Exclusivo: saiba por que a China está de olho na cidade goiana de Barro Alto

30 agosto 2025 às 21h00

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Barro Alto, cidade do norte de Goiás localizada no Vale do São Patrício, com cerca de 11 mil habitantes, está no centro de uma disputa internacional entre chineses, europeus e americanos por suas reservas de ferro-níquel. O município abriga a mineradora sul-africana Anglo American, que explora níquel em Barro Alto e Niquelândia, além de outras empresas de mineração que geram milhares de empregos e fortalecem a arrecadação municipal.

Apesar do crescimento econômico, comerciantes locais reclamam da falta de políticas públicas que incentivem os trabalhadores das mineradoras a se fixarem na cidade e consumirem no comércio local. “Isso seria fundamental para impulsionar a economia, mas ainda não acontece”, afirma um comerciante da cidade.
Embora a cidade seja bem cuidada em áreas como educação, saúde e zeladoria, Barro Alto ainda não possui sistema de saneamento básico, obrigando a população a usar fossas em quintais. O Produto Interno Bruto (PIB) do município gira em torno de R$ 10 milhões mensais.
Além do ferro-níquel, Barro Alto é um dos maiores produtores de bauxita do Brasil. A TGM, que atua na mineração, beneficiamento e comercialização do minério, responde por cerca de 200 empregos diretos e mantém relações comerciais na América do Sul, Europa e Ásia.

Barro Alto possui a segunda maior reserva mundial de níquel, concentrando 99% da produção goiana, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM). O metal é essencial para a indústria de aço inoxidável, utilizado também em ligas metálicas especiais, produtos eletrônicos, baterias recarregáveis e aviação.
A Anglo American produz ferroníquel na cidade desde 2011, mantendo estabilidade operacional com 39,4 mil toneladas em 2024. Recentemente, a empresa anunciou a venda de seu negócio de níquel no Brasil à chinesa MMG Singapore Resources, em negociação que pode chegar a US$ 500 milhões, o equivalente a mais de R$ 2,7 bilhões e inclui ativos em Barro Alto, Niquelândia e projetos futuros em Mato Grosso e Pará.
O negócio está sob contestação da concorrente holandesa Corex Holding, que afirma ter oferecido US$ 900 milhões (cerca de R$ 4,9 bilhões) — valor superior ao da proposta atual, mas não conseguiu concretizar a compra.
Na Europa, a transação pode resultar em um processo de investigação pela Comissão Europeia. No Brasil, conforme apurado, o caso deve ser analisado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que já foi acionado
Além disso, a Associação Americana do Ferro e do Aço (AISI) solicitou diretamente ao governo de Donald Trump que intervenha na negociação. As alegações são de favorecimento aos chinesas e risco de concentração de poder no setor.
A mineradora também desenvolve projetos socioambientais, como o programa Juntos pelo Araguaia, com R$ 22 milhões investidos desde 2020, beneficiando propriedades em Piranhas e Bom Jardim de Goiás. Outras iniciativas incluem educação ambiental, restauração ecológica e preservação de espécies, além de editais sociais que já contemplaram mais de 4 mil pessoas.

O prefeito Álvaro Machado ressalta que, apesar da relevância econômica da Anglo American, a cidade poderia receber mais atenção da mineradora. “A legislação deveria garantir que os municípios de onde extraem riquezas fossem tratados com mais dignidade”, afirma. Ele também demonstra preocupação com a venda para a MMG: “Até o momento, estamos vivendo uma incógnita sobre a atuação dos chineses em nosso município. Esperamos que melhore para todos”.
Outra situação levantada pelo prefeito e por moradores é que a cidade não possui outras fontes de renda capazes de sustentar a estrutura atual do município, além da mineração. Ou seja, se os minérios se esgotarem, o que será da cidade? Ela poderá se tornar uma cidade fantasma.
Álvaro Machado, no entanto, garante que a gestão está buscando soluções para esse problema, que considera gravíssimo e de extrema importância. Aliás, vale ressaltar que essa é uma realidade enfrentada por praticamente todos os municípios mineradores, nos quais os gestores muitas vezes não se atentam para esse desafio.
Barro Alto ainda depende de programas sociais para garantir renda à população
Mesmo sendo considerada uma cidade “rica” devido às suas reservas minerais, uma parcela significativa da população de Barro Alto ainda depende de assistência financeira do poder público. A prefeitura local mantém um programa que oferece auxílio de R$ 300 por mês.
O Programa Família Feliz é uma iniciativa municipal de distribuição de renda para famílias carentes. Desde sua implantação, em 2022, o programa já beneficiou mais de 600 famílias e atualmente atende mais de 400 famílias cadastradas. O dinheiro pode ser utilizado exclusivamente em supermercados do município, contribuindo também para o fortalecimento do comércio local.
De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, através da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania e da Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único, em agosto de 2025, o município registrou 864 famílias atendidas pelo Programa Bolsa Família, beneficiando 2.380 pessoas. O investimento total chegou a R$ 598.732, com um benefício médio de R$ 692,98 por família.

O levantamento detalha a distribuição dos benefícios:
- 2.380 Benefícios de Renda de Cidadania (BRC): R$ 142 por integrante, destinado a todas as famílias beneficiárias do Bolsa Família.
- 797 Benefícios Complementares (BC): destinado às famílias cujo valor total de benefícios financeiros seja inferior a R$ 600, calculado pela diferença até esse valor.
- 488 Benefícios Primeira Infância (BPI): R$ 150 por criança, para famílias com crianças de 0 a 7 anos incompletos.
- 0 Benefícios Variáveis Familiares (BVF): R$ 50 para gestantes, nutrizes, crianças de 7 a 12 anos ou adolescentes de 12 a 18 anos incompletos.
- 0 Benefícios Extraordinários de Transição (BET): concedidos até maio de 2025 para garantir valores mínimos aos beneficiários do programa anterior, o Auxílio Brasil.
Além disso, 134 famílias foram beneficiadas pelo Programa Auxílio Gás dos Brasileiros, com investimento total de R$ 14.472,00.
O Jornal Opção esteve em Barro Alto e conversou com comerciantes, moradores, trabalhadores, gestores e com o prefeito para avaliar se, de fato, a cidade é beneficiada por suas riquezas naturais.
Moradores, trabalhadores e comerciantes avaliam o desenvolvimento da cidade
A funcionária doméstica Maria Divina da Rocha, de 48 anos, nasceu e cresceu em Barro Alto e segue vivendo na cidade. Apesar do desenvolvimento econômico impulsionado pela mineração, ela avalia que a administração municipal é insuficiente em pontos essenciais como saúde e zeladoria urbana. “Sou natural daqui. Nasci, cresci e estou envelhecendo aqui em Barro Alto”, afirmou.
Maria Divina relata dificuldades constantes no acesso a medicamentos fornecidos pela rede pública. “Sou diabética. Vou pegar medicação, consigo a metformina, mas falta a insulina. Pego a fita, mas falta a agulha. É sempre assim. Com os remédios de pressão é a mesma coisa. Nunca consigo o kit completo, sempre pela metade”, contou.

Além da saúde, ela reclama da falta de limpeza nas ruas, principalmente no bairro Alfredo, onde mora. “No meu setor está muito sujo. É muita sacolinha espalhada. As pessoas também não ajudam, mas falta muito cuidado da prefeitura”, disse.
Segundo a moradora, até o recolhimento do lixo sofre interrupções. “O caminhão às vezes passa todo dia, mas tem vez que falta dois ou três dias seguidos. Falta cuidar mais da cidade, ainda mais com tanto dinheiro que entra por causa da mineração”, criticou.
Aos 86 anos, José Avelino da Silva, mais conhecido como piauí, vive em Barro Alto desde 1970, quando deixou sua terra natal, no Piauí, em busca de trabalho. Ele conta que ingressou na mineradora que na época ainda não se chamava Anglo American.
“Eu vim para trabalhar no que desse certo, mas quando cheguei encontrei a empresa e entrei nela. Não se chamava Anglo American, era BMCO”, relembra.
Segundo ele, a mineração passou por períodos de paralisação, mas, a partir dos anos 2000, trouxe grande transformação para o município. “A mineração ficou parada por uns 20 anos. Depois, com a Anglo, de 2004 para cá, Barro Alto se desenvolveu muito, trouxe muito desenvolvimento econômico e social”, avalia.

Piauí destaca a melhoria na qualidade de vida da população. “Os salários melhoraram muito. Hoje a saúde é boa, a educação é ótima. Tenho netos e bisnetas que estudam e acompanho de perto. A cidade é bonita, bem cuidada, e está muito melhor do que quando cheguei aqui”, afirma.
Para ele, os recursos da mineração estão sendo bem aplicados pela atual gestão. “Na minha opinião, o dinheiro está sendo revertido em benefícios para a população. Estão investindo pesado.”
Maria Nunes, 49 anos, do lar, afirma que a cidade tem recebido investimentos que beneficiam a população. “Está tudo muito bem aqui, os hospitais são bem cuidados e a saúde está boa.”
Sobre educação e saúde, Maria avaliou positivamente. “As escolas, os professores, não falta médico, tem remédios para a população. Quando você chega no posto de saúde, é atendida rápido.”

Maria Nunes também reconheceu os efeitos positivos na geração de empregos e no desenvolvimento local. “Essas mineradoras trouxeram desenvolvimento pra cidade e tem muita gente trabalhando, muito emprego.”
Maria Inácia, 59 anos, reside a cerca de 20 quilômetros da cidade, na zona rural. Ela trabalha em casa e acompanha de perto o desenvolvimento local. Sobre o crescimento econômico do município, impulsionado pelas mineradoras, Maria observa:
“Vejo todo mundo falar que Barro Alto melhorou muito depois dessa mineradora. Deu muito trabalho para o povo, emprego, desenvolvimento. Inclusive vem pessoas de fora, porque tá faltando gente para trabalhar:”
Maria Inácia, no entanto, observa que falta capacitação da população local para ocupar as vagas disponíveis. “Falta o município capacitar as pessoas do município para trabalhar. Infelizmente falta muito isso, essas empresas precisam, mas não têm a qualificação. Aí tem que trazer de fora, infelizmente.”

Ao comentar sobre os investimentos da prefeitura, Maria destacou melhorias na saúde:
“A saúde, por exemplo, está muito boa, somos bem atendidos, o hospital municipal foi reformado e ampliou o atendimento. Aumentou o serviço, tem carro que leva, que busca. Na saúde, o povo aqui está satisfeito.”
Sobre a educação, embora Maria não tenha filhos ou netos estudando, ela comentou sobre a situação na zona rural: “Tem ótimos professores e escolas equipadas com tecnologia e na zona rural existe ônibus escolar que ajuda muito.” Maria Inácia lembra que as estradas vicinais estão parecendo asfalto. “A gente só sabe que é estrada de chão por conta da poeira”, diz.
Kleyson Paulino da Silva, de 29 anos, é montador e chegou recentemente a Barro Alto, Goiás. Natural de São José do Belmonte, Pernambuco, ele está na cidade há cerca de cinco meses.
“Fui atraído pelas vagas de emprego que a cidade oferece. Aqui, emprego não falta. Tem bastante comércio, indústria e mineradoras”, afirmou Kleyson.
Kleyson iniciou suas atividades na cidade trabalhando em uma usina solar. “Eu vim para trabalhar numa usina solar na empresa, até outubro, novembro. Mas quando terminar pretendo ficar por aqui mesmo.”
Kleyson também comentou sobre a diferença salarial em relação à sua cidade de origem. “Lá na minha cidade, funcionava muito pela prefeitura. Teve algumas obras de usina solar, mas como as obras acabaram, o salário que eles ofereciam era tipo R$ 1.000, R$ 1.200, estourado. Aqui é mais que o dobro do que conseguia lá.”

Ele destacou a oferta de empregos em Barro Alto. “Se eu terminasse essa obra e colocasse currículo nas mineradoras, conseguiria emprego fácil. Tem fazendas, comércio, postos de gasolina, tem várias coisas para se fazer. Aqui só não trabalha quem não quer
Kleyson também percebeu a presença de outros nordestinos na cidade. “Tem muito nordestino aqui na cidade. Já conheci algumas pessoas. O povo está migrando para onde tem trabalho, onde paga bem.”
Kleyson, inclusive, rechaça a ideia de que o nordestino seja preguiçoso e só queira viver de benefícios do governo. “Quem fala isso não conhece a nossa realidade. O problema é que lá no Nordeste, ao menos onde eu moro, os salários são baixos e, isso quando há trabalho, porque muitas vezes nem vagas existem. Nordestino é cabra macho e trabalhador”, garante o pernambucano.
O médico João Ricardo, especialista em reumatologia e dermatologia, destacou a qualidade do atendimento no Hospital Municipal de Barro Alto:
“Temos atendimento em várias especialidades, como cirurgia, ginecologia, obstetrícia, dermatologia, reumatologia, psiquiatria, cardiologia e otorrinolaringologia, esta última com atendimento mensal”, afirmou.
Ele explicou que a equipe clínica conta com dois médicos, mas que conseguem atender a população de forma eficiente. “Atendemos em média quase 100 pessoas por dia. Isso torna o atendimento rápido e acessível”, disse.
João Ricardo ressaltou ainda que o hospital realiza pequenas cirurgias e procedimentos dermatológicos, evitando que os pacientes tenham custos elevados. “A população de Barro Alto tem acesso a esses serviços e gasta menos. A arrecadação do município está sendo aplicada em benefício direto da população”, comentou.

O médico destacou que o hospital recebe pacientes de outros municípios, atraídos pela qualidade do serviço. “Isso aumenta a demanda, mas demonstra que a saúde oferecida aqui tem credibilidade”, explicou.
Natural de Niquelândia, Gustavo Assis dos Santos mora em Barro Alto há mais de 15 anos. “Eu vim pela mineração. Já trabalhava em outras mineradoras e recebi uma oportunidade aqui em 2010. Ainda estava em um projeto em construção e vim com uma empresa contratada. Depois de algum tempo, fui efetivado diretamente na Anglo American e lá fiquei por mais de 10 anos.”
Ele revela que sempre teve o desejo de empreender: “Sempre tive o objetivo de montar um negócio próprio. Há cerca de dois anos e meio, conseguimos efetivar esse sonho e montar essa lojinha aqui”. O estabelecimento fica em um imóvel da família: “É meu, mas na verdade é do meu pai.”
Sobre a escolha pelo ramo de construção, Gustavo explica: “Aqui já existiam algumas empresas desse setor, mas vimos uma oportunidade de ter outra loja. Minha família já trabalha nesse ramo, então cresci no meio da construção civil. Foi uma oportunidade de desenvolver um desejo pessoal e permanecer na cidade que gosto.”
Gustavo comenta ainda sobre a economia local: “O comércio tem dado certo, mas sempre há espaço para melhorar. Precisamos aproveitar as minerações na cidade para gerar mais recursos, fazer o dinheiro girar e fortalecer o comércio e a infraestrutura local.”
Gustavo ressalta, porém, que falta políticas públicas para incentivar os trabalhadores das empresas a estabelecerem domicílio na cidade. “A cidade precisa oferecer moradias para essas pessoas, isso daria uma impulsionada no comércio local.”
Ele avalia o comércio atual: “Não acho que seja fraco, mas temos oportunidade de melhorar. Muitas pessoas ainda saem daqui para comprar em Goianésia, o que significa que podemos incentivar o consumo local. Políticas públicas são importantes para atrair e manter pessoas na cidade, fortalecer o comércio e desenvolver um ciclo positivo.”

Sobre a sua empresa, Gustavo informa: “Temos sete funcionários, todos daqui. Dou prioridade para contratar pessoas locais”. Ele detalha a média salarial: “O salário médio é de R$ 2.200, incluindo comissão sobre vendas. Na carteira, é em torno de um salário mínimo, e as comissões são um incentivo adicional para os funcionários.”
Walison de Sousa Barbosa, 19 anos, estudante de engenharia civil, afirma que, apesar de Barro Alto não contar com uma faculdade presencial, o poder público oferece transporte para os moradores que desejam cursar o ensino superior. “Eu estudo em Goianésia, cidade vizinha a Barro Alto”, explica.
Ele ressalta que, com o desenvolvimento econômico gerado pela mineração, a cidade deveria ter uma faculdade com cursos voltados para as áreas mais demandadas pelo município. “Vejo essa falha dos prefeitos, precisam olhar mais para os jovens”, critica.
Sobre a infraestrutura para a juventude, Walison observa que a cidade carece de opções de lazer. “Falta políticas públicas para essa parcela da sociedade. Aqui só tem praças e mais nada”, comenta.

Walison trabalha em um supermercado, mas seu objetivo é concluir a graduação e atuar no setor de mineração. “Não quero sair daqui. Estou no quarto período e, quando terminar, tenho certeza de que terei um emprego com salário melhor”, afirma.
O aposentado Geraldo Teodoro da Silva, de 76 anos, vive há mais de cinco décadas em Barro Alto e afirma que o município mudou bastante com a chegada das mineradoras e outras empresas. No entanto, ele alerta para a dependência econômica da cidade.
“O dia que o minério acabar, acabou Barro Alto”, declarou. Para ele, o poder público não tem se preparado para esse cenário. “Um dia esse minério vai acabar, e o poder público não tem feito nada para resolver esse problema.”
Questionado sobre a aplicação dos recursos arrecadados com a mineração, Geraldo avalia que o retorno para a população é insuficiente. “Recolhem um ‘mundo de dinheiro’ e a metade parece que some. Fazem só umas mixarias de coisa para o povo ver. Com o dinheiro que arrecadam, daria para fazer muito mais. E não falo só deste prefeito, todos fizeram pouco pela população”, afirmou.

O aposentado observa que muitos trabalhadores se mudam para o município, mas não permanecem nele por falta de moradias. “Esses políticos tinham que providenciar lugar para essas pessoas morarem, e assim melhoraria o comércio da cidade. Não sei o que eles pensam, porque se fizessem isso, todo mundo ganhava mais, inclusive a prefeitura.”
A comerciante Maria da Conceição Silva, de 61 anos, trabalha há mais de 40 anos no ramo de vestuário em Barro Alto. Ela conta que hoje mantém apenas dois funcionários em sua loja, mas poderia empregar mais pessoas se a economia local fosse mais aquecida.
“Já tive até mais, mas hoje em dia eu estou mantendo dois, mais ou menos. Poderia ter muito mais se o dinheiro circulasse aqui na cidade. A gente ia vender mais e daria mais empregos, tudo seria melhor.”
Segundo Maria da Conceição, a diferença salarial entre o comércio e as mineradoras é um dos fatores que dificultam a competitividade do setor. “As mineradoras pagam mais que o dobro do que conseguimos oferecer. Nós, comerciantes, não conseguimos pagar mais do que um salário mínimo e uma comissão pelas vendas”, explica.

Ela também critica a falta de planejamento do poder público em garantir que os trabalhadores que atuam nas mineradoras se fixem no município. “Desde o início, a cidade deveria ter feito uma estrutura para acolher esses trabalhadores. É um erro da administração pública não fazer com que esse pessoal que vem para trabalhar deixe o dinheiro aqui. Muitos vão morar em cidades próximas, fazendo as outras cidades prosperarem em vez da nossa.”
De acordo com a comerciante, o fluxo de consumo acaba se concentrando em municípios vizinhos, como Goianésia. “O pessoal vai muito para lá, o movimento fica todo para lá. Se essas pessoas morassem aqui, o comércio seria melhor, o dinheiro iria circular na cidade”, lamenta.
Maria da Conceição defende ainda mais investimentos em saúde e educação, que, segundo ela, já sentem os impactos do crescimento populacional. “Precisa de mais atitude, andar mais rápido com essas casas e melhorar a estrutura. Falta médico, falta escola, porque as nossas, às vezes, nem suportam tanto pessoal que vem de fora.”
Comércio de Barro Alto não é totalmente beneficiado
Membro da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Barro Alto (ACIABA), Júlio César Gonçalves, avalia que, apesar da presença de mineradoras e de empresas diversas, boa parte da riqueza gerada não permanece na cidade.
Segundo ele, os trabalhadores contratados pelas mineradoras acabam residindo em municípios vizinhos, o que reduz o impacto positivo no comércio local. “Esse é o nosso grande gargalo. Boa parte dos salários vai para fora, porque muitos desses funcionários vivem em cidades próximas. Não dá para dizer que não somos beneficiados, mas poderíamos ser muito mais”, afirmou.

Júlio César defende que o poder público e as mineradoras atuem em conjunto para resolver a falta de moradias, um dos principais entraves para que os trabalhadores se fixem em Barro Alto. “Nosso grande problema hoje é a questão da moradia. O município está construindo 730 casas, mas é um processo demorado. As mineradoras nunca priorizaram Barro Alto, nunca se sentaram com a prefeitura para buscar soluções.”
Júlio César cobra que a nova mineradora chinesa, que deve assumir operações no município, adote uma postura diferente. “Esperamos que eles tragam diretores e funcionários para morar aqui. A cidade melhorou, mas poderia estar muito melhor se tivesse havido um plano real de desenvolvimento local. Não é justo tirar bilhões daqui e deixar a população apenas com a poeira e os problemas.”
Outro ponto destacado é a necessidade de investir na capacitação da mão de obra local. “Já houve cursos, mas os jovens não foram aproveitados. Isso desestimula a população. As empresas sabem quais profissionais precisam, mas não investem na formação e contratação dos moradores daqui.”
Júlio César reforça que a expectativa da associação é de que a nova administração das mineradoras tenha mais diálogo com a comunidade. “O que pedimos é respeito, dignidade e compromisso com a cidade de onde tiram toda essa riqueza. Barro Alto precisa ser respeitada e se desenvolver de verdade.”
SESI SENAI possui vagas, mas enfrenta baixa procura
O supervisor administrativo da unidade integrada SESI SENAI de Barro Alto, Mário Francisco, explica que a instituição está na cidade desde 2009, fruto de uma parceria entre a prefeitura, o SESI SENAI e a mineradora Anglo American, com o objetivo de qualificar a mão de obra local e regional.
“O intuito da parceria foi justamente qualificar a mão de obra para ser absorvida pelas empresas da região, oferecendo cursos de qualificação, técnicos e até ensino regular, como a Educação de Jovens e Adultos (EJA).”

Segundo ele, atualmente a unidade oferece cursos de Técnico em Segurança do Trabalho, Eletrotécnica, Meio Ambiente e Logística, além de capacitações em diversas áreas demandadas pelo setor produtivo. “São cursos muito procurados pelas empresas locais, mas a procura por parte da população não tem sido como gostaríamos. Já tivemos momentos de maior adesão, mas hoje as turmas estão com baixa procura.”
Mário Francisco reconhece que, em muitos casos, as empresas acabam buscando trabalhadores de fora devido à falta de profissionais qualificados na cidade. Ele destaca que o SESI SENAI busca parcerias constantes para incentivar a adesão. “Já tivemos muitas parcerias com o poder público, mas sempre há espaço para melhorar. Quando existe subsídio, a procura aumenta, porque funciona como um incentivo para quem não tem condições de pagar.”
De acordo com o supervisor, além de valores mais acessíveis do que instituições particulares, os cursos oferecem alta qualidade e empregabilidade. “Um profissional com curso técnico já tem uma vantagem competitiva. O técnico em Segurança do Trabalho, por exemplo, tem salário médio acima de R$ 3 mil na região, sem contar os benefícios.”
Ele reforça que ainda há vagas abertas em diferentes áreas. “Estamos com turmas disponíveis e matrículas abertas para toda a população de Barro Alto e região.”

Prefeito de Barro Alto destaca desafios econômicos e sociais da cidade mineradora
O prefeito de Barro Alto, Álvaro Machado de Freitas (MDB), ressaltou a importância da mineração para o município, mas criticou a baixa circulação da riqueza local e a dependência quase absoluta do setor.
“Embora o município tenha uma arrecadação relevante, o grande desafio de Barro Alto é que, estatisticamente, a renda per capita é alta, mas, na realidade, o dinheiro não circula na cidade. Circula em Goianésia. O povo trabalha aqui, mas mora lá. A cidade não conseguiu acomodar essas pessoas. Acredito que foram erros de gestões passadas.”

Segundo ele, o município possui grande potencial minerário, mas enfrenta problemas estruturais. “Barro Alto tem a maior reserva de bauxita do Brasil, com o melhor teor do mundo. Se as gestões anteriores tivessem feito os cuidados necessários, teríamos entre 25 e 30 mil habitantes hoje. Mas a cidade perdeu muito por alguns erros. Estatisticamente cerca de 70% dos funcionários das empresas não residem aqui.”
O prefeito detalhou as ações de sua gestão para melhorar a infraestrutura e atrair moradores. “O grande gargalo de Barro Alto é montar uma cidade com estruturas básicas para educação, saúde, segurança, moradia e infraestrutura. Reformamos hospitais, postos de saúde, asfaltamos distritos e implantamos o programa Estrada Boa na zona rural. Hoje, a cidade possui segurança de referência, sem homicídios há mais de 700 dias, e estamos avançando na moradia, com mais de 600 imóveis em construção e projetos para atender 1.000 famílias.”
Sobre a atuação das mineradoras, Álvaro Machado afirmou: “É preciso que essas empresas agreguem valor ao minério aqui, para gerar emprego e receita local. Hoje, a bauxita sai Inature e o alumínio é beneficiado em outros estados, perdendo receita e mão de obra para Barro Alto. Gostaria que as empresas tivessem um olhar maior para a cidade de origem de onde retiram os recursos.”

O prefeito também abordou programas sociais: “Temos um programa chamado Família Feliz, que atende cerca de 500 famílias com R$ 300 mensais. Criamos auxílio emergencial durante a pandemia e estruturamos a assistência social para atender a população de baixa renda.”
Sobre saúde e saneamento, Álvaro Machado afirmou: “A cidade atende não só Barro Alto, mas municípios vizinhos, oferecendo cirurgias de baixa e média complexidade. A farmácia básica funciona normalmente. Quanto ao saneamento, Barro Alto ainda depende da Saneago, que precisa modernizar a estrutura de esgoto. Nós construímos o sistema de aterro sanitário que está dependendo apenas de um serviço da equatorial para funcionar.”
Álvaro Machado destacou a preocupação ambiental e o planejamento para o pós-minério. “A mineração traz impactos na saúde, com poeira e metais pesados, mas estamos estruturando a cidade para que o dinheiro circule aqui, fortalecer o comércio, pequenas empresas, o agronegócio e o distrito industrial. Nosso objetivo é preparar Barro Alto para o futuro, mesmo diante da finitude do minério.”

Barro Alto investe em saúde
Segundo a secretaria de saúde, Barro Alto iniciou o ano com avanços significativos na saúde pública. A principal conquista foi a reforma completa do Hospital Municipal, que agora oferece consultórios, pronto-socorro, salas de exames e centro cirúrgico revitalizados, permitindo a retomada de cirurgias, partos e procedimentos de menor porte.
A Prefeitura também ampliou a atuação dos PSFs e Unidades Básicas de Saúde, com mais médicos especialistas, atendimento odontológico e suporte integral aos pacientes, incluindo um PSF exclusivo para Souzalândia e Santo Antônio da Laguna, além do fortalecimento do atendimento na zona rural.
Outro destaque é o Centro de Inclusão Mundo Singular, pioneiro na região, dedicado ao acompanhamento de crianças neuroatípicas, com equipe multidisciplinar formada por psicóloga, nutricionista, musicoterapeuta e terapeuta ocupacional.

O município conquistou ainda junto ao Governo Federal a implantação de uma UBS tipo 4 no Residencial Flamboyant, que atenderá mais de mil famílias.
Com essas iniciativas, Barro Alto se tornou referência regional em saúde, contabilizando cerca de 18 mil cartões SUS ativos, atendendo moradores locais e de cidades vizinhas. Os avanços são atribuídos à gestão do secretário de Saúde, Fernando Martins, aliado do prefeito na ampliação e melhoria dos serviços.
Educação em Barro Alto alcança prêmios nacionais
Secretária municipal de Educação de Barro Alto, Sandielle Ferreira Tavares destaca que a rede de ensino do município vem registrando avanços significativos nos últimos anos. Professora efetiva há uma década, formada em Biologia e com experiência em gestão escolar, ela afirma que a educação se consolidou como uma das principais áreas da administração local.
“Hoje, na rede municipal, nós temos 12 unidades, sendo sete escolas e cinco Cmeis, que atendem em torno de 2 mil alunos, com aproximadamente 500 funcionários. É a maior pasta do município. Durante esses anos, conseguimos bons índices, com seis premiações, sendo três delas em nível nacional”, ressaltou a secretária.

Entre os reconhecimentos, Sandielle cita a conquista por três vezes da premiação do Alfa Mais Goiás, duas vezes o segundo lugar nacional entre municípios mineradores no quesito educação, em cerimônia realizada no Ministério de Minas e Energia, em Brasília, e ainda o Prêmio PVE de Educação, em duas edições, na categoria mobilização social.
O Prêmio PVE da Educação é uma iniciativa anual do Programa Parceria pela Valorização da Educação (PVE), promovido pelo Instituto Votorantim, que reconhece e celebra práticas e projetos de gestão e mobilização social no setor público educacional.
“Esses resultados se devem ao trabalho árduo da equipe da secretaria, da coordenação pedagógica, dos departamentos e, principalmente, dos professores. Nós também investimos bastante na formação continuada dos profissionais”, destacou a secretária.
Sandielle Tavares lembra que Barro Alto é um dos municípios que melhor remunera seus docentes. “Nós temos um plano de carreira do magistério que contempla professores e agentes de educação infantil. Pagamos o piso nacional da educação que é de R$ 4.867,77, e, ainda acrescentamos benefícios previstos no nosso plano municipal, que, ao final pode chegar a R$ 10 mil. É um dos melhores salários da região”, explicou.
A rede municipal atende alunos desde a pré-escola até o 9º ano do ensino fundamental. “Nós somos um dos poucos municípios que ofertam a segunda etapa do fundamental, o fundamental II”, disse Sandielle. Ao todo, os Cmeis atendem cerca de 320 crianças, enquanto o restante dos alunos está distribuído nas escolas. Entre elas, há uma unidade quilombola na região da Laguna, próxima ao Rio Maranhão, e a escola de Souzalândia, distrito que concentra mais de 200 estudantes.
Os investimentos em estrutura pedagógica também são destacados pela secretária. “Logo no início do ano entregamos kits completos de material escolar, além dos uniformes. Trabalhamos com o sistema apostilado Aprende Brasil, do Positivo, e todas as salas de aula têm TV, notebook e ar-condicionado. Nós damos as melhores condições possíveis para professores e alunos”, afirmou.
Apesar da queda na arrecadação do município em 2025, a secretária garante que a qualidade foi mantida. “Nós sentimos os efeitos da redução de receitas, mas a merenda dos alunos continua sendo de primeira qualidade, as escolas seguem bem equipadas e a educação não tem deixado a desejar.”
Segundo Sandielle, os avanços só são possíveis graças à mineração. “Com certeza, se não fosse a atividade mineradora, não teríamos a condição que temos hoje. Os impostos do setor são fundamentais para custear a educação, já que os recursos do governo federal, como PNAE, PNATE e até mesmo o Fundeb, não são suficientes. O Fundeb cobre apenas a folha de pagamento e ainda precisamos complementar.”

A secretária lembra que o município é referência na merenda escolar. “Temos uma escola de período integral que oferece cinco refeições diárias, além de atividades como música, artes marciais e natação. Os Cmeis também garantem cinco alimentações por dia. Nas demais escolas, todos os alunos recebem lanche de qualidade diariamente. O órgão de fiscalização da merenda já esteve diversas vezes aqui e reconhece Barro Alto como referência regional.”
Lei também:
‘Riqueza não circula em Barro Alto’, diz prefeito de cidade disputada por mineradoras
Em comunicado, mineradora Anglo American se manifesta sobre venda de plantas em Goiás para chineses