Mais gordo e mais doente: o futuro de um Brasil pesado
30 maio 2015 às 11h49

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Não é um quadro isolado no mundo. Mas, se as consequências da obesidade em poucas décadas serão aterradoras em países como os Estados Unidos, podemos esperar algo ainda mais severo para nossa rede pública
Esse texto não é sobre futebol. Mas, em 1981, no Estádio Serra Dourada, Flamengo e Atlético Mineiro fizeram uma partida tira-teima para decidir quem seguiria na Copa Libertadores da América daquele ano. Com a devida atualização, seria como se hoje Goiânia fosse a cidade escolhida para receber um clássico como Barcelona x Real Madrid. Eram então as duas maiores equipes brasileiras em um dos melhores momentos da história do futebol nacional. E praticamente todos os craques ainda jogavam no País.
Nos elencos dos dois times havia nada menos que 16 jogadores que tinham vestido a camisa da seleção brasileira. Seis deles — Zico, Júnior e Leandro, pelo Flamengo; Luisinho (que estava fora desse jogo) Éder e Toninho Cerezo, pelo Atlético — comporiam, no ano seguinte, mais de meio time titular de uma das mais brilhantes seleções brasileiras que já disputaram uma Copa do Mundo.
Um espetáculo que até os goianienses que não gostavam muito de futebol queriam presenciar. Não foi por acaso que 76.501 pessoas, segundo a página oficial do estádio na internet (o número varia de acordo com a fonte), se espremeram para assistir ao confronto, que, no entanto, durou pouco mais de meia hora, interrompido pelo fato de o Atlético Mineiro ter tido quatro(!) jogadores expulsos em uma atuação no mínimo exótica do árbitro carioca José Roberto Wright.
A questão, porém, é bem menos futebolística do que espacial: caso o jogo fosse nos dias de hoje, nem com todo esforço e sacrifício esses 76,5 mil torcedores caberiam nas arquibancadas. E isso não tem nada a ver com a redução da capacidade para 50 mil lugares, por questão de segurança. É que foi o tamanho do brasileiro — do goiano e do goianiense também, obviamente — tem aumentado.
A alimentação mudou muito nas últimas três décadas. Há produtos cada vez mais processados, com tecnologias para realçar o sabor à custa de muita química — a mesma que também é usada para gerar alguma aura (muitas vezes falsa) de coisa saudável em alguma embalagem “zero cal”, “diet”, “light” ou “fitness”. Ao mesmo tempo, o acesso à comida e sua oferta nas mais variadas formas, em países como o Brasil, aumentaram bastante nesse período.
Esses são alguns dos motivos (são muitos) para a mesma consequência: nos tornamos um povo mais gordo. Onde há 30 anos cabiam dez indivíduos, talvez não caibam nem oito, seja um elevador, uma sala de repartição ou um quarto de alojamento.
Se o drama da fome e da desnutrição é algo em processo de erradicação no País, a balança da preocupação com a saúde pública pende agora para o polo oposto: é que o peso médio do brasileiro subiu de forma preocupante. Um teste bastante simples para isso: pegue uma revista antiga e observe as fotos; então faça o mesmo com uma publicação atual (exceto, obviamente, as que sejam voltadas para o corpo ou a boa forma).
Mais do que um drama pessoal ou social, a obesidade tem se tornado uma tragédia econômica e até ambiental. Nos Estados Unidos, o país mais obeso do mundo, o quadro já se tornou questão de calamidade pública há algum tempo. Enquanto no Brasil os dados são insipientes, por lá eles já fazem previsão de um cenário sombrio: a previsão é de que haja 164 milhões de norte-americanos obesos em 2030. Algo em torno de 53% da população estimada. Do total de obesos, mais de 25% estarão no estágio mórbido da doença.
Com tudo isso — e façamos uma analogia para a realidade brasileira —, haverá uma avalanche de novos casos de doenças: em 2030, serão 7,8 milhões casos a mais de diabetes nos EUA; 6,8 milhões de registros de doenças cardiovasculares e 539 mil novas notificações de câncer. Os gastos com saúde pública e com a previdência social vão aumentar de forma aterradora. Da mesma forma, um número maior de obesos também significa, por extensão, maior gasto de energia para fazer o mesmo esforço. Para dar um exemplo simples, um jato com 300 passageiros de 90 quilos em vez de 70 quilos pesa seis toneladas a mais! Seria (e está sendo) preciso conceber novos projetos de aeronaves: poltronas mais largas, consequentemente aviões mais compridos ou mais largos, para suprir as novas necessidades de acomodação dos passageiros. Tudo isso causa também consequências ambientais.
Crianças obesas
Assim como há preocupações sérias com a sustentabilidade do planeta, o mesmo deve ser feito tendo em vista os quilos a mais de cada um de toda uma população. O médico mastologista Roberson Guimarães é também um cidadão preocupado com o futuro da saúde dos brasileiros. E dos futuros cidadãos. “Fiquei assustado ao observar, no colégio de meu filho de 11 anos, o número de crianças obesas. Ele, de peso normal, era exceção, com mais uns dois colegas. Conversei com a diretora e ela me disse que os próprios pais reclamaram quando a escola propôs lanches mais saudáveis: os meninos se recusavam a comer.”
Para ele, bons hábitos vêm de casa, mas é preciso que haja políticas públicas para que aconteça algo positivo em maior escala. “É complexo. As autoridades de saúde até têm política de orientação alimentar, que deveria ser aplicada no PSF [Programa de Saúde Familiar]. Mas tudo feito de maneira insuficiente”, diz o médico.
Roberson é atleta, competidor de provas de longa distância — em abril, disputou a famosa Maratona de Boston. Sabe o valor que tem uma dieta balanceada. Ao mesmo tempo, também lança uma polêmica: para ele, o grande vilão da alimentação — e, claro, causador da epidemia de obesidade — é o carboidrato. E sustenta isso com uma perspectiva biológica. “O carboidrato foi uma invenção humana. O arroz, o trigo, a batata e a mandioca só ficaram altamente disponíveis com a agricultura de larga escala. E nosso corpo foi programado para armazenar toda energia que sobra do processo. Costumo dizer que a tal pirâmide alimentar, nos moldes atuais, é uma estratégia de fazer obesos. Falam em 40% de carboidratos, mas é o contrário: seria preciso comer mais proteína e gordura e os carboidratos não poderiam passar de 20% do total ingerido.”
Entrevista/Mônica Laboissière
“Nosso estilo de vida reduziu muito o gasto energético”
Profissional reconhecida em Goiânia pelo trabalho que executa em dieta alimentar e esportiva, a nutricionista Mônica Laboissière reconhece: é preciso enfrentar agora o aumento da obesidade especialmente em relação às crianças. E isso passa pela revisão dos hábitos alimentares e de comportamento.
Como a sra. avalia hoje o quadro da obesidade no Brasil e no mundo?
Existem mais de 2 bilhões de obesos em todo o planeta. O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking. Os Estados Unidos lideram, seguidos por China, Índia e Rússia. Um dado que me preocupa é o aumento da obesidade em crianças e adolescentes. No Brasil, a prevalência da obesidade em crianças e adolescentes vem apresentando um índice crescente nos últimos 35 anos, com percentuais até cinco vezes superiores. A obesidade nessa faixa está se tornando um dos grandes problemas de saúde pública.
Em fotos das décadas passadas, vemos a diferença na silhueta das pessoas, muito mais esguias do que hoje. Isso é um sinal da evolução (ou involução) dos hábitos alimentares?
O genoma humano é sensível ao meio. Existe um grande número de genes envolvidos na regulação do peso, no apetite e na composição de gordura. Associando isso a hábitos alimentares e redução dos movimentos físicos, está aí constituída uma modificação corpórea. Gosto de citar um exemplo simples: há 30 anos atrás, para fazer coisas básicas — como andar de carro, usar o telefone, ligar a TV — gastavam-se em torno de 30 calorias; hoje isso se faz com algo em torno de 5 calorias. Não havia direção hidráulica ou elétrica nos carros; tínhamos só o telefone fixo, pesado para segurar, e era preciso caminhar para atendê-lo e chamar a pessoa destinatária; para mudar o canal era preciso se levantar, pois televisor com controle remoto era raro.
É difícil não ser gordo hoje?
O estilo de vida moderno prejudica bastante. Como citei, estamos tornando nossa vida mais econômica em gasto energético.
Que perfil de paciente a sra. recebe em seu dia a dia? O obeso ou candidato a obeso é tipo predominante?
São diversos. Há os que procuram emagrecimento sem grandes traumas; os que passaram por diversas dietas da moda e não conseguiram equilíbrio, ficando no efeito sanfona (engordar, emagrecer e engordar novamente); e os que, em consequência da obesidade, têm diversos complicações – hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes, doenças hepáticas e outras complicações etc.
A dieta hipocalórica é uma faca de dois gumes, já que, cedo ou tarde, o paciente vai voltar a comer mais? E o que a sra. pensa da chamada dieta paleolítica, é saudável?
Dietas restritivas são temporais, não reeducam. Temos várias dietas de moda, mas são efetivas só em curto prazo, não resolvem: são dietas desequilibradas, pobres e deficientes de diversos nutrientes, em longo prazo trazem algum comprometimento para a saúde, abandono do tratamento, frustrações, transtorno social. Sobre dietas paleolíticas, que têm como princípio maior consumo de proteína, elas promovem rápida perda de peso, mas sob condições bastante questionáveis, além de ser responsáveis por um desagradável mau hálito. Também elevam o nível de amônia no corpo, o que, em excesso, provoca toxicidade.
Uma dos pontos negativos da perda de peso pela dieta das proteínas é o “efeito sanfona”. O corpo tende a recuperar toda a gordura depois que a dieta é abandonada, com risco maior à saúde do que se manter sempre num peso estável. O colesterol se encontra em alimentos ricos em gordura animal. As dietas proteicas favorecem o aumento das concentrações de colesterol e podem provocar problemas coronarianos e até diabetes. Então está formada a tríade (hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares). Além de tudo, é uma dieta monótona, antissocial, difícil de manter e cara. Pode resultar em fracasso num espaço de tempo curto – quando falo “curto” não são meses, mas algo em torno de três anos.
A ingestão de carboidratos é o grande mal da nossa civilização?
Não só o aumento do consumo de carboidrato está causando a obesidade, mas a hiperingestão de alimentos ricos em sódio, gordura e açúcar, associada a hábitos ruins – sedentarismo, refeições irregulares, alto consumo de fast food ou junk food [“comida lixo”, em inglês]. Enfim, a balança de quanto se gasta e quanto se consome em calorias está pendendo para o maior consumo.
Quais consequências sociais do aumento de peso da população?
Estima-se que, em decorrência da obesidade, em 2025 os Estados Unidos terão grandes problemas. Esse impacto pode levar a um colapso na saúde americana. Estamos falando de um pais desenvolvido; imagine, então, o que ocorrerá em países emergentes. A obesidade é responsável por cerca de 70% dos óbitos por diabetes e doenças do coração, por 55% de aposentadoria por invalidez. Imagine também o alto gasto que haverá com medicamentos.