Mundo após a quarentena terá menos contato, mais espaços abertos e reuniões serão valorizadas

03 maio 2020 às 00h01

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Empresários, urbanistas e empresas de tecnologia abrem o caminho para o mundo após a quarentena que começa a surgir e ainda não tem data para terminar

Gabriel Lotufo é chefe de cozinha e responsável pela Artesano Pizza e Pesto. O empresário conta que, para se adaptar à quarentena, a pizzaria atualmente funciona com apenas metade dos empregados, enquanto os demais estão com contratos temporariamente suspensos, e que apenas atende à domicílio por aplicativos e entregadores próprios, bem como Take Away, no balcão. Gabriel Lotufo diz ainda que, como um dos principais atrativos do restaurante eram os vinhos, que raramente são pedidos via delivery, o faturamento caiu significativamente.
O dono da pizzaria Artesano se preparou para passar pela turbulência do enfrentamento ao coronavírus e, mais ainda, já planeja o que fazer se o isolamento social não terminar tão cedo. Segundo estudo de pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, publicado no periódico Science, a quarentena pode durar até 2022. São cogitadas providências de isolamento intermitente, com endurecimento e relaxamento das medidas sazonalmente, ou de maneira setorizada por segmentos da população. A alternativa de seguir controlando o contágio por afastamento social é levada a sério por cientistas, caso não surja uma vacina.
Gabriel Lotufo está ciente que o setor de bares e restaurantes está prestes a passar por uma grande transformação: “A Artesano tem um grande espaço aberto. Nos planejamos para, no futuro, talvez ter de funcionar com redução no número de mesas espaçadas dois metros umas das outras, e para funcionar com todas as medidas de segurança. Estamos nos preparando para este cenário. Nossa principal preocupação é garantir saúde dos funcionários e dos clientes.” Ele ainda afirma que a preocupação é discutida nas associações e sindicatos do setor e comum a todos os donos de estabelecimentos na área de alimentação.
Se, de fato, a quarentena durar até 2022, nos moldes como proposta por Marc Lipsitch e demais coautores do estudo, haverá períodos de relaxamento das atitudes de isolamento social de modo a manter a quantidade de casos de coronavírus em um nível que os serviços de saúde sejam capazes de suportar. Enquanto a maior parte da população for suscetível ao novo vírus, será necessário modificar nossos hábitos, os ambientes em que circulamos, nossas rotinas e até mesmo nossas vestimentas e o urbanismo das cidades para evitar a superlotação de hospitais.
O mundo após a quarentena
O assunto já é abertamente debatido entre arquitetos e urbanistas, que preveem modificações profundas na forma como vivemos. Erika Cristine Kneib desenvolveu seu doutorado no tema da mobilidade urbana pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa e é professora de Urbanismo na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (Fav/UFG). Segundo a pesquisadora, os espaços públicos e os sistemas de mobilidade pós Covid-19 têm sido os dois focos de discussões mais recentes entre urbanistas.
Segundo Erika Cristine Kneib, o confinamento tem gerado uma valorização social pelos espaços públicos como parques, praças, estabelecimentos ao ar livre, ruas, entre outros. Urbanistas têm observado que os moradores de cidades, após ficar em casa por longos dias de quarentena, não querem deixar seus espaços confinados para se enclausurar novamente em carros que os levarão até outro ambiente fechado, como shoppings. O que pessoas relatam mais sentir falta durante a quarentena são justamente áreas ao ar livre.
Um exemplo curioso é o revelado pelo jornal português Observador. Na Espanha, uma das poucas brechas abertas pela lei da quarentena é a de se passear com animais de estimação, desde que se cumpram normas de proteção e segurança. Espanhóis interessados em lucrar anunciaram em redes sociais o aluguel de seus próprios cães por um curto período de tempo pelo valor que variava de 1 a 50 euros. Espanhóis angustiados pela clausura aproveitaram o pretexto para um relaxante passeio ao ar livre com o animal alheio.

O exílio solitário também renova o apreço por encontros comunitários, segundo estudo publicado em 2008 por neurocientistas da Universidade de Nottingham, na Inglaterra. O isolamento social prolongado afeta profundamente o comportamento humano, podendo contribuir para distúrbios psiquiátricos como a depressão em pessoas geneticamente predispostas. Os pesquisadores Kevin Fone e Veronica Porkess verificaram que até mesmo a neuroquímica no cérebro de roedores é alterada pelo isolamento social.
“Realmente, a cidade precisa ser direcionada para pessoas se encontrarem, ter lazer, conviver”, diz Erika Cristine Kneib. Juntamente com o interesse renovado por espaços abertos e comunitários, existe o valor sanitário destas mudanças nos ambientes. Locais com ar-condicionado podem ser preteridos por decretos governamentais em função de lugares arejados, onde o vírus não fique em suspensão no ar. Galerias em locais abertos para pedestres, como é o caso da pizzaria Artesano, podem estar em vantagem em relação a shoppings.
Multidões serão certamente reduzidas por diversas medidas e algumas delas já estão em vigor. Segundo decreto número 9.653 do Governo de Goiás, em consultórios médicos já são necessárias medidas protetivas como agendamento prévio de pacientes em intervalos de, no mínimo, 30 minutos entre os pacientes e distanciamento mínimo de dois metros entre as pessoas.
Além de salas de espera apinhadas, ônibus lotados podem estar perto do fim, com a obrigação de que passageiros se mantenham distantes. Na Europa, diversas cidades restringiram suas vias mais importantes e as destinaram exclusivamente para bicicletas. A medida ajuda a constringir o tráfego de pessoas por longas distâncias, consequentemente impedindo a circulação do vírus, bem como favorece um meio de transporte individual.
Distância social
Entretanto, à medida que pode transformar definitivamente a paisagem urbana é o teletrabalho, home office, o trabalhar de casa. Segundo Erika Cristine Kneib, cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros atualmente estão em home office. “Todos que puderem, farão”, diz a professora. Existem diversos benefícios para a medida – economia de tempo para trabalhadores, que não precisarão pegar o trânsito; economia para a empresa com despesas da manutenção de escritórios; economia do próprio Estado com saúde pública pelas pessoas que deixarão de contrair a Covid-19.
Como resultado, não apenas os edifícios dedicados ao aluguel de salas comerciais terão de se reinventar, mas também as empresas que fazem segurança privada para estes edifícios, os restaurantes que atendem trabalhadores que se aglomeram nos centros urbanos diariamente, e toda a estrutura que os cerca. As mudanças significam o fim de algumas atividades como as conhecemos, mas a adequação a novos desafios são processos naturais e inevitáveis.

Mesmo antes da pandemia, empresas como a Access.run vinham inovando a forma como realizamos tarefas cotidianas. A Access.run é um software de controle de acesso para portarias, que permite a anfitriões convidar e autorizar entrada de visitantes sem que seja necessário o intermédio de porteiros, recepcionistas ou seguranças. A solução é um exemplo de como um desafio apenas acelera o inevitável processo de modernização.
Funciona da seguinte forma: por um aplicativo de celular, o anfitrião envia um convite a seu visitante. Quando o convidado aproxima o celular de uma catraca, porta ou cancela com módulo IoT acoplado (pequeno dispositivo com acesso à internet que não requer adaptação da catraca), a barreira se abre automaticamente e o anfitrião recebe uma confirmação em seu celular.
A solução já vinha sendo usada em mais de 500 pontos no Brasil por representar uma economia de até 90% em portarias, dispensando funcionários como atendentes. Entretanto, Donato Cardoso, diretor de novos negócios e sócio fundador da Access.run, afirma que a empresa teve aumento de 300% nos requerimentos por seus serviços durante a quarentena. Por não necessitar de contato físico com cartões de acesso, leitores de digitais, teclados para digitação de senha, ou livros de assinaturas dos visitantes, o acesso remoto impede a propagação do vírus pelas mãos de visitantes.