Goianas contam como encaram a quarentena na Itália e em Portugal
22 março 2020 às 00h00

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Relatos de duas goianas mostram como a Europa lida com a pandemia do novo coronavírus

“Acredito que, a princípio, as pessoas estavam mais calmas pensando que não era para tanto, não precisavam entrar em pânico”, diz a publicitária goiana Ana Luiza Ciuffreda, de 37 anos, sobre a pandemia de Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), que assola a Itália. Ela e o marido vivem em Milão e estão em quarentena em um apartamento no Affori Centro desde o dia 9 de março.
Ela diz que no primeiro momento, os italianos tomaram medidas como lavar bem as mãos, mas continuaram a levar a vida normalmente. Escolas, academias, universidades, pontos turísticos e museus foram fechados. Tentou evitar pegar transporte público (metrô e ônibus ) ao máximo, mas podia ir para o trabalho, academia e supermercado a pé.
O marido dela, o desenvolvedor de software Antônio Ciuffreda, de 37 anos, não foi dispensado pela empresa para trabalhar em casa e continuou a pegar dois metrôs para ir ao trabalho de segunda a sexta-feira.
No início o governo lançou uma campanha publicitária, com um vídeo com a hashtag #milanononsiferma que significa algo como “Milão não para”. Porém, uma semana depois, no último dia 8, o primeiro-ministro, Giuseppe Conti, decretou quarentena, com fechamento das fronteiras da Lombardia, onde fica a cidade de Milão, no norte da Itália.
Quarentena

Foi tudo muito rápido. Já na segunda-feira seguinte após o fechamento das fronteiras da Lombardia, Giuseppe Conti decretou quarentena por toda a Itália. Houve restrição quase total de movimentação pelo país e fechamento do comércio, exceto supermercados e farmácias.
“Foi aí que começamos a perceber que realmente não era só uma simples gripe, que o corona é um vírus que causa um caos social muito grande mesmo não sendo letal pra maioria das pessoas”, diz Ana Luíza. “Os hospitais estão lotados e tiveram, por exemplo, que aumentar o número de leitos em 60% em questão de dias”, aponta.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou a Covid-19 como pandemia na quarta-feira, 11, e na sexta-feira, 13, o mesmo órgão considerou o continente europeu, e não mais a China, como o centro global da doença. A Itália, que até então registrava mais de 15 mil casos e 1.016 mortes, era o epicentro da epidemia na Europa.
A taxa de mortalidade escalou rapidamente, chegando a oito vezes maior que a Coreia do Sul, que adotou o esquema de testes em praticamente todos os infectados por coronavírus, localização dos contatos dessas pessoas e confinamento. Na Itália, que não adotou tais medidas, 6,21% dos pacientes com Covid-19 morreram. No país asiático, apenas 0,7%.
O país europeu registrou, na última quarta-feira, 18, o maior número de mortes em um único dia: 475, chegando ao total de vítimas de 2.978. O que deixou o sistema de saúde da Itália praticamente colapsado e fez com que médicos passassem a escolher dar tratamento paliativos para os pacientes que não respondem bem.
Rotina
“Desde então vivemos em absoluta quarentena, só saindo para ir ao supermercado ou farmácia, que são os únicos locais públicos abertos”, explica Ana Luiz. “No meu caso, do meu marido, sócio e amigos próximos, nós temos a sorte de poder trabalhar em casa. Todos são aconselhados a trabalhar de casa”, diz.
Para sair é preciso ter uma boa justificativa. Ainda assim, há risco de a polícia parar quem se aventure na rua e indague o porquê a pessoa está fora de casa. Há, inclusive, multas pesadas para quem desobedecer. O número de multas a cidadãos que violaram a quarentena chegou a 27.616 desde que o decreto entrou em vigor.
Ana Luzia diz que uma amiga que foi levar as compras do supermercado para a mãe, que é idosa, chegou a ser abordada por um policial.
“Desde que a quarentena começou saímos somente uma vez para ir ao supermercado e à farmácia. Me senti bastante tensa, com medo do contágio e apreensiva tendo que manter a distância das pessoas. A vida perde a naturalidade uma vez que temos que pensar nos mínimos detalhes para se proteger”, afirma.
“Com quase dez dias de quarentena, eu pessoalmente me sinto um pouco ansiosa, desorientada e com bastante dificuldade de concentração e até mais emotiva”.
Em Portugal, há medo de desemprego

Enquanto a Itália experimenta momento de pânico, sem saber exatamente como e quando a epidemia vai acabar, Portugal ainda registra suas primeiras mortes. Entre elas, de Mário Veríssimo, antigo massagista do clube de futebol Estrela da Amadora e amigo de Jorge Jesus, treinador do Flamengo. E do presidente conselho de administração do banco Santander, António Vieira Monteiro.
A Direção-Geral da Saúde, órgão português semelhante ao Ministério da Saúde, emitiu recomendações às empresas aconselhando-as a definir planos de contingência para casos suspeitos entre os trabalhadores. Ela estabelece zonas de isolamento e regras específicas de higiene, evitando reuniões, e que devem se preparar para que funcionários não trabalhem, em caso de doença, além de eventual suspensão de transporte público e fechamento das escolas.
Ainda assim, o clima não é dos melhores. A percepção geral é de que o número de casos aumentará, o que pode gerar medidas mais drásticas e afetar a estabilidade econômica. A diretora editorial Aline Soares Lima, de 37 anos, explica que a sensação é a de que quem está em situação de emprego precário vai ficar sem trabalho e os trabalhadores independentes também vão ficar sem boa parte dos rendimentos.

Aline, que saiu de Goiânia há 9 anos para fazer pós-graduação na cidade do Porto, afirma que o mercado está sendo afetado em todos os setores. O turismo é uma das áreas mais atingidas e o turismo tem representado muito para a economia portuguesa. Sobretudo para os brasileiros, já que a maioria trabalha na área de restaurantes. Com os estabelecimentos fechados, acabam sem trabalho. “A situação é preocupante não só pela saúde, mas pelo colapso social”, diz.
O governo português tem tomado medidas de contenção da propagação, ainda não radicais. As escolas estão fechadas, shopping, cinemas, academias, faculdades, serviços públicos e supermercados com horário reduzido. Portugal amargou seus piores momentos após a crise de 2008, mas conseguiu se levantar, em grande parte devido ao turismo, o que atraiu hordas de brasileiros para o país da Península Ibérica.
Ações
A decisão de decretar estado de emergência preocupava os portugueses e só foi decretada na última quarta-feira, 18, justamente para que a economia não fosse tão afetada. Embora haja consenso que o caso da Itália é paradigmático, é a primeira vez desde 1975 que o país decreta este tipo de medida.
Aline diz que as cidades portuguesas estão mais vazias e mais tristes, porque há muitos estabelecimentos fechados. Ela afirma que, nos primeiros dias de aulas suspensas e de trabalho remoto, muita gente foi para os cafés, praia, parques. No entanto, os parques, bibliotecas e tudo que é de gestão do estado foram fechados e as praias, interditadas.

“Tudo está diferente, há sempre um clima de tensão no ar, os supermercados estão a ficar vazios. Algo curioso, o item que primeiro acabou nos supermercados foi o papel higiênico, não se entende bem a razão”, aponta.
“A primavera está a chegar e a cidade iria ficar novamente inundada de turistas, agora está tudo vazio. Moro numa rua no centro do Porto onde há muita agitação artística por causa das galerias de arte que existem aqui. Hoje estava tudo vazio, galerias fechadas, cafés”, relata.
Ela acompanha o que acontece no Brasil e diz que ainda não há uma percepção real do que acontece. Parece ser, para os brasileiros, uma realidade distante, embora em muitas cidades recomendem o distanciamento social.
Aline diz ter cogitado voltar para o Brasil, mas não considera que a situação no país não seja 100% segura. Além disso, não tem plano de saúde, por isso estaria mais vulnerável e poderia ser ainda mais uma pessoa para inflacionar o Sistema Único de Saúde (SUS). “Não nos resta mais nada a não ser ficar em casa, trabalhar e tentar não enlouquecer com as notícias e com o isolamento. Eu moro sozinha e ficar uma semana, duas, um mês em isolamento parece realmente dramático”, lamenta.
Goiás adota medidas necessárias para não virar uma Itália, aponta infectologista
A primeira ação do governador Ronaldo Caiado (DEM), após a confirmação de três casos em território goiano da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), foi decretar estado de emergência da Saúde em Goiás. A partir daí, decretos assinados pelo chefe do executivo cancelaram grandes eventos, fecharam escolas, promoveu o teletrabalho para servidores públicos, fechou comércios e shopping centers, reduziu número de cirurgias eletivas.
Tudo para que a curva do gráfico de infectados pelo vírus se achate o máximo possível. O limite principal é o número de doentes que o sistema público de saúde, no caso do Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS), consiga absorver sem colapsar. Esse é o grande problema da Covid-19.
No início da epidemia argumentava-se que outras contaminações tinham o índice de morte mais elevado que o novo coronavírus. A taxa de letalidade calculada com base nos últimos dados oficiais divulgados é de 3,2%. Para se ter uma ideia, a síndrome respiratória aguda grave (Sars) matou quase 10% dos infectados na China. Já a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), também um coronavírus, possui taxa de mortalidade de 39%. O ebola chega a 60%.
A questão é que, como a Sars, a Covid-19 pode evoluir para um quadro de pneumonia atípica — pneumonia inflamatória em parte deflagrada pela reação imunológica do paciente. Um tipo difícil de conter, pois não diretamente causada por um agente infeccioso (como uma bactéria ou vírus). Gripes, por exemplo, podem levar a quadros de pneumonia, mas como infecções secundárias. No caso da Covid-19, a pneumonia atípica é a progressão da doença, não uma infecção secundária.
Isso quer dizer que todas as pessoas que apresentam sintomas mais graves da doença precisam dos chamados ventiladores mecânicos. Ou seja, precisam ficar entubadas para que um aparelho faça a respiração para elas. O que provoca a internação de um número elevado de pessoas com equipamentos específicos e pode colapsar o sistema de saúde. Por isso, as medidas de contenção.
Timing
Segundo a infectologista Luciana Duarte de Morais é preciso não perder o timing. Ela diz que nos casos da Itália e da Espanha provavelmente as medidas de supressão não foram feitas a tempo — rompimento das cadeias de transmissão, para deter a epidemia e reduzir os casos ao menor número possível, como fez a China. O que levou a um contágio muito rápido de muitas pessoas, culminando com o colapso dos sistemas de saúde.
Para ela, em Goiás, estão sendo adotadas as medidas indicadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) já no princípio da epidemia, o que tem o potencial de diminuir a curva no gráfico dos infectados pela doença. A partir do momento em que passa a haver contaminação do tipo comunitária, aquela em que os agentes de saúde não conseguem mapear a cadeia de infecção, a tendência do gráfico é verticalizar. Nesse momento é que as medidas de contenção devem ser eficazes para diminuir os casos.
Por isso, aponta a infectologista, não há outra solução que não evitar o contato físico. É preciso mesmo restringir a movimentação das pessoas para assim diminuir o risco de contaminação, já que ela é altíssima para o novo coronavírus. Num piscar de olhos, a Itália passou de poucos infectados a um estado de calamidade pública que nem mesmo a quarentena radical conseguiu conter o avanço da doença.
“Se não houver o isolamento social, podemos registrar um aumento muito grande dos casos e o sistema de saúde não consegue absorver. O que leva a pacientes com prognósticos bons acabando evoluindo para óbitos”, diz.
Aprendizado
Luciana Duarte aponta que as medidas tomadas para conter o Sars-Cov-2 podem servir de aprendizado para novas epidemias no futuro, assim como os governos estão utilizando do que foi aprendido com a Mers e a Sars. “Cada vírus e epidemia é diferente. No entanto, vamos testando e adquirindo a experiência. Se um dia acontecer de novo, já teremos uma ideia de medidas drásticas e rápidas para conter a doença e não cometermos os erros que tivemos na Itália, por exemplo”, avalia.