Em total abandono há mais de cinco anos, o antigo Hospital Santa Genoveva, localizado no Setor de mesmo nome, em Goiânia, foi fechado com todos os equipamentos dentro, em 2017. A partir daí, surgem dúvidas. Havia maquinários de raios-X? Foram retiradas do local pelos responsáveis? Nesse contexto, os órgãos responsáveis, entre os quais Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO), Ministério Público de Goiás (MP-GO), Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) e Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema) estão alertas sobre essa situação? Por fotos do local, é possível perceber que os moveis e a estrutura do prédio estão deteriorando pelo tempo, mas também por vandalismo.

Por requisição do MP-GO, equipes policiais periciaram a antiga unidade de saúde em decadência, neste mês, que se completa 35 anos do maior acidente radiológico do mundo, fora de usinas nucleares. Ao Jornal Opção, o titular da Dema, delegado Luziano de Carvalho, disse que liderou uma visita e registrou, no último dia 2, várias imagens que comprovam a negligência em um estabelecimento que, até então, era sinônimo para saúde. Mas, outrora, os equipamentos e insumos, cujos técnicos e médicos operavam em busca da cura de enfermidades, agora, sinalizam para doenças. É que há riscos da deterioração deles contaminerem solo e água da região. “Nós recebemos uma representação do Ministério Público para instaurar um inquérito. Haja vista que o Ministério Público recebeu informações de que lá estariam armazenados, guardados em depositos produtos e substâncias tóxicas, perigosas à saúde humana, até mesmo nucleros radioativos”, relatou o delegado.

“Nós instauramos inquérito e imediatamente requisitamos a presença dos técnicos-científicos, ou seja, do laudo pericial. Eles estiveram no local na quinta-feira (1), e, realmente, foi encontrado muitos produtos, substâncias e resíduos sólidos diversos infectantes e produtos químicos, embalagens hospitalares, contaminantes, como equipamentos médico-hospitalar, aparelhos de raios-X… Enfim, uma situação totalmente grave”, descreveu o titular da Dema. Os policiais se depararam com um ambiente hostil, coberto por mato alta e seco, o que pode provocar a qualquer momento um incêndio de proporções incalculáveis e danos irreparáveis ao meio ambiente e a comunidade local.  

Luciano Carvalho recorda de outra ação investigativa, quando a unidade ainda estava em funcionamento. “Nós já tínhamos encaminhado para a Justiça um inquérito, onde indiciamos o hospital por ter construído um galpão nos fundos para armazenamento de resíduos sólidos. Só que a construção foi feita em uma APP (Área de Preservação Permanente). Lá é uma área de preservação do Rio Meia Ponte, também. Lá é uma área de solo encharcado, pelo menos sazonalmente falando, ou seja, nos períodos de chuvas ‘brotam’ água. Esse galpão foi construído em época de seca. Na época, a gente viu as substâncias, mas naquele momento, tudo estava armazenado. Só que agora a situação piorou, estavam abandonados”, lamentou.     

O delegado indica que essas substâncias podem estar diluindo pelo solo e, consequentemente, atingindo lençóis de água, que corre para o Rio Meia Ponte. “Quando você chega no ambiente, na parte externa do hospital, está com um braquiarão (capim-marandu)… Muito alto. Você já chega e vê o prédio aberto, portas no chão, móveis, maquinários, madeiras, papeis… tudo jogado. Ali, você já vê um perigo de desabamento, um risco de incêndio…”, prevê. Ele acrescenta que foi encontrada geladeiras abertas contendo bolsas de sangue e denúncia que tudo está muito próximo do Rio Meia Ponte. “O abandono gera problemas de ordem ambiental, de ordem estética, sanitária e de segurança. Já pensou quantas pessoas estavam adentrando ali?”, indaga. De acordo com ele, foi solicitado de imediato à Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) informações sobre os maquinários que conteriam produtos radioativos, assim também à vigilância sanitária, que já haviam vistoriado o local. “A Cnen, no mês passado, informou para a delegacia que todo o material que pudesse ser fonte radioativa foi retirado, portanto, segundo a Cnem, o local não oferece nenhum risco radiológico para o ser humano”, frisa.

No entanto, Luziano também indica ser necessário a retirada dos demais materiais que podem causar danos. “Ainda não temos o laudo pericial, mas posso afirmar que são resíduos sólidos diversos, produtos e substâncias químicas infectantes que trazem, realmente, alerta para tomarmos providências”, esclarece. O policial destaca que se concluído os danos, os responsáveis devem ser indiciados. Embora não haja conclusão, por enquanto, a Dema já fez uma representação na Justiça, na última terça-feira, 6, para conseguir mandado de busca e apreensão de materiais nocivos no antigo hospital.  

Lá é uma área de preservação do Rio Meia Ponte, também. Lá é uma área de solo encharcado, pelo menos sazonalmente falando, ou seja, nos períodos de chuvas ‘brotam’ água. Esse galpão foi construído em época de seca. Na época, a gente viu as substâncias, mas naquele momento, tudo estava armazenado. Só que agora a situação piorou, estavam abandonados”

Delegado Luziano de Carvalho

Conjuntamente com a Dema, a Polícia Técnico-Científica de Goiás esteve nas dependências do hospital e informou que todo o material coletado está sendo averiguado. Porém, o laudo deve ficar pronto apenas entre três e quatro meses. O resultado será encaminhado diretamtente para a delegacia do meio ambiente, que conduz as investigações e poderá indiciar os responsáveis. A corporação também reforçou que uma equipe da Cnen compareceu ao local e fez o desmonte de máquinas radioativas e fizeram isolamento de fontes ionizantes. Dentre os quais, equipamentos de raios-X, tomógrafo, mamógrafo e outros de utilização em diagnósticos hospitalares.

O Jornal Opção entrou em contato com os responsáveis para saber sobre as medidas de segurança com equipamentos contendo substâncias radioativas. O administrador da massa falida do hospital, o advogado Dyogo Crosara, respondeu que: “essas questões devem ser respondidas pelos sócios” e emendou que: “a administração judicial não está na posse do imóvel”. A reportagem tentou contato com os proprietários da unidade de saúde, mas não obteve sucesso. Na Junta Comercial do Estado de Goiás (Juceg) constam como sócios-proprietários do hospital: os médicos Euclides Abrão, Maira Ludovico de Almeida e Kalley de Souza Carneiro.

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O Jornal Opção questionou ainda ao MP-GO se há alguma medida de segurança para clínicas e hospitais sobre a correta destinação de máquinas com produtos radiológicos, nos casos de fechamento. O órgão se limitou em informar que “acompanha a questão há algum tempo, tendo solicitado, após recebimento de denúncia, a realização de inspeção no local pela saúde municipal e pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen)”. Por meio de nota, a procuradoria acrescentou que “após o relatório dessa inspeção, que constatou o abandono de materiais hospitalares, incluindo fontes radioativas descritas como ‘exauridas e que não representam risco’”. Ainda, de acordo com o MP-GO, a ação foi redistribuída para a 7ª Promotoria de Goiânia, que deve apurar “possível crime ambiental”. Já a promotoria, em 1º de agosto, requisitou à Dema a instauração de inquérito policial. “Esse inquérito está em andamento”, finalizou. A CRCN-CO, órgão ligado ao Cnen, também foi procurada. A reportagem buscou saber se o órgão faz alguma orientação de prevenção e controle sobre produtos radiológicos de posse de particulares. No entanto, até o fechamento dessa matéria, não houve manifestação.


Durante o período mais crítico da pandemia da Covid-19, o juiz Átila Naves Amaral chegou a autorizar o uso do hospital pelo Estado, para tratamento de pacientes com a doença, todavia, isso não ocorreu.

Mês do Césio-137

A perícia da polícia no antigo hospital ocorre no mesmo mês que foi registrado o maior acidente radiológico do mundo em uma área urbana, em 13 de setembro de 1987. Isto é, neste ano se completa 35 anos de um dos piores episódios que marcaram Goiânia. Oficialmente, o Estado registrou que 249 pessoas foram altamente contaminadas pelo Césio-137. Dentre os quais: a família de catadores de materiais de reciclagens, vizinhos deles, policiais, bombeiros, médicos e outros servidores públicos, em serviço; além de pessoas que foram vítimas indiretamente.  

Passados alguns anos, a Justiça condenou o físico Flamarion Barbosa Goulart, Carlos de Figueiredo Bezerril, Criseide Castro Dourado e Orlando Alves Teixeira, médicos responsáveis pelo Instituto Goiano de Radiologia (IGR), onde a cápsula foi encontrada por catadores. Além do proprietário do prédio, Amaurillo Monteiro de Oliveira. Todos receberam pena de pouco mais de 3 anos de prisão em regime aberto, sendo condenados por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Porém, as condenações foram convertidas em prestação de serviços comunitários e o processo foi arquivado em 1999. Apenas, Flamarion cumpre determinação judicial de pagar pensão para os dois catadores que encontram a cápsula. Apesar desse episódio que marcou a história tanto de Goiás quanto do Brasil, o abandono do antigo Hospital Santa Genoveva mostra que não ficou uma lição para todos, quando novamente se abandonaram maquinários de raios-X em um prédio em degeneração e com acesso livre de terceiros. Fica a obscuridade se algum desses equipamentos não foram retirados do prédio, antes da atuação do poder público.