uma visita presencial à obra já aconteceu.

Porém, o reitor diz que ainda não é possível estabelecer um prazo para a entrega do novo templo e cita, inclusive, uma queda nas doações por parte dos fiéis. “Aquela construção é feita a partir de doações e é certo que essas doações diminuíram. A gente está fazendo esse compromisso, eu não posso dizer nada quanto ao que passou, mas a partir de agora temos claro que, tudo o que for doado pra essa construção, ali será aplicado”, afirma.

“A obra estava em andamento, mas com a pandemia, diminuiu a velocidade, porque diminuiu a quantidade de pessoas na obra. Conversamos sobre a possibilidade de acelerar, mas o pessoal da construtora foi muito claro com a gente que não é possível fazer uma aceleração sem ter um planejamento”, esclareceu o padre.

Daqui pra frente

O novo reitor da Basílica do Divino Pai Eterno passou por 8 anos de formação até ser ordenado padre, em 2009. E, hoje, está à frente de um dos maiores símbolos da religiosidade católica não só do Brasil, mas do mundo. Santos adianta que a expectativa, a partir de agora, é fazer com que o Santuário “continue sendo porta aberta para a evangelização”. “Aqui é um lugar onde as pessoas se reúnem para expressar sua fé com simplicidade”, menciona.

Para o padre, sua gestão à frente do templo será embasada em três principais pontos: fazer com que a missão de acolhimento fique clara no Santuário; velar por um ambiente propício para a oração e a escuta da Palavra e fazer da Basílica um local do que ele chama de reconciliação.

Padre João Paulo Santos | Foto: Danilo Eduardo/Afipe

“O Santuário precisa ser um lugar de reconciliação. Muitas pessoas que aqui chegam, elas trazem o coração ferido, por diversas circunstâncias, e aqui precisam encontrar esse espaço que possibilite isso. Não pode vir um peregrino aqui e não encontrar a experiência de um Deus que perdoa, que reconcilia”, finaliza.

A Operação Vendilhões e o padre Robson

Na manhã do dia 21 de agosto deste ano, com o apoio das polícias Civil e Militar do Estado de Goiás, o Ministério Público deflagrou uma das ações mais comentadas deste ano, tendo como alvo a cúpula da Afipe, então dirigida pelo padre Robson. O padre é suspeito dos crimes de organização criminosa, apropriação indébita, lavagem de dinheiro, falsificação de documentos e sonegação fiscal, supostamente por meio da Afipe, empresas de fachada e laranjas.

Na época, agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP-GO, cumpriram mandados de busca e apreensão em empresas e residências em Goiânia e Trindade e também na sede das associações religiosas fundadas e geridas pelo padre Robson: Associação Filhos do Pai Eterno, Associação Pai Eterno e Perpétuo Socorro, Associação Filhos do Pai Eterno e Perpétuo Socorro.

O MP-GO apurou que doações feitas por fiéis de todo o país para atividades religiosas, obras de caridade e, inclusive, para a construção da nova sede da Basílica do Divino Pai Eterno estariam sendo desviadas pela diretoria, encabeçada pelo padre Robson, para “o pagamento de despesas pessoais dos investigados e para aquisição de imóveis”, como fazendas e casa de praia que não se destinam “ao atendimento dos seus propósitos religiosos”.

Padre Robson de Oliveira | Foto: Reprodução

Conforme o órgão, entre os bens comprados com o dinheiro desviado estão uma casa na praia em Guarajuba, na Bahia, no valor de R$ 2 milhões e mais de 50 fazendas, uma delas avaliada em mais de R$ 90 milhões.

No dia seguinte à operação, o padre Robson gravou um vídeo se defendendo. De acordo com o religioso, todas as doações haviam sido “empregadas na própria associação Afipe em favor da evangelização”. A defesa de Robson argumentou, na ocasião, que todos os negócios feitos “tiveram o objetivo de aumentar os lucros da associação”.

À época, Robson pediu afastamento da reitoria do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno e da direção da Afipe, sendo substituído pelo padre João Paulo Santos e padre André Ricardo de Melo, respectivamente.

A Arquidiocese de Goiânia chegou a revogar o uso de Ordem do padre, em um decreto assinado pelo arcebispo metropolitano de Goiânia, Dom Washington Cruz, e o bispo auxiliar da Arquidiocese, Dom Levi Bonatto. O documento foi justificado pela “necessidade de prevenir escândalos, garantir o curso da justiça e tutelar a fé, bem como de investigar as acusações realizadas contra o padre Robson”.

As investigações do caso do padre Robson continuam.