O modelo PFF2, equivalente ao N95, é de custo muito baixo se comparado ao prejuízo à saúde pública causado pela alta contaminação. Falta vontade política

Um dos modelos de máscara PFF2, equivalente à N95: proteção de quase 100% se ajustada corretamente | Foto: Reprodução

Em 1997, o novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) trouxe uma novidade que deveria ter surgido muito antes: a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança. Estima-se que o risco de morte em um acidente é reduzido em sete vezes apenas pela adoção dessa prática. Quantas vidas poderiam ter sido poupadas em décadas, durante as quais a legislação negligenciou essa medida?

Hoje, quase um quarto de século depois, ninguém mais contesta a importância do cinto de segurança, mesmo no banco traseiro – para ficar apenas em um exemplo, o cantor Cristiano Araújo e sua namorada, Alana, provavelmente estariam vivos se fizessem uso do equipamento no trágico capotamento em meados de 2015, na BR-153, perto da cidade de Morrinhos (GO).

Curiosamente, no meio de uma pandemia que só no Brasil levou a vida de mais de 615 mil pessoas, ainda há discussão sobre a eficácia das máscaras contra a contaminação pelo Sars-CoV-2, o vírus da Covid-19.

Na semana passada, enquanto o mundo tomava pé da nova e ainda desconhecida variante, a ômicron, saía também uma nova pesquisa que deixou nítida a importância do uso de proteção facial para que se possa alcançar o “novo normal”.

Uma pesquisa publicada pelo Instituto Max Planck, da Alemanha, revelou que máscaras do tipo PFF2 (equivalentes a outros padrões internacionais conhecidos como N95, KN95 e máscaras P2) oferecem quase 100% de proteção contra a Covid-19. Mesmo se a máscara não estiver corretamente encaixada ao rosto, o risco de infecção no mesmo cenário sobe para cerca de 4%, aponta o estudo, publicado na respeitada revista científica PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

O que então faz com que ainda hoje, com quase dois anos lidando com uma pandemia mortal, não haja um plano de incentivo ao uso de máscaras realmente eficientes para evitar a infecção?

No caso do Brasil é explicável: não há plano nenhum, por parte do governo federal, para conter a disseminação da Covid-19. Se tem algo que não se pode negar sobre Jair Bolsonaro (PL) é que o presidente está sendo coerente com seu propósito desde o início: fazer o povo conviver com o vírus. Mais do que pura negligência, é um projeto de gestão, talvez o único: fazer com que a população enfrente a doença, “sem frescuras”, como ele já chegou a discursar.

É uma estratégia burra, obviamente. A falta de incentivo ao uso de máscaras – mais do que isso, o menosprezo a elas – serve para manter unida e revigorada a base radical de extrema-direita, mas não ajuda nada de forma objetiva. Afinal, se este é o governo que temeu por ver a economia sucumbir diante do que chamou de “lockdowns” (coisa que nunca ocorreu de fato no Brasil), qual equipamento seria mais útil para “levar a vida adiante sem medo do vírus” do que uma boa máscara?

Caso houvesse, de fato, uma grande preocupação de Jair Bolsonaro e de sua assessoria com o destino da economia brasileira, certamente seriam grandes os investimentos em proteções faciais de maior qualidade e – sabendo que é uma doença contagiosa e transmitida pelas vias respiratórias – os esforços em torná-las obrigatórias.

Desde dezembro de 2019, quando os primeiros casos surgiram, embora ainda não se soubesse que se tratava de um novo vírus, muita coisa mudou no conhecimento sobre a doença. Em relação às medidas preventivas, da mesma forma: sabe-se hoje que pouco ou nada adianta, contra a Covid, lavar as compras do supermercado ou higienizar os tapetes da porta de casa – embora essas ações não deixem de ser medidas higienizadoras contra outros males. Da mesma forma, o álcool em gel ou mesmo lavar as mãos (embora continuem como válidas medidas preventivas) é algo muito menos necessário para evitar um contágio do que buscar espaços ao ar livre ou bem ventilados.

Qual é a principal atitude que alguém pode tomar para evitar a contaminação? Sim, é o uso de uma boa máscara. O que ainda não foi dito por nenhuma propaganda oficial é que isso – o uso de uma boa máscara – é algo fundamental para evitar a disseminação do coronavírus.

Na verdade, em termos de governo federal, pelo menos, não houve nenhuma campanha publicitária para o incentivo à máscara como medida preventiva. O Ministério da Saúde produziu pouquíssimas peças sobre a doença que já matou 616,5 mil brasileiros, o que não deixa de ser um outro grande sinal do que projeta tal governo para a própria população.

A verdade é que grande parte dos brasileiros que se contaminaram fora do ambiente familiar não estava em festas ou outro tipo de diversão, mas no transporte coletivo ou no local de trabalho. É bem verdade também que, caso fossem orientados (ou impelidos) a usar uma máscara de maior qualidade, como bem mostram as pesquisas citadas neste texto, poderiam ter evitado a infecção.

Mas como tomar uma medida de política pública de modo a proteger essas pessoas e minimizar os danos da pandemia? Primeiramente, é preciso ter vontade política e usar os recursos do orçamento para tal fim.

Transporte público é um dos locais com maior risco de contaminação: obrigatoriedade de uso da máscara PFF2 reduziria muito os riscos

Imagine, por exemplo, um lugar em que fosse obrigatório o uso de máscaras PFF2 em transporte público e local de trabalho. Apenas a adoção de proteções adequadas, bem ajustadas ao rosto, poderia ter interrompido quantas cadeias de contaminação? Quantas pessoas teriam tido a vida poupada em um cenário de segurança sanitária adequado?

No país de Jair Bolsonaro, nunca saberemos exatamente. Mas uma pesquisa – outra – da Universidade Federal de Pelotal (UFPel), divulgada em junho deste ano, durante a CPI do Senado sobre a condução da pandemia no Brasil, já havia relatado que mais de dois terços das mortes teriam sido evitados com a adoção de medidas sanitárias eficientes. Como dito antes, nunca foi preocupação do governo agir dessa forma, desde o início da crise de saúde. Mais do que isso, e infelizmente, o discurso oficial continua na mesma.