O Governo de Goiás encerrou o exercício de 2024 com superávit orçamentário de R$ 2,52 bilhões e resultados fiscais positivos, fator que garantiu ao Estado equilíbrio fiscal e deve deixar as contas com dinheiro em caixa para o seu sucessor. No entanto, a situação que Ronaldo Caiado (UB) encontrou ao assumir o governo de Zé Eliton foi bem diferente.

O cenário de estabilidade atual contrasta com a situação encontrada no início da gestão. À época, Goiás precisou ingressar no Regime de Recuperação Fiscal para evitar um colapso financeiro. Caiado herdou de José Eliton um Estado altamente endividado, com contas desequilibradas, salários atrasados, baixa capacidade de investimento e várias obras paralisadas por falta de recursos.

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Ex-governador Jose Eliton e deputada Adriana Accorsi | Foto: Reprodução/Instagram

Nesta reportagem, o Jornal Opção apresenta um levantamento sobre os nove meses de gestão de José Eliton em 2018, período em que assumiu o governo após a renúncia de Marconi Perillo para disputar o Senado. A análise aborda tanto a situação administrativa recebida por Eliton quanto as condições em que o governo foi entregue ao sucessor, Ronaldo Caiado (UB).

Gestão José Eliton

José Eliton assumiu efetivamente o Governo de Goiás em abril de 2018, após a renúncia de Marconi Perillo para concorrer a novas eleições. A gestão, que se iniciou como continuidade da administração tucana, terminou em clima de grave crise fiscal, marcada por acusações de rombo bilionário e manobras contábeis pouco transparentes.

Crise fiscal e apontamentos do TCE

No final de 2018, o Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO) concluiu que não havia recursos em caixa para honrar a folha de pagamento dos servidores nos meses de novembro e dezembro, desmentindo a narrativa de que o não pagamento teria sido uma decisão política do sucessor.

De acordo com o TCE, o déficit financeiro constatado naquele exercício atingiu R$ 6,7 bilhões, somando resultado orçamentário negativo, restos a pagar e despesas não empenhadas.

Como mostra a reportagem do Jornal Opção da época, o problema começou a se desenhar ainda antes do fim do mandato. Em outubro de 2018, Eliton assinou o Decreto nº 9.346, que revogou parte da legislação que disciplinava o empenho para pagamento da folha — medida interpretada por críticos como uma forma de prevenir sanções por eventual incapacidade de pagar os servidores.

Outro ponto levantado pelo relatório técnico do TCE refere-se a “despesas sem prévio empenho” e abertura de créditos adicionais por excesso de arrecadação, sem a existência de recursos disponíveis. Essas irregularidades, segundo o Tribunal, violaram princípios da execução orçamentária prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Relatórios da gestão fiscal de 2018 ainda apontam que cerca de R$ 2,2 bilhões em despesas do estado foram realizadas sem empenho prévio, o que significa que compromissos orçamentários foram assumidos sem a formalização usual.

Por outro lado, Eliton afirmou que havia deixado aproximadamente R$ 711 milhões em caixa, sendo parte desses recursos vinculados ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). No entanto, segundo o TCE, esse valor era insuficiente para cobrir a folha salarial de dezembro, que girava em torno de R$ 1,5 bilhão por mês.

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Lula da Silva, José Eliton e Geraldo Alckmin: operação para formatar um palanque presidencial em Goiás | Foto: Reprodução

Críticos políticos e analistas de Goiás apontam na ocasião que a reprovação das contas de 2018 pelo TCE (Parecer Prévio nº 001/2019) trouxe à tona 40 irregularidades só naquele exercício, incluindo descumprimento de vinculações constitucionais.

Ainda segundo esses levantamentos, Goiás acumulou dívidas que chegavam a R$ 19,6 bilhões ao final do mandato — parte significativa delas classificada como obrigação imediata, o que limitava fortemente a capacidade de pagamento do novo governo.

Outro efeito prático desse colapso fiscal foi o parcelamento da folha de servidores nos primeiros meses do governo Ronaldo Caiado. Segundo o TCE, a nova administração precisou renegociar salários atrasados e dividir os pagamentos para conseguir honrar os compromissos.

Colapso fiscal e impacto imediato nas contas públicas

Ainda conforme evidenciado pelo Jornal Opção, houve falta de caixa no final de 2018: ao sair, Eliton deixou uma indisponibilidade de recursos que, segundo os técnicos, impedia quitarem as remunerações e encargos trabalhistas.

Para a equipe de transição de Caiado, o rombo deixado por Eliton foi inicialmente estimado em R$ 3,4 bilhões, valor que englobava despesas com servidores e fornecedores.

O descompasso entre os valores declarados por Eliton (recursos em caixa) e os cálculos técnicos do TCE (déficit bilionário) tornou-se um ponto central da disputa política e técnica entre a gestão tucana e a recém-empossada administração de Caiado.

Além da crise no curto prazo (caixa para pagar salários), a chamada “quebra de Goiás” incluiu problemas estruturais: segundo levantamentos, os governos de Perillo e Eliton teriam deixado o estado com compromissos elevados e sem margem para investimentos regulares.

Nesse panorama, o novo governo precisou adotar medidas emergenciais para recompor o caixa: renegociação de restos a pagar, priorização de despesas críticas e ajustes no orçamento para recompor a confiança dos servidores e fornecedores.

Ainda que a narrativa oficial de Eliton tenha destacado algumas reservas deixadas e programas mantidos, os dados técnicos reforçam que a situação financeira era mais grave do que apresentado publicamente.

A situação fiscal de Goiás ao final de 2018 – com déficit, despesas sem empenho, restos a pagar e falta de liquidez – evidencia não só falhas de gestão, mas também graves riscos institucionais, caso não houvesse intervenção ou reestruturação.

Em resumo, a transição entre Marconi Perillo e José Eliton terminou de forma dramática para as contas públicas de Goiás, e a entrega para Ronaldo Caiado ocorreu em um dos momentos mais críticos da história financeira recente do Estado. Os números do TCE e os relatos da própria administração anterior fornecem pistas de que os compromissos assumidos nos anos anteriores haviam sobrecarregado o orçamento, resultando em um colapso de caixa que dificultou a continuidade normal dos pagamentos e investimentos.

TCE-GO aprova com ressalvas contas do governo Marconi Perillo e José Eliton referentes a 2018

As contas do Governo de Goiás relativas ao exercício de 2018, sob responsabilidade de Marconi Perillo e José Eliton, foram inicialmente analisadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO), que, em 4 de junho de 2019, emitiu parecer prévio pela reprovação.

Naquele momento, o relator Saulo Mesquita apontou um conjunto de irregularidades envolvendo abertura de créditos adicionais sem lastro financeiro, despesas sem prévio empenho, restos a pagar sem cobertura de caixa, descumprimento de limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e falhas em vinculações constitucionais, entre outros pontos que fundamentaram a decisão desfavorável.

Parecer prévio pela aprovação com ressalvas

Após a emissão do parecer pela rejeição, os ex-governadores impetraram Mandado de Segurança no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) alegando afronta ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal. Em junho de 2019, o TJ-GO concedeu liminar suspendendo os efeitos do parecer do TCE e determinando a devolução do processo para nova instrução. O mérito da ação foi julgado em 2021, confirmando que o processo deveria ser reaberto para assegurar plenamente a defesa dos gestores.

Com o trânsito em julgado da decisão judicial, o Tribunal de Contas reiniciou a análise das contas de 2018. O processo voltou ao gabinete do relator, foram realizadas novas citações, e os ex-governadores apresentaram suas justificativas de forma detalhada, ponto a ponto, conforme exigido pelo TJ-GO. A área técnica reavaliou as informações apresentadas, produziu novo relatório e seguiu o rito de revisão determinado pelo Judiciário, garantindo ampla defesa e respeitando os princípios processuais.

Encerrada essa etapa, o TCE-GO emitiu um novo parecer, desta vez favorável à aprovação das contas de 2018, revertendo a posição anteriormente adotada. A mudança decorreu justamente do cumprimento da determinação judicial que impôs a reabertura da instrução e a reavaliação de todos os elementos do processo. Assim, após a análise complementar e a readequação do rito, a Corte de Contas concluiu pela regularidade da prestação de contas dos ex-governadores, enviando o parecer favorável à Assembleia Legislativa para julgamento final.

Novo parecer

O Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE-GO) emitiu, em 16 de maio de 2022, novo parecer prévio sobre as contas do Governo de Goiás relativas ao exercício de 2018, sob responsabilidade dos então governadores Marconi Perillo e José Eliton. O processo, de nº 201800047001211, concluiu pela aprovação com ressalvas após a análise da Controladoria-Geral do Estado, do relatório técnico do Serviço de Contas do Governo e das manifestações dos gestores.

Entre as irregularidades identificadas, o Tribunal apontou abertura de créditos adicionais sem recursos disponíveis, despesas executadas sem prévio empenho — no caso de José Eliton —, gastos sem autorização orçamentária e inscrição de restos a pagar sem disponibilidade financeira. Também foram registradas falhas recorrentes, como o descumprimento de recomendações anteriores do próprio TCE, pagamentos fora da ordem cronológica e falta de transparência sobre remissões e anistias fiscais atribuídas à gestão de Marconi Perillo.

O parecer destacou ainda o não cumprimento de vinculações constitucionais, incluindo a aplicação mínima em educação durante a gestão de José Eliton, além de inconsistências relacionadas aos investimentos em cultura.

Como consequência, o TCE-GO expediu 40 determinações e 6 recomendações ao Governo de Goiás, com medidas voltadas à melhoria dos controles internos, correção de falhas contábeis e adequação aos parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal. As orientações incluem aumento da transparência, ajustes em registros orçamentários e patrimoniais, regularização de divergências financeiras e aprimoramento da gestão dos restos a pagar.

José Eliton entre direita e centro-esquerda

O ex-governador de Goiás José Eliton, atualmente sem partido após deixar o PSB em 2023, sempre construiu sua trajetória política alinhado à direita. Filiado por muitos anos ao Democratas (DEM), mantinha discursos e posicionamentos que o distanciavam da esquerda, o que frequentemente gerava críticas de segmentos progressistas. Suas entrevistas e declarações públicas reforçavam essa identidade política.

Nos últimos anos, porém, José Eliton se aproximou do vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin, movimento que o reposicionou no campo político e o aproximou da “centro-esquerda”. A mudança gerou questionamentos sobre quem, de fato, alterou sua orientação — o próprio ex-governador ou o espectro político ao qual passou a se vincular. Há quem, em tom irônico, classifique o ex-governador como um “esquerdista de direita”, definição ainda pouco explorada por analistas, mas que traduz a percepção de transição ideológica.

Após um período afastado dos holofotes, José Eliton voltou ao cenário político e passou a ser cogitado como possível candidato do campo progressista ao Governo de Goiás. Segundo um ex-deputado do PT, o ex-governador teria apresentado condições para aceitar disputar o Palácio das Esmeraldas em 2026 com apoio da esquerda, construindo, assim, um palanque para a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Estado.

Nos bastidores, um aliado político do ex-governador garantiu que a relação de José Eliton com Marconi Perillo (PSDB) não está nada boa, e os dois serão adversários no próximo pleito. Ao que tudo indica, a sigla será mesmo o PT.

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