No dia 8 de junho, completam-se os 60 anos desde a cassação do mandato do ex-presidente Juscelino Kubitscheck pela Ditadura Militar Civil de 1964. Naquele período, o que poucos goianos sequer sabem, é que ele representava o Estado de Goiás no Senado.

Presidente entre 1956 e 1961, JK governou em um período de grande instabilidade política, enquanto várias peças se moviam. Entre 1930 e 1945 militares, insatisfeitos com o “comunismo” de Getúlio Vargas, exigiram através de carta conjunta a demissão de João Goulart do Ministério do Trabalho. Isso ocorreu após ele propor um aumento de 100% no salário mínimo.

E, talvez, apenas por conta da grande comoção popular que tomou as ruas com o suícidio de Vargas em 1954, o golpe militar demorou mais 10 anos. Pelo menos, até que a figura que eles enxergavam como herdeiro político de Vargas se elegeu em 1961. Esse era Jango, mais popular como João Goulart, presidente até abril de 1964.

No período anterior a JK, entre seu mandato e o de Vargas, se passaram 2 anos, nos quais três figuras assumiram a presidência. Café Filho, vice-presidente de Vargas, pediu licença do cargo que ocupou por pouco mais de um ano. Então assumiu o presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, que foi deposto e substituído após apenas 3 dias pelo vice-presidente do Senado, Nereu Ramos. Quem destituiu Luz foi o ministro da Guerra, marechal Henrique Lott.

Ramos, por sua vez, assumiu em novembro de 1955 e ocupou o cargo por 81 dias, porque JK havia sido eleito cerca de um mês antes, em outubro. O progresso feito pelo idealizador de Brasília se torna ainda mais impressionante ao saber desse histórico que o antecedeu.

Origens de JK

Os avós de Juscelino vieram da Tchecoslováquia. Inclsuive, o seu avô João Kubitschek, também foi político em Minas Gerais, eleito senador. Como o pai, João Oliveira morreu cedo de tuberculose, a mãe, professora, recebeu auxílio do avô na criação das crianças (Juscelino e sua irmã). Na cidade de Diamantina ainda está a casa do avô, onde ele cresceu, e com a biblioteca onde estudavam juntos. Hoje, o local é mais conhecido como a casa do “JK” (João ou Juscelino?).

Mais velho, JK decidiu estudar medicina, e por isso trabalhava durante a noite como telégrafo. Após se graduar, em 1932, ele atuou durante a ressureição de SP. Na ocasião, era o único cirurgião disponível para prestar socorro aos feridos em combate. Inclusive, ele operou o general Ernesto Valadares, primo de Getúlio Vargas.

Depois disso, sua reputação como médico deu um grande salto e ele foi estudar com o maior especialista em urologia de seu tempo na França.

Para além do médico, nasce o político

Juscelino Kubitschek e o general Henrique Lott | Foto: Reprodução

A príncipio, JK não tinha interesse em se envolver com a política, entretanto, se tornou chefe de gabinete do então governador de Minas Gerais, Benedito Valadares, o interventor.

Por isso, durante o Estado Novo, ele foi nomeado prefeito de Belo Horizonte, em 1940. Lá, ele alargou as ruas para que pudessem receber um maior fluxo de veículos e convidou os paisagistas modernistas (que mais tarde atuariam em Brasília), como Portinari, Niemeyer e Burlê Marx para atuarem em pontos específicos. Mais tarde ele chamou esses mesmos nomes para trabalharem em Brasília.

Depois, JK foi deputado federal, em 1946, por Minas Gerais. Ele parmaneceu no cargo até 1950, já próximo de se tornar governador. Após percorrer todo o estado, conseguiu se eleger com mais de 700 mil votos. E dessa vez, todo o estado de Minas Gerais sentiu a pressa modernista de JK, que investiu em peso na produção de energia elétrica, construção de rodovias e no desenvolvimento das indústrias de base.

Quando JK assumiu a presidência, foi dificil. Apesar da vitória, Juscelino enfrentou grandes obstáculos para assumir a presidência. Carlos Lacerda articulou um golpe de Estado, com apoio do presidente Café Filho, para impedir sua posse. No entanto, o ministro da Guerra Henrique Teixeira Lott, defensor da Constituição, mobilizou as Forças Armadas e realizou um contragolpe, conhecido como Movimento de 11 de Novembro, que garantiu a posse de Juscelino.

JK senador por Goiás

Figura histórica em Goiás, o doutor Segismundo de Araújo Melo, que atuava como consultor jurídico do Governo de Goiás, articulou para que JK continuasse com um cargo político. E foi em sua própria terra que encontrou uma brecha interessante.

Na época, eram dois senadores por Goiás, Pedro Ludovico Teixeira e Taciano Gomes de Melo, sendo que o primeiro suplente de Taciano era Sócrates Diniz, que havia falecido anteriormente em uma queda de avião.

A legislação do período estabelecia que nesse caso, haveria uma nova eleição caso Taciano renunciasse ou morresse. Segismundo de Araújo Melo foi quem conversou para que o senador goiano abdicasse da vaga pelo ex-presidente, que concorreu e foi eleito.

Ainda assim, vale destacar que ele ainda impôs uma condição que pouquíssimos políticos seriam capazes: todos os partidos políticos deveriam apoiar a sua candidatura. O que ele conseguiu graças à articulação de Segismundo de Araújo Melo, natural de Luziânia.

Ao fim do período militar, um total de três senadores de Goiás haviam sido cassados: Pedro Ludovico Teixeira, João Abrão e Juscelino Kubitschek. “Nenhum estado teve uma mutilação política tão quanto Goiás”, afirma Jarbas Marques.

Solenidade da primeira transferência da capital para Goiás em 1961. Com José Joaquim de Souza, Mauro Borges, JK, Brasílio, Elísio Taveira (TJ) e Duílio Martins de Araújo | Foto: Cidinha Coutinho

O envolvimento de JK com a Ditadura Militar

De acordo com o jornalista, (professor e historiador) Jarbas Silva Marques, desde 1945 os generais da ditadura brasileira, estiveram na Itália com o americano Vernon Walters. Por sua vez, ele foi promovido a general ao voltar do Brasil em 1967. Além disso, atuou como intérprete do general João Baptista Mascarenhas de Moraes, que comandou a FEB (Força Expedicionária Brasileira).

E quais foram os brasileiros que se encontraram com o americano na Itália? O tenente coronel Humberto de Alencar Castelo Branco e o General Osvaldo Cordeiro de Farias.

Castelo Branco se tornou o primeiro presidente do período militar e Osvaldo Cordeiro de Farias se envolveu com a conspiração que visava impedir a posse do vice-presidente João Goulart. Isso porque o general Farias era o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas entre 10 de fevereiro e 8 de setembro de 1961, durante o mandato de Jânio Quadros.

Após a sua renuncia, enquanto Jango estava em uma viagem diplomática à China. E assim começaram as complicações políticas que levaram ao golpe.

Pós-JK

O general Andrade Muricy, Nelson Rodrigues e Roberto Marinho: amplo apoio à ditadura civil-militar | Foto: Reprodução / FGV

Após os “50 anos em 5” de JK, a turbulência voltou com força total ao cenário político brasileiro. Nos três anos entre o fim do governo JK em 1961 e 1964, quando começou a transição para o período militar. 3 presidentes estiveram à frente do país durante esses 3 anos. Jânio Quadros renunciou após 206 dias.

Foi então que Ranieri Mazzilli assumiu interinamente por 13 dias, porque era presidente da Câmara dos Deputados. Entretanto, quem realmente exercia o poder de fato era a junta militar brasileira de 1961, formada por: Odílio Denys, ministro do Exército; Gabriel Grün Moss, ministro da Aeronáutica; e Sílvio de Azevedo Heck, ministro da Marinha.

Por esse motivo, durante o mandato de Jango o país entrou em sua fase parlamentarista, portanto, a partir de 1961, João Goulart foi apenas Chefe de Estado. Isso aconteceu pois ele era visto pelos conservadores como um político de esquerda, historicamente ligado ao ex-presidente Vargas e à causa trabalhista.

A chefia de governo era atribuída ao Primeiro-Ministro; similar ao modelo da Inglaterra, onde existe a figura de poder do rei e o poder executivo-legislativo do primeiro-ministro. Nessa hipótese, considere o presidente “equivalente” ao rei. Em seguida, ocorreu o golpe civil militar de 1964.

O assassinato dos líderes da Frente Ampla

João Goulart e Juscelino Kubitschek | Foto: Reprodução

Mesmo assim, JK, mantinha sua crença de que poderia concorrer ao cargo de presidente em 1965, dizia que resolveria o problema agrário brasileiro em 5 anos, assim como fez Brasília. O que só motivou os conservadores e opoositores contra essa possibilidade arriscada. Jarbas afirma que JK já estava com 60% da aprovação popular para 65.

Por isso, é importante reforçar como era o período militar. “Em todo canto do Brasil tinham agentes infiltrados, só na UNB eram mais de 30. Cassaram o mandato do JK como fizeram com 173 deputados do período. Além de que criaram os Atos Inconstitucionais, que acabaram com os partidos políticos.

E nesse contexto, é no mínimo suspeito que os três principais líderes da Frente Ampla pela Liberdade morreram de formas inusitadas em um curto período de tempo.

Segundo documentos de João Batista Figueiredo, que era chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), ele utilizaria o “código 12”. Figueiredo era parte da Operação Condor, uma parceria entre as ditaduras latino-americanas para eliminar os seus adversários políticos. E o código 12 se referia ao assassinato.

Jarbas explica a cronologia e estranheza dos casos. O motorista de Juscelino Kubitschek tinha perfurações no crânio, que alegaram ter acontecido depois “provavelmente nos pregos do caixão”. Jango era cardíaco, ele recebia seus remédios em um hotel de Montevidéu, onde a SNI teria se livrado do remédio e substituido por veneno. E o Carlos Lacerda teria dado entrada em um hospital com suspeita de gripe, entretanto, morreu ali alguns dias depois.

“Em nove meses eles mataram os três grandes nomes brasileiros que estavam rearticulando a Frente Ampla”, lamenta Jarbas.

O que significa Brasília?

A nova capital, geograficamente centralizada, fez com que uma grande quantidade de pessoas passasem a morar mais distantes do litoral. Brasília nasceu em 1960, e mesmo durante sua construção, fez com que muitas oportunidade fossem surgissem e capital circulasse pelo país.

Dessa forma, incentivou o desenvolvimento não apenas do Distrito Federal em si, mas também de outros estados no oeste, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Pará; e principalmente, Goiás, que abraça o “quadradinho”. Essas realizações provavelmente são responsáveis pela eleição do ex-presidente em Goiás para o cargo de senador com mais de 150 mil votos.

Portanto, Brasília pode ser o último grande feito realizado pelo país desde antes da Ditadura Militar. Um reflexo da política progressita de JK, simbolizada pela Marcha para o Oeste (que incetivava o distanciamento do litoral) e a implementação das Indústrias de Base e rodovias.

Vale mencionar, que o significado do nome da cidade é o plural de Brasil em latin, literalmente, o local que reune vários “Brasis” e suas culturas.

A ironia da cassação de JK

Jarbas Marques destaca as grandes ironias dessa história, como o fato de que “quem nomeou como general o Castelo Branco e o Olímpio Mourão Filho foi o JK”. Segundo Marques, Mourão Filho virou general porque seria o primeiro da terra natal de JK, Diamantina, em Minas Gerais.

Ou seja, em 1957, o então presidente Juscelino promoveu à general dois dos militares responsáveis pela articulação do golpe que levou à sua própria cassação.

Inclusive, JK votou a favor das eleições indiretas, em apoio ao Castelo Branco, pois a escolha no horizonte era entre a direita e a extrema-direita. A opção extremista depois assumiria, de qualquer jeito, era o general Costa e Silva, que implantou o AI-5. “Foi um golpe dentro do golpe”, descreve Jarbas.

Curiosidades da história

Catedral de Brasília, Congresso Nacional e Ponte JK | Fotos: divulgação
  • As pontes da cidade de Brasília

A mais famosa, bonita e reconhecível, que é cartão-postal da cidade, recebeu o nome de JK. A ponte que homenageava Castelo Branco se tornou a Honestino Guimarães em 2022. A última é a Ponte da Garças, que realmente possibilita a observação dessas aves.

  • Castelo Branco e Mauro Borges

E Castelo Branco, homenageado em uma das principais avenidas de Goiânia. “Após ser professor e padrinho de casamento do governador cassado de Goiás, Mauro Borges, foi Castelo Branco quem fez a intervenção em Goiás” (e cassou o antigo amigo), relembra o jornalista.

  • As cidades brasileiras planejadas

A primeira e mais antiga é Belo Horizonte, a capital mineira, que nasceu em 1897. Em seguida vem a capital goiana, em 1933. Dessa forma, JK idealizou a terceira cidade planejada do país. Sua inspiração veio do tempo em que se especializou em urologia, na França. Assim como Lúcio Costa, a Reforma Urbana de Paris inspirou JK. Visivel em Brasília nas avenidas largas, nos monumentos íconicos e na padronização dos edificios residênciais com até seis andares.

  • A ideia de transferir a capital

Hipólito José da Costa, o patrono da Imprensa brasileira, foi o primeiro a sugerir a mudança da capital do litoral para o interior brasileiro, em 1813. 10 anos depois, José Bonifácio de Andrade Silva, fez a primeira manifestação sobre esse assunto no parlamento brasileiro, em 1823, foi ele quem batizou Brasília.

  • Castelo Branco traiu JK duas vezes

Antes da cassação, alémda promoção a general graças ao ex-presidente, Castelo Branco também negociou o voto favorável de JK às eleições indiretas. Supostamente, ele faria com que as eleições presidênciais voltassem. Entretanto, dias após assumir, instituiu um ato institucional prorrogando o próprio mandato.

Nota da redação

A reportagem contou com a colaboração do professor, historiador e jornalista Jarbas Silva Marques, radicado em Brasília. Ele é colaborador do Jornal Opção. É o verdadeiro “Google” a respeito de Brasília.

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