Justiça freia flexibilização sem base técnica em municípios goianos

17 maio 2020 às 00h00

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Na ânsia de recuperarem a arrecadação prejudicada pela paralisação do comércio, gestores acabaram se abstendo de toda e qualquer avaliação técnica recomendada para evitar a proliferação do Sars-CoV-2

No dia 15 de abril deste ano, em resposta à uma ação movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, regulamentar a autoridade dos entes da Federação quanto às medidas de isolamento social adotadas no combate ao coronavírus. Foi decidido pela corte que os Estados e municípios, em detrimento às decisões do Governo Federal, têm autonomia para decretar, ou não, o fechamento do comércio e a restrição do fluxo de pessoas. A reação dos gestores municipais foi imediata. Na ocasião, vigorava no Estado de Goiás um decreto que passou a ser literalmente atropelado – para a alegria de uns e preocupação de outros.
Cientes da autoridade obtida pela decisão do Supremo, prefeitos de vários municípios goianos começaram a decretar a retomada sem restrições das atividades essenciais. Todavia, na ânsia de recuperarem a arrecadação prejudicada pela paralisação do comércio, os gestores acabaram se abstendo de toda e qualquer avaliação técnica recomendada para evitar a proliferação do Sars-CoV-2, conhecido como coronavírus. O entusiasmo arriscado acabou provocando a interferência de vários órgãos, que passaram a agir com o fim de frear a reabertura do comércio feita sem estudos técnicos e a volta do fluxo normal de pessoas.
O Ministério Público foi um dos que entraram em cena, assumindo protagonismo na missão de ajudar a conter a proliferação do causador da Covid-19. Para o órgão, foi constatado um completo abandono do programa de retorno gradual de atividades para um retorno total e imediato, sem nenhuma análise prévia. Os promotores de Justiça do órgão recorreram à comarca de vários municípios na intenção de revogar as determinações dos prefeitos que transgrediam o recomendado para combater o coronavírus. A alegação principal era uma só: os decretos estavam sendo editados sem estudo científico ou nota técnica da autoridade sanitária local, documentos que respaldam em avaliação de risco epidemiológico diário das ameaças.

Entre os municípios que tiveram suspensos os decretos de flexibilização do isolamento após ação do Ministério Público estão:
Buriti de Goiás – Ação da promotora de Justiça Ariane Patrícia Gonçalves acatada pelo juiz João Luiz da Costa Gomes;
Crixás – Ação da promotora de Justiça Wanessa de Andrade Orlando acatada pelo juiz Alex Alves Lessa;
Iporá – Recomendação dos promotores de Justiça Margarida Bittencourt da Silva Liones e Sérgio de Sousa Costa acatada pelo prefeito Naçoitan Araújo Leite;
Jaraguá – Ação do promotor de Justiça Everaldo Sebastião de Sousa acatada pelo juiz Liciomar Fernandes da Silva;
Nova Crixás – Recomendação do promotor de Justiça Augusto Henrique Moreno Alves acatada pelo prefeito Ailton José Barretos;
Santa Terezinha – Ação da promotora Wanessa de Andrade Orlando acatada pela juíza Zulailde Viana Oliveira;
Santo Antônio do Descoberto – Ação do promotor de Justiça Wagner de Magalhães Carvalho acatada pela juíza Patrícia de Morais Costa Velasco;
São João D’Aliança – Ação do promotor de Justiça Márcio Vieira Villas Boas Teixeira de Carvalho acatada pelo juiz Pedro Piazzalunga Cesário Pereira;
Serranópolis – Ação do MP acatada pelo juiz Luciano Henrique de Toledo
Defensoria Pública expediu recomendação com orientações a municípios
No início deste mês, a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) expediu uma recomendação à Federação Goiana dos Municípios (FGM) para que a entidade oriente os prefeitos e prefeitas dos municípios goianos filiados, visando, assim, a realização por partes dos gestores das devidas avaliações epidemiológicas antes de qualquer decreto que flexibilize o isolamento social.
A recomendação foi encaminhada no dia 8 de maio e assinada pelo defensor público-geral do Estado, Domilson Rabelo da Silva Júnior, e pelo 1º subdefensor geral, Tiago Gregório Fernandes. No documento, o órgão argumentou que a permissão para abertura de comércios e serviços que não estão entre aqueles considerados essenciais deve ser embasada por nota técnica de autoridade sanitária local, e entre os requisitos da norma está a avaliação de risco epidemiológico diário das ameaças, como fatores de incidência, mortalidade e letalidade. Conforme a recomendação, somente a partir dessa avaliação, as autoridades municipais podem, sob sua responsabilidade sanitária, impor restrições adicionais ou flexibilizar as existentes para a abertura de atividades econômicas ou sociais.

Além da recomendação à FGM, a DPE-GO também encaminhou o documento diretamente aos prefeitos onde a instituição tem unidades, com as mesmas recomendações. O órgão ressaltou ainda que a flexibilização sem a observância das questões sanitárias, pode levar ao avanço da Covid-19 no Estado.
Quase 20 dias antes de receber a recomendação, a FGM avaliou o cenário de flexibilização e divulgou um posicionamento em que defendeu que os prefeitos tivessem o devido cuidado. Na época, a entidade recomendou que os gestores que tivessem o desejo de flexibilizar as restrições o fizessem com análise detalhada da realidade local.
Falta de adesão de municípios ao isolamento social provocou recuo de Caiado em relação a novo decreto
A baixa adesão dos prefeitos ao isolamento social – fato que foi comprovado com a figuração do Estado de Goiás no último lugar do ranking – fez com que o governador Ronaldo Caiado desistisse, por hora, de baixar um novo decreto com medidas mais duras contra o coronavírus.
O primeiro documento editado por Caiado, no mês de março, levou Goiás a ser reconhecido como exemplo de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus. Com a preparação da rede de saúde, o governo entendeu que era hora de flexibilizar o decreto, no entanto os cuidados e a adesão ao isolamento tiveram queda vertiginosa.
No dia 14 deste mês, Caiado jogou a toalha e afirmou que não havia qualquer sentido em baixar um decreto que endurece as restrições ao comércio e ao fluxo de pessoas como forma de combate ao coronavírus se ele não seria seguido.
O chefe do Executivo estadual destacou na ocasião que o novo decreto só teria efeito com adesão geral de “todos os prefeitos e autoridades do estado, caso contrário não fica nada”.