Goiás está melhor que o Brasil em relação à crise, mas não tanto
01 maio 2015 às 13h24
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Tensão econômico-financeira ainda é menor na comparação com a União. Contudo, setores da economia mostram que Estado não está distante do resto do país
Marcos Nunes Carreiro
Desde que o governo de Goiás anunciou que faria um ajuste fiscal para readequar o Estado à realidade de crise que se aguardava para 2015, todos os indicadores apontavam para uma folga na situação goiana em relação à que vive o Brasil. Porém, nesta semana, uma série de anúncios fez muitas pessoas repensarem o caso: parcelamento dos salários dos servidores estaduais; não abertura de inscrições para o Bolsa Universitária; e uma expectativa de nova queda na arrecadação.
A última parte, embora anunciada pelo governo, pode, no entanto, ser questionada. Em relação ao mesmo período do ano passado, a arrecadação subiu: 15,73% a mais do que março de 2014. Isso poderia dar certo alívio para as contas do Estado e para sua população, mas não é bem assim. Na verdade, a arrecadação do Estado tem decrescido desde dezembro do ano passado, quando a receita ficou em R$ 2,32 milhões.
De lá para cá, houve uma constante queda: R$ 1,75 milhão em janeiro; R$ 1,7 milhão em fevereiro; R$ 1,67 milhão em março; e abril, embora os dados ainda não tenham sido divulgados, traz a certeza de nova “decepção”, como avalia a própria secretária da Fazenda, Ana Carla Abrão. Ela diz que tem a expectativa de que a receita aumente um pouco ao longo do ano e que abril, mesmo após a revisão das estimativas, decepcionou, pois teve uma arrecadação ainda menor do que a imaginada.
Contudo, Ana Carla diz que, mesmo assim, na média, Goiás ainda está melhor que o Brasil, visto que tem “conseguido manter uma regularidade dos serviços e das obrigações do Estado”. Além disso, segundo ela, a queda da arrecadação goiana “é mais favorável do que tenho ouvido de outros secretários da Fazenda. Goiás tem uma economia diversificada e uma balança comercial favorável.”
Mas e o parcelamento dos salários dos servidores? Isso não seria sinal de que a crise, de fato, entrou no cerrado? Não exatamente. Quando questionada sobre as mudanças salariais, a secretária vai direto ao ponto: “Pagar dentro do mês era uma antecipação. O que nós estamos fazendo agora é um parcelamento para ajustar o fluxo de caixa à queda de receita que tivemos. Agora, a crise está instalada e todos os indicadores mostram que deverá se intensificar ao longo do ano”.
Mais direta ainda ela é sobre as receitas do Estado. Em uma rápida explicação, a “chefe dos cofres goianos” relata que não importa se a arrecadação subiu em relação ao mesmo período do ano anterior, pois isso não a alivia em nada. “Na verdade, ainda bem que cresceu. Se a receita deste ano fosse pior que a do ano passado ou não tivesse aumentado, seria estranho. Agora, o que interessa do ponto de vista de 2015 é o que eu tenho de caixa neste ano para cumprir as despesas que eu já contratei quando a expectativa de receita era maior. O que interessa é que o que eu tenho no caixa é menor que fevereiro e que janeiro. Logo, à medida que tenho queda na arrecadação, mais dificuldade há para cumprir com as obrigações”, analisa.
Mas a verdade mesmo, de acordo com ela, é que a receita que recebeu ao assumir a Secretaria da Fazenda (Sefaz) é R$ 3 bilhões a menos da esperada para o ano, sem contar que “as despesas foram contratadas em um nível muito superior ao que, de fato, temos condições de cumprir”, o que deixou o caixa do Estado “estrangulado porque as receitas que estão entrando no caixa são menores a cada mês que passa.” Por isso os ajustes: corte de custeio, maior fiscalização e reestruturação da dívida etc.
E que despesas são essas? A principal se chama folha de pagamento, que ocupa a parte esmagadora das receitas do Estado. Depois deste compromisso, cuja margem de corte é pequena, a maior despesa do Estado é a dívida. “Mas aí estamos falando de apenas 22% da arrecadação”, ressalta Ana Carla.
Moderar nos gastos
As últimas pontuações da secretária vão ao encontro dos economistas ouvidos pela reportagem. Goiás, do ponto de vista da crise, pode até estar melhor que o Brasil, mas a origem dos desequilíbrios econômicos é a mesma: aumento da despesa. Isto é, “a crise não é decorrência direta da redução de receita, mas do excesso de gasto”, garante Walter Marin.
Isso mostra que, se Goiás vive uma situação mais confortável que o país enquanto Federação, a posição não é tão favorável assim, afinal, como bem lembra Valdivino de Oliveira, no Brasil, “estados e municípios são muito dependentes do governo federal, vide FPE [Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal] e FPM [Fundo de Participação dos Municípios]. Logo, se há cortes na União, todos também têm que fazer cortes.”
Ou seja, “a crise é geral”, completa o economista José Luiz Miranda, que explica: “Vivemos um período muito áureo na economia brasileira de 2003, quando o presidente Lula assumiu, até 2008, quando aconteceu a grande crise internacional. Naquele momento, também devido à alta cotação das commodities, houve aumento de receita. O que aconteceu depois foi a criação de uma ilusão, pois o Estado, sem ter sustentabilidade nessa receita, começou a gastar demais”.
E a grande questão disso é o entendimento comum sobre a cultura ocidental, brasileira principalmente, de manter um Estado grande, mas que não é forte. “É como se tivéssemos um mastodonte, um animal gigantesco cuja mobilidade seja extremamente reduzida”, reflete Miranda. E isso tanto reflete em nível federal quanto estadual.
A questão, então, é cortar “gordura”, diminuir o tamanho da máquina pública. “E o que o governador Marconi está fazendo é algo que a presidente Dilma ainda não começou em Brasília, isto é, se adequar à nova realidade. Se isso não for feito, será impossível gerir. Nenhum governo consegue fazer uma boa gestão se não tiver recursos. Então, os ajustes são obrigatórios”, frisa. Realmente, diante deste novo momento da economia brasileira, o Estado atual já não funciona, pois é grande e não funciona adequadamente.
A grande questão dos cortes é, como orienta Valdivino de Oliveira, não deixar que eles afetem o crescimento da economia. Ao contrário, “devem ficar nas despesas mais secundárias, pois, se os ajustes vierem para os investimentos, o Estado paralisa ainda mais a economia, pois as empresas demitem os seus trabalhadores, que, por sua vez, demandam mais cuidados do governo.”
Commodities e a crise
“O capitalismo tem uma capacidade muito grande de inovar e gerar renda. E essa inovação, devido à produtividade, é que aumenta a renda das pessoas. Por outro lado, também tem uma capacidade grande de gerar desequilíbrios”. A fala é do economista Walter Marin e pode ser utilizada para pensar uma questão levantada pelo também economista José Luiz Miranda: parte da crise gerada pela desvalorização das commodities, abaladas nas cotações do mercado internacional dos últimos meses e que ainda representam o centro das economias brasileira e, sobretudo, goiana.
Há um consenso no fato de que o agronegócio, assim como a pecuária, dá certa sustentação à economia do Brasil, uma vez que o mundo precisa de comida e esse é o forte da produção brasileira. Porém, desde que a China, maior consumidora das commodities brasileiras — e goianas, tanto na parte de minério quanto do agronegócio —, repensou suas estratégias, criou-se um desequilíbrio muito grande.
Miranda relata que a China tem tentado ficar menos dependente dos fornecedores externos, por meio de parcerias no continente africano. “Eles levam tecnologia, conhecimento e pessoas para produzir aquilo que necessitam, principalmente soja, e ainda conseguem ajudar as regiões africanas carentes de desenvolvimento, pois levam emprego”. Essas ações, em conjunto com outras, afetam diretamente os preços das commodities no mercado internacional, assim como quem fornece esses produtos para a China. Assim, segundo a previsão do economista, o agronegócio ainda dá sustentação ao país, mas existe um prazo: até cinco anos. “Após isso, já não temos essa garantia”.
Indústria goiana é um dos setores com mais baixas
A esperança de que o agronegócio dê sustentação à economia por mais um tempo vem também da indústria, dada a incerteza da economia atual. Em Goiás, os últimos números do setor, embora um pouco melhores que os do país, não são muito animadores. De acordo com a Pesquisa Industrial Mensal de Produção Física, do IBGE, a produção industrial brasileira fechou 2014 em -3,20%, enquanto Goiás conseguiu ficar com saldo positivo, embora pequeno: 1,70%.
Já no primeiro bimestre deste ano, o Brasil terminou com -7,10% e o Estado, já no negativo, ficou com -4,40%. Isso, para o presidente da Federação das Indústrias de Goiás (Fieg), Pedro Alves de Oliveira, mostra que o Estado não é uma ilha e que, “embora tenha uma economia mais consistente, acaba sendo afetado pela crise.”
Ele aponta a produção agrícola goiana como principal diferencial, o que justifica suas esperanças no setor, visto que tem uma ligação direta com a indústria: “Quando a produção agrícola é grande, exporta-se para outros países e outros estados brasileiros. Esse dinheiro que entra reflete na economia de modo geral. Por isso, nossa expectativa é que o agronegócio consiga segurar a situação por mais um tempo”.
Oliveira, que esteve na semana passada em reunião com outros presidentes de federação na Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília, relata que a incerteza do setor é grande. “Tive dois dias de reuniões na CNI e a preocupação é grande com relação a essa situação. Os reflexos internacionais são ruins e as empresas estão tentando manter ao máximos os seus funcionários. Mas chega um determinado momento que não tem mais jeito”, declara.
“Esperança da economia” sofre por outras causas
O agronegócio goiano fechou 2014 de modo razoável, novamente puxando a economia goiana e com saldos positivos na balança comercial, como emprego e renda. O resultado do PIB do ano passado ainda não foi fechado, mas, segundo presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), José Mário Schreiner, o setor deverá apresentar um crescimento de 4% a 6% em relação a 2014. “O agronegócio segurou. No Brasil, cresceu 3,6% ao passo que a economia retraiu 0,18%”, diz ele.
E se o cenário para 2015 não é exatamente positivo são por outras causas, sendo a principal delas a falta de chuvas que atingiu o Sul, o Sudeste e o Centro do Estado. “É algo que raro acontece, mas que pelo segundo ano consecutivo nos atingiu”, alega Schreiner. Segundo ele, a previsão de perda para o setor neste ano é de 15% a 20% na safra da soja, um produto muito importante para o Estado. Isso, aliado à queda dos preços das principais commodities no cenário internacional, resulta em queda no volume de riquezas do agronegócio.
Além disso, o dólar, que deu sinais de avanço, ajuda nas exportações por um lado, mas aumenta o custo da produção por outro. A expectativa é que a produção fique 20% mais cara em relação a 2014. Por isso, Schreiner acredita que o agronegócio não conseguirá segurar a economia do modo como tem segurado até então. “É claro que alguns setores do agronegócio estão indo bem, como a pecuária de corte, que tem suportado bem e ajudado bastante, mas soja e milho devem sofrer retração”, avalia.
Por outro lado, ele diz que o agronegócio é a esperança da economia brasileira dada sua rápida reação. “Quem investe hoje”, assegura Schreiner, “consegue ter um retorno dentro de quatro ou seis meses. Dessa forma, se existe um setor que pode ajudar o Brasil a sair da crise é o agronegócio porque é o mais moderno do mundo e o que mais evoluiu, mesmo que muitos pensem o contrário”, acrescenta.
Construção civil: melhor em Goiás, mas à procura de soluções
Dos considerados três mais importantes setores da economia, o da construção civil é o que mais apresenta queda. Há construtoras em Goiás que já demitiram metade de seus funcionários e adiaram parte de seus projetos. Renato de Sousa Correia, presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), esteve em São Paulo na semana passada com os profissionais do setor imobiliário e afirma que as perspectivas de retorno do crescimento são apenas para 2016.
Em grande parte, essa posição é justificada pelas últimas ações do governo federal de aumento de juros, o que dificulta o acesso da população à compra de imóveis. “Quando se tem uma inflação alta, os investimentos passam a ser mais atrativos que a poupança, então, há uma redução na velocidade de lançamentos e vendas, o que faz o mercado cair em volume. Essa é a realidade deste ano e não há como fugir; e estamos discutindo exatamente isso. Agora, toda crise tem oportunidades e é por isso que o empresariado tem buscado meios para se adequar à realidade e, assim, continuar produzindo em níveis aceitáveis, pois temos certeza que iremos retomar o crescimento”, destaca.
Entretanto, na comparação com São Paulo, por exemplo, Correia aponta que a situação em Goiás é melhor, dado o tamanho do estoque. Segundo ele, São Paulo tem 27 mil unidades em estoque, o que significa praticamente 18 meses de venda e com um preço muito mais alto. Em Goiás, o estoque caiu: de 12 mil unidades, em 2011, para 9.200 neste ano. “O preço de Goiânia subiu acima da inflação, enquanto o de São Paulo ficou estabilizado ou até caiu um pouco. O valor do terreno em Goiás é bem menor. A migração para Goiás é muito acima da média nacional, pois é o Estado do agronegócio, o que acaba puxando o mercado imobiliário”. Ou seja, há alguma diferença.