‘Juntos Pelo Araguaia’ tenta vencer onde outros falharam

09 junho 2019 às 00h00

COMPARTILHAR
No Dia Mundial do Meio Ambiente, uma campanha é lançada para proteger o patrimônio ecológico do cerrado, mas especialistas que investiram anos em recuperar o rio relatam luta ingrata

O rio Araguaia perdeu 35% de seu volume nos últimos anos. Afluentes como Bacalhau e Tesouras, que costumavam ser perenes, hoje secam durante o período de estiagem. O assoreamento faz com que o rio carregue 4 mil toneladas de sedimento por dia, mais do que consegue suportar nos meses de seca. O alerta de que o rio irá secar é dado há tempos por professores, pesquisadores e autoridades da fiscalização ambiental. Por que, então, os projetos de proteção hídrica passados não resolveram a questão e por que autoridades ainda apontam a falta de consciência ambiental de agricultores como um dos principais problemas?
Hermano de Carvalho, prefeito da cidade de Aruanã, vive cotidianamente com o Araguaia e indica que a utilização de drenos clandestinos para irrigar pastagens e lavouras é descontrolada, inclusive nos meses de seca. Segundo ele, só há fiscalização dos órgãos federais durante a alta temporada, quando as cidades ribeirinhas recebem milhares de turistas. “Em época da seca, todo mundo se assusta”, afirma o prefeito, “mas como vão retirando água do rio sem projeto e acham que nada acontecerá?”
O delegado titular da Delegacia Estadual de Meio Ambiente, Luziano Carvalho, aponta também o loteamento irregular às margens do rio como outra fonte de complicações. Ele enumera ainda o do uso das lagoas para criação de gado e o desmatamento – “o pior crime ambiental existente por seu poder de desproteger o solo e provocar assoreamento.” Além disso, o uso de agrotóxicos em lavouras faz com que reservatórios de água não possam mais ser utilizados, forçando órgãos governamentais a levar água do Araguaia para cidades distantes, conforme relatou o pesquisador da Universidade Federal de Goiás, Maximiliano Bayer, em 2017.
Passado
Há duas coisas com que todos os estudiosos do assunto concordam: uma é que no passado tudo era pior; e outra é que nossos esforços atuais ainda são insuficientes. A partir da década de 1980 se intensificou a exploração agrícola em Goiás e, por muitos anos, não houve fiscalização adequada do uso de recursos naturais. “Nossa legislação é boa, só não foi aplicada”, afirma Luziano Carvalho.
O delegado lembra a voçoroca Chitolina, uma erosão de cinco quilômetros de extensão por 70 metros de largura e 50 de profundidade, causada por duas corredeiras de lama, que o próprio Luziano Carvalho ajudou a conter. A cratera, surgida em 1981 e crescente até os anos 2000, foi criada em decorrência do desmatamento da vegetação nativa de cerrado, substituída por uma lavoura de soja. A Chitolina foi totalmente estabilizada após reflorestamento com vegetação nativa, mas diversos outros pontos de erosão surgem anualmente.

De 1995 a 1999, o então procurador geral de justiça Demóstenes Torres esteve à frente da campanha “As Nascentes Não Podem Morrer”, outro dos agentes responsáveis por controlar a Chitolina. A criação de uma promotoria ecológica móvel para combater crimes ambientais rendeu resultados positivos, principalmente quanto à conscientização ambiental, pois artistas e personalidades públicas aderiram à campanha do Ministério Público.
Demóstenes Torres afirma: “lançamento de esgoto no rio, captação clandestina, desmatamento, tudo isso já existia 20 anos atrás; o rio já estava em mau estado. Mais 20 anos no passado, em 1975, o Araguaia era um dos rios mais piscosos do Brasil, com maior diversidade de peixes. Hoje, é proibido transportar peixe, mas todo mundo pesca normalmente, não há fiscalização. Há uma dilapidação do patrimônio e pouca consciência.”
Presente
As campanhas como “As Nascentes Não Podem Morrer”, a facilidade de se obter informações nos dias atuais e a divulgação da causa ambientalista fizeram com que as leis ambientais se tornassem conhecidas. O prefeito de Aruanã, Hermano de Carvalho, afirma sobre a importância da conscientização dos produtores rurais: “É questão de uma educação que venha de berço. Não é possível que, em nome de suas pastagens de gado, o fazendeiro elimine nascentes que abastecem o País inteiro.”
Luziano Carvalho diz que, no passado, era comum que produtores rurais destruíssem por falta de conhecimento da lei. “‘Delegado, eu tenho duas nascentes, mas só preciso de uma, então eu ponho o gado na outra’, eu já ouvi isso muitas vezes. Conseguia ver que o fazendeiro que dizia isso achava aquilo normal. Mas hoje, todo mundo sabe que não pode desmatar. Se alguém degrada, está fazendo por ganância, e não por ignorância.”
Embora as campanhas tenham conseguido conscientizar a população, os esforços de preservação do Araguaia foram insuficientes. O delegado Luziano Carvalho afirma já ter recuperado mais de 5 mil nascentes – a maioria delas sem a necessidade de ações legais, apenas por meio do diálogo com os donos das terras onde as nascentes se situam. “Mas isso tem de ser política de estado, e não assunto de polícia civil. São milhares de nascentes em 2 mil quilômetros de extensão. Para preservar isso tudo, é preciso conhecimento científico associado à atitudes jurídicas”.
Futuro

O professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Altair Sales Barbosa, concorda que, para um projeto de recuperação ambiental obter êxito, é necessário desenvolvimento de tecnologias associadas ao conhecimento científico. Isso porque o Cerrado é um bioma muito diferente das outras matrizes ambientais brasileiras, já que é extremamente especializado ao tipo de clima e geologia do centro oeste. “Nenhum projeto deu certo até hoje porque a história evolutiva do cerrado tem de ser levada em consideração pelos agentes ambientais.”
Isso significa compreender o ciclo das águas do Araguaia, ao invés de simplesmente proteger suas imediações. Altair Barbosa exemplifica: “Não se encontra mais a vegetação nativa do chapadão, o que provoca erosões colossais e impede a alimentação Aquífero do Guarani, que por sua vez alimenta alguns rios que contribuem para o Araguaia. O Aquífero do Guarani está no nível de base no Mato Grosso do Sul”. O professor Altair Barbosa é cético quanto à possibilidade de recuperação do rio Araguaia. “Diante dos conhecimentos atuais, não temos mecanismos para revitalizar o Araguaia aos aspectos originais”, afirma ele.
Bolsonaro lança programa de preservação em Goiás

O presidente Jair Bolsonaro e o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, lançaram no dia 5 de junho o projeto Juntos pelo Araguaia. O projeto será executado pelo Governo Federal, Governo do Mato Grosso e de Goiás. Este é o maior programa público de recuperação e revitalização de bacia hidrográfica do país até então.
O projeto pretende, com R$ 242.002.419 e duração de cinco anos, “reduzir a erosão, aumentar disponibilidade hídrica e formar de uma rede de cooperação e sinergia em prol da sustentabilidade local e o fortalecimento das capacidades locais”. Se pretende alcançar esses objetivos por meio da intervenção ambiental em áreas equivalentes a 5 mil hectares, implantação de viveiros florestais, demarcação de mil quilômetros quadrados para recomposição florestal, monitoramento da área e realização de atividades educacionais.