Esclarecendo a real política econômica do liberal Paulo Guedes
15 dezembro 2019 às 00h00
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O ministro busca operar a economia no sentido de afirmar valores liberais tanto para dar sentido ao governo como para informar o mercado
Everaldo Leite
Especial para o Jornal Opção
A entrevista do ministro da Economia, Paulo Guedes, para o jornalista Cláudio Dantas, do site O Antagonista (04/12), foi uma boa retrospectiva do quase um ano de gestão e, de forma quase didática, apontou os caminhos da política econômica do governo para os próximos três anos. Navegando em mares bravios desde o início de janeiro, Paulo Guedes agora demonstra maior controle — inclusive emocional — do perfil de comando que precisará manter para aportar com êxito em 2022. Se a condução for eficiente, é possível que — para o bem ou/e para o mal — estaremos numa dimensão econômica muito diferente da que vivemos desde a Constituição de 1988.
Paulo Guedes, primeiramente, assinala a sua crítica ao dirigismo da economia, que para ele levou o país ao esgotamento econômico. É um entendimento pautado em políticas e resultados passados, todos muito ruins e geradores de passivos e entraves colossais. As promessas de desenvolvimento dos governos anteriores não foram cumpridas e, mesmo cercadas de advertências, deprimiram a economia e comprometeram o futuro de muitos. De fato, as contas públicas ficaram abaixo do vermelho, empresas pararam de investir e o desemprego se agigantou. Não há como negar que essa foi a dinâmica principal que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff e o eleitor a se tornar um radical antipetista em sua decisão de voto.
O ministro aborda sua visão fiscal, monetária e de incentivo à produção, porém, por precaução, procura não gerar expectativas novas no mercado a partir de suas intenções. Seu esforço em conter os ânimos em suas respostas, aliás, nos remete às “Leis Secretas da Economia”, livro de Gustavo Franco, onde um dos axiomas ressalta que, “quanto mais a autoridade explica, mais se arrisca”, e que, “quando a autoridade for forçada a explicar, deve ser sintética, afirmativa e evasiva, como se entrevistada por jornalista japonês usando intérprete”. Paulo Guedes está amadurecendo no cargo, é bom que se diga, e somente esclarece um pouco mais sobre o que os economistas já intuíamos. Mantendo essa linha possivelmente estará falando por mímica quando estiver próximo ao final do mandato. Mas sigamos.
Herança fiscal maldita
A herança maldita fiscal foi a primeira batata quente passada pelo governo do ex-presidente Michel Temer para as mãos do novo ministro da Economia. Havia um teto de gastos já predeterminado, mas sem paredes institucionais que o segurasse. Para Paulo Guedes ficou bem claro, desde antes de assumir a pasta, que a Reforma da Previdência teria de ser realizada para criar urgentemente um novo horizonte fiscal para o Brasil. Depois de esforço titânico junto ao Congresso e discussões constrangedoras, obteve a aprovação de uma Reforma da Previdência. Não a ideal, como gostaria o técnico, mas uma possível, como fazem os políticos. Daí que esse novo horizonte fiscal, somado à baixa inflação e ao interesse de redução da dívida pública, possibilitou que o Conselho de Política Monetária promovesse enorme diminuição da taxa de juros.
O modelo antigo, nas palavras de Paulo Guedes, materializado em “fiscal frouxo”, “juros na lua” e câmbio apreciado, foi trocado neste governo pelo “mix” de política econômica baseado em “freio no fiscal”, “juros baixos” e “câmbio para cima”. A ideia é muito clara, tem como objetivo estabelecer um ambiente de negócios mais virtuoso, trazendo consigo o BNDES para apoiar agora, ao menos em sua fala, pequenos e médios empresários em detrimento dos “campeões” beneficiados no passado recente. Avesso ao dirigismo, ao compadrio e à corrupção — esses vícios clássicos da nação, juntamente com o patrimonialismo —, o ministro Paulo Guedes busca operar a economia no sentido de afirmar valores liberais tanto para dar sentido ao governo como para informar o mercado.
Uma economia liberal, nas preleções dos livros-texto, precisa ser competitiva e expandir seu mercado pela abertura comercial. O câmbio depreciado, após a reação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o Brasil, se tornou portanto um símbolo inequívoco desse interesse ideológico do ministro da Economia. De forma sub-reptícia, mas, sem esconder um certo keynesianismo envergonhado, ele funda assim as bases de uma política para fortalecimento futuro da indústria brasileira. Um pouco de ousadia não faz mal, para este fim. O novo “mix” macroeconômico propicia a redução de entrada de capital especulativo — especialmente agora, com a tensão internacional — e revigora o potencial de investimentos produtivos e de parcerias comerciais com países que estão prosperando, como a China e a Índia. Na entrevista, Paulo Guedes, que os críticos chamam de financista, se mostra atento aos interesses produtivos do país.
A nova política econômica colocada em marcha neste ano tem ainda como princípio uma retomada sustentável do crescimento. Isto representará o fim “do voo de galinha” (fenômeno stop and go da economia), afirma enfaticamente Paulo Guedes. A lógica é encolher os gastos do governo e expandir o papel do setor privado no processo de crescimento econômico. Paulo Guedes acredita que a partir de agora iremos gradualmente nos integrar às cadeias globais via “vantagens comparativas” (vendendo mais daquilo que produzimos com maior produtividade) e vamos nos beneficiar fortemente no andamento deste processo. “O mundo celebrou uma festa por dez, vinte, trinta anos, e o Brasil ficou de fora”, assevera Paulo Guedes. “O Brasil vai se integrar e com quem vamos nos integrar essa é uma questão que está em aberto.” Pois é.
Reforma tributária e infraestrutura
O consumo, para o ministro, iniciará o seu processo de retomada de crescimento a partir dos efeitos da queda dos juros. Ele acredita que essa reação do consumo fará a indústria se movimentar novamente (além dos efeitos do câmbio depreciado), eliminando a capacidade ociosa num primeiro momento e, logo depois, acelerando os investimentos e derrubando a taxa de desemprego. Uma reforma tributária, que também está na agenda, deverá alimentar tal dinâmica do setor privado, deflagrando a reindustrialização brasileira, juntamente com o que Paulo Guedes chamou de “choque de energia barata”, que virá da quebra do monopólio da produção e distribuição de gás natural. “Em um ano e meio o preço do gás terá caído pelo menos 40%”, assegurou.
Na área da infraestrutura o ministro enfatizou o interesse do governo em determinar, via Ministério da Infraestrutura, uma redução dos custos de logística com investimentos em ferrovias e cabotagem. Neste caso não divulgou números, nem os recursos que serão utilizados, nem mesmo o tempo para que as obras sejam iniciadas e terminadas. Talvez essa seja uma categoria de gastos que, juntamente com os que estão prometidos para o segmento de saneamento, será transferida para o setor privado. Por ser a infraestrutura uma área extremamente importante para o crescimento econômico, Paulo Guedes deve ter a compreensão que a execução de tais projetos não pode ficar somente no campo das boas intenções. Vamos aguardar, portanto.
Para financiar esse novo modelo de crescimento da economia brasileira, o ministro afirmou que a redução da participação de bancos do governo (o Banco do Brasil será privatizado? —ele não disse) será acompanhada do aumento da concorrência entre bancos privados, do empreendimento de pequenos emprestadores e da entrada das inovadoras fintechs. O desejo é o de que o volume de crédito a juros baixos gere uma demanda adequada por recursos, não exacerbada como o do governo petista, nem dependente somente de dinheiro público, como também ocorreu no período anterior. Paulo Guedes aposta num mercado financeiro não mais estacionado no rentismo e nos altos spreads, tendo de se desdobrar para concorrer num mercado amplo.
A entrevista ao O Antagonista deu a entender que Paulo Guedes tem um projeto claro na cabeça, com objetivos que apontam especialmente para a sustentabilidade de um crescimento no longo prazo. Ele abrange governo e mercado, instituições e cidadãos. O mais notável, nada obstante, é que o ministro já está agindo efetivamente nesse sentido, está executando o seu projeto, e que algum resultado colheremos, para o bem e/ou para o mal, como eu já disse lá no início.
Everaldo Leite, economista, é colaborador do Jornal Opção.