Uma fumaça branca e aromatizada, que nada lembra os cigarros comuns e que, de boca em boca, recebe diferentes nomes, como vape e pod. Populares entre os jovens, o cigarro eletrônico tem a venda proibida no Brasil desde 2009. No entanto, mesmo a lei não tem sido capaz de impedir o comércio ilegal desses produtos. 

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Apenas entre janeiro e abril de 2025, a Receita Federal apreendeu 1.583.887 vapes e 75.636 essências, além de 54.794 partes e peças de cigarros eletrônicos em todo o território nacional. Juntos, todo o material chegou à bagatela de R$ 70,7 milhões.

Em Goiás, nos quatro primeiros meses do ano, foram retirados de circulação 8.096 vapes (aumento de 12%), 750 essências (aumento de 102% no valor) e 674 peças e/ou partes (queda de 4,4%). Ou seja, por hora, a Receita Federal apreendeu ao menos três produtos vinculados ao contrabando de cigarros eletrônicos no Estado. O prejuízo provocado chega a R$ 566.222,81.

Ponto estratégico para a disseminação de drogas por estar no Centro do Brasil, Goiás também ficou visado por contrabandistas. Os criminosos, inclusive, tendem a usar as mesmas rotas usadas por narcotraficantes, de acordo com a Receita Federal e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

“O contrabando de cigarro eletrônico usa mais ou menos as mesmas rotas. São mercadorias que vêm do Paraguai, um pouco da Bolívia. Há uma coincidência nas apreensões nas mesmas rotas do tráfico de drogas”, explica o analista tributário da Receita Federal em Goiânia, Eduardo Cardoso.

Além da entrada pelas fronteiras terrestres com o Paraguai, os vapes também chegam ao Brasil por meio dos portos, principalmente no Nordeste e no Porto de Santos, conhecido por ser um dos principais pontos de envio de cocaína à Europa. Goiás faz parte dessas grandes rotas, de acordo com Eduardo, porque está entre os principais centros de comercialização e de distribuição junto de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. 

As principais vias utilizadas pelos contrabandistas são BR-364, BR-153 e BR-060. No entanto, há também caminhos realizados por ônibus, caminhões e carros em rodovias estaduais, as GOs. 

“Não há um perfil de pessoas que praticam o crime, mas sabe-se que o perfil de consumo são de pessoas mais jovens. Inclusive, grande parte das apreensões não tem, em um primeiro momento, identificação dos autores, pois são cargas despachadas como encomendas”, explica o policial rodoviário federal, Rustiguel Augusto.

Comércio

Mesmo com a fiscalização acirrada, em Goiânia e Região Metropolitana, o dispositivo se camufla na mão dos usuários, que usam o aparelho livremente. Em algumas tabacarias, os aparelhos e essências tomam as prateleiras. O Jornal Opção, inclusive, entrou em contato pelo WhatsApp com algumas lojas e encontrou, facilmente, o vape por valores entre R$ 180 e R$ 499. 

Já as essências, que podem ter vários sabores, são vendidas a partir de R$ 35. O comprador tem a opção de buscar na loja física ou pagar a taxa de entrega, que varia de acordo com a localidade do cliente. Durante as conversas, os vendedores anunciam os produtos sem sequer perguntar a idade do repórter.

Vale ressaltar que desde 2009 o país, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), proibiu a importação, comercialização e propaganda dos dispositivos eletrônicos para fumar, que além dos cigarros incluem os produtos de tabaco aquecido.

Combate

O  comércio desenfreado e a popularização dos vapes faz com que a integração entre as forças de segurança estaduais e federais seja crucial para inibir a ação criminosa. Em Goiás, as principais forças de combate ao contrabando desses produtos são a Receita Federal, PRF, Polícia Militar (PM), Polícia Civil (PC) e o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), tanto municipal quanto estadual.

Para Eduardo, não há falta de fiscalização ou leis mais rígidas sobre a circulação desse tipo de produto. No entanto, existem dificuldades devido ao efetivo do Estado, que não tem condições de atuar ao mesmo tempo em diferentes estabelecimentos. 

“À medida que as forças de segurança recebem denúncias, o serviço de inteligência vai identificando e trocando de informações com os outros órgãos policiais e, pela proibição, os estabelecimentos acabam usando a comercialização mais oculta, camuflada, em ambientes mais fechados, que não tem uma fachada, uma propaganda tão visível”, explica.

Saúde

Para as pessoas de menor idade, o vape pode ser a porta de entrada para o tabagismo, fazendo com que a pessoa possa vir a travar uma batalha contra a dependência química da nicotina. Os dispositivos têm tecnologia simples. Uma bateria permite esquentar o líquido que, em geral, é uma mistura de água, aromatizante alimentar, nicotina, propilenoglicol e glicerina vegetal.

Eles aquecem a nicotina em vez da combustão dos cigarros comuns. O pneumologista, Matheus Rabahi, conta que o eletrônico tem toxicidade maior do que a do cigarro convencional, devido a forma como é produzido o aerossol inalável, frequentemente confundido com “vapor de água”. Ele também lista:

  • Superdose de nicotina: a absorção é rápida e silenciosa, o que pode levar a quadros de taquicardia, náuseas, hipertensão, insônia, ansiedade e até convulsões;
  • Toxicidade dos flavorizantes e solventes: muitas substâncias utilizadas não têm segurança comprovada para inalação crônica — como o diacetil (ligado à bronquiolite obliterante) e o acetato de vitamina E (relacionado à EVALI);
  • Exposição contínua: diferentemente do cigarro, que é consumido em momentos pontuais, o vape pode ser usado repetidamente ao longo do dia, mantendo o cérebro em constante hiper estimulação dopaminérgica;
  • Falta de regulamentação e controle de qualidade: muitos dispositivos são importados de forma irregular ou falsificados, com rotulagem inconsistente e presença de contaminantes perigosos.

Além disso, um vape de 2 mL com 50 mg/mL de nicotina (100 mg de nicotina total) equivale a dois a três maços de cigarro, dependendo da taxa de absorção. Ou seja, um adolescente que consome dois pods por semana pode estar inalando nicotina equivalente de quatro a seis maços de cigarro — mesmo sem nunca ter acendido um cigarro convencional.

“O cigarro tradicional contém nicotina natural do tabaco, alcatrão (resíduo da queima), monóxido de carbono, amônia e metais pesados. O vape utiliza uma solução líquida com nicotina (em sais ou forma livre, muitas vezes em concentração elevada), propilenoglicol e glicerina vegetal (formadores do aerossol), aromatizantes e flavorizantes (como diacetil, associado à bronquiolite obliterante), além de impurezas metálicas oriundas da resistência do aparelho (níquel, estanho, chumbo)”, detalha.

O cigarro eletrônico surgiu como uma promessa de ajudar pessoas que eram viciadas em cigarros a parar de fumar, mas fez com que pessoas que não tinham contato com o tabagismo começassem a consumir a substância por meio do equipamento. Já entre adolescentes e jovens, o pneumologista associa a popularidade dos vapes ao resultado de uma combinação de fatores cuidadosamente explorados pela indústria:

  • Marketing direcionado com sabores doces e atrativos (frutas, baunilha, chiclete), que aumentam a palatabilidade e mascaram o gosto amargo da nicotina;
  • Design elegante, moderno e facilmente ocultável, muitas vezes semelhante a pen drives;
  • Falsa percepção de segurança — muitos jovens acreditam que é “só vapor de água”: o aerossol do vape contém substâncias tóxicas, irritantes e potencialmente cancerígenas;
  • Facilidade de uso: sem cheiro persistente, sem necessidade de acender, e com pouca produção de resíduos, favorecendo o uso escondido em ambientes escolares.

“Há doenças pulmonares relacionadas  ao uso do vape como o EVALI (lesão pulmonar associada ao uso de produtos de vaping), bronquiolite obliterante (doença do pulmão de pipoca), pneumonite química ou lipídica, exacerbação de asma ou DPOC devido à irritação crônica das vias aéreas. Também há doenças cardiovasculares, neurológicas e psiquiatras”, concluiu.