Erosão ameaça condomínio autuado pela Amma, em Goiânia; MP apura caso

03 dezembro 2023 às 00h01

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O sonho da casa própria em um condomínio fechado, com segurança e qualidade de vida, tornou-se um pesadelo para moradores do Residencial Topázio II, localizado no Jardim Novo Mundo, em Goiânia. Ali, uma erosão ameaça arrastar várias residências para a nascente do córrego Água Branca.
Segundo a Lei nº 12.727/12, as áreas dentro de 50 metros de distância das margens de cursos d’água pertencem ao poder público. Quando compraram seus imóveis, os proprietários ouviram a promessa de que o residencial seria construído em um parque linear, pois a Prefeitura criaria uma reserva ambiental nos fundos do condomínio, onde corre o Água Branca, afluente do Meia Ponte. O município, que autorizou a construção do condomínio, nunca construiu a reserva ambiental, e hoje os moradores exigem que a Prefeitura instale ao menos a contenção para controle de erosões no local.
No entanto, a Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma) afirma que a Área de Preservação Permanente (APP) mencionada é privada e os cuidados com a área são de responsabilidade do empreendimento. “Diante disso, devido a inércia do condomínio, a Amma procederá com nova ação de vistoria e fiscalização visando a recuperação da área”, informou. Anteriormente, o órgão visitou o local e aplicou multa de R$ 5 mil aos condôminos.

“Paralelo ao caso do condomínio, a Prefeitura de Goiânia por meio da Amma já desenvolveu Planos de Recuperação da Área Degradada (PRAD) que foram encaminhados para a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra) para recuperação da extensão do Córrego Água Branca”, cita trecho do comunicado da pasta [a íntegra pode ser lida ao final do texto]. A Seinfra foi procurada, mas não retornou até o fechamento desta matéria. Neste imbróglio, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) foi acionado e abriu inquérito para apurar o caso. Procurado pela reportagem, o órgão, em uma curta nota, mencionou que o procedimento não foi finalizado e que “não há conclusões ainda do MP sobre o que está sendo apurado”.
O condomínio, construído no declive, termina em uma cerca de arame a partir da qual cerca de 300 metros de área verde descem até o córrego. A equipe do Jornal Opção esteve no residencial na tarde da quinta-feira, 30, e conversou com moradores, como Marcelo Cascão Poli, de 50 anos. Às 17h, chovia pouco, mas no céu as nuvens ameaçavam uma tempestade. Próximo ao rio, uma manilha dá vazão à chuva que cai no condomínio.
“A gente fica preocupado”, disse Marcelo ‘Cascão’ Poli. “Hoje, por exemplo, os meninos estão de férias e ficam sozinhos em casa durante a tarde. Ficamos preocupados o tempo inteiro. ‘Como é que está lá? Será que alagou tudo?’ Hoje começou a chover e a primeira coisa que eu fiz foi ligar aqui. E aí, como é que ‘tá aí’? Tá chovendo?”
Com sinais de rachaduras, ele prevê a ocorrência de uma tragédia, onde as primeiras vítimas podem ser de sua família. A constatação se deve ao fato de que sua casa, em caso de deslizamento, seria “engolida” pela erosão. As rachaduras e fissuras no chão e paredes, segundo o morador, surgiram há quase uma década . “De uns oito anos para cá, começaram a aparecer vários problemas estruturais. Desde então, não parou, [a casa] está sempre se movimentando”, diz.
Engenheiros vistoriaram o local após o aparecimento das rachaduras e orçaram a obra de reparo em meio milhão de reais, sem garantia a situação seria resolvida. Para sanar o problema de fato, obras dentro do terreno público teriam de ser feitas, como gaiolas metálicas com pedras para contenção. “É difícil, né? É um condomínio de casas populares. Foi financiado pelo programa Minha Casa Minha Vida. São apenas 28 casas no condomínio, que não tem condições de bancar uma obra dessas. A culpa não é apenas do condomínio, mas em parte da Prefeitura, que autorizou as obras e deveria ajudar”, cobra Cascão.
O vizinho de frente de Cascão é o gerente comercial Paulo Roberto Lopes Borges, de 38 anos, que confirmou que no projeto do residencial apresentado pelo empreendedor havia um parque planejado pela Prefeitura de Goiânia. Ele questiona como o município autorizou a construção do condomínio na área onde agora encontra irregularidade. “Alguém autorizou a construção em um lugar indevido, e agora eles não querem resolver. Está tudo errado e a Prefeitura joga esse problema para os condôminos. É uma conta que não é nossa”, enfatiza.
Com o início do período chuvoso, Lopes se sensibiliza com a situação do vizinho. “Estão brincando com coisa séria. É uma família que mora aí, com duas crianças. Imagine uma tragédia que pode acontecer”, lamenta.

Outra moradora do residencial, a advogada Sarah Rassi, condena a atitude da Prefeitura em imputar a responsabilidade do aumento da erosão do córrego ao condomínio. O problema se expande para outras casas, que incluem o Residencial Topázio I. “Acho que o município tem por premissa se preocupar com a população, de cuidar da população”, pontua Sarah Rassi. Para ela, além de penalizar os condôminos, o Paço estaria omisso com a situação.
Sobre a obra de contenção, que deve custar cerca de R$ 500 mil, a exigência foi da própria Prefeitura, afirma a moradora. “Em 2014, o condomínio solicitou a vistoria do poder público, preocupado porque não podia atuar na área de proteção ambiental. Uma parte pertence ao condomínio e outra parte é do Município, mas eles fizeram um auto de infração em desfavor do condomínio. Nele, foi obrigado que o residencial tomasse providências sobre o problema”, salienta.
“O condomínio, dentro das suas possibilidades, sempre fez alguma coisa para amenizar o problema”, afirma Rassi. Uma das atitudes tomadas pelos moradores é o plantio de vegetação nativa na área. “Contratamos jardineiros da região, que conhecem a área, e concordam em descer ali nas margens do córrego. Para conter a erosão, nós mesmos fazemos a roçagem e o replantio”.
Sem condições financeiras
Fora do período das chuvas, o temor se volta para os incêndios que atingem a mata na reserva ao fundo do condomínio. “Nós sofremos todos os anos com incêndios. Não sabemos a origem do fogo, que vem lá debaixo, da APA, ou dos lotes vizinhos. O incêndio provoca um estrago tremendo, porque elimina tudo que a gente vem tentando fazer, que é reconstruir a vegetação nativa.”
“Um dos incêndios atingiu uma casa do condomínio, e nós mesmos tivemos de apagar porque os bombeiros se recusaram a descer até a APA”, desabafa. “Tivemos de apagar o fogo com água das nossas mangueiras, baldes, do jeito que conseguimos. As chamas chegaram a pegar a parte da fiação elétrica da casa dele e ficou sem energia por muitos dias. Foi uma situação muito triste e sentimos desamparados em vários sentidos”, compartilha.
O jardineiro Orviro Alves de Oliveira, de 56 anos, vive há mais de 20 anos em uma chácara às margens do córrego Água Branca, próximo ao Residencial Topázio II. O jardineiro presta serviços ao condomínio e recorda que o local sempre apresentou erosões, mesmo antes da construções das casas. Segundo ele, o local foi aterrado com cargas de solo transportado por dezenas de caminhões. Orviro de Oliveira ressalta que o seu imóvel também corre risco com a erosão. “Tem outras casas também que estão com esse risco aqui próximo”, aponta.

Na época da comercialização das casas do condomínio, Orviro de Oliveira lembra que os imóveis foram vendidos a preços muito baixos. “As prestações eram de R$ 450 reais, o que tirou muita gente do aluguel, mas agora é triste conviver com esse risco”, disse. Pelo valor acessível, muitas pessoas compraram as moradias à vista, outras até o momento pagam o financiamento dos bancos.
O escritório de advocacia Pereira Neto representa o condomínio no inquérito do MP-GO, que se iniciou em 2019. Em um parecer da equipe jurídica ao MP, de setembro deste ano, é mencionada a dificuldade financeira dos condôminos para arcar com custos extras das construções. “A receita auferida com as taxas condominiais é mínima e unicamente suficiente às necessidades básicas para funcionamento, de modo que qualquer gasto que extrapole além daqueles previstos prejudica substancialmente as reservas financeiras do condomínio,” cita trecho do documento.
Para tanto, o escritório juntou documentação que comprova os custos mensais do residencial, e que comprova que a arrecadação mensal é insuficiente para a manutenção do condomínio, que “não suporta gastos não previstos.” O escritório argumenta ser impossível a execução de custas de “qualquer obra de grande magnitude, pois isso seria onerar ainda mais os condôminos, tendo por consequência um provável aumento de inadimplência e inviabilidade da atividade condominial, o que não deve ser permitido”. Conforme cálculos para cada morador o valor da obra rateado é estimado em R$ 17,8 mil.

Nota da AMMA, na íntegra
A Amma informa que já autuou o Condomínio Residencial Topázio II no Jardim Novo Mundo e o notificou novamente a realizar a complementação do Plano de Recuperação da Área Degradada (PRAD) visando a recuperação e contenção de erosão no Córrego Água Branca ao fundo do condomínio, conforme o processo SEI 23.17.000007366-3 e o processo físico 58297194.
Vale ressaltar que a Área de Preservação Permanente (APP) ao fundo do condomínio é privada e os cuidados com a área são de responsabilidade do empreendimento.
Diante disso, devido a inércia do condomínio, a Amma procederá com nova ação de vistoria e fiscalização visando a recuperação da área.
Paralelo ao caso do condomínio, a Prefeitura de Goiânia por meio da Amma já desenvolveu Planos de Recuperação da Área Degradada (PRAD) que foram encaminhados para a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra) para recuperação da extensão do Córrego Água Branca.
No mês passado, o prefeito Rogério inaugurou o Parque Municipal Marcos Antônio Machado, no Residencial Vale do Araguaia, que fica às margens do Córrego Água Branca no residencial Vale do Araguaia como ação de preservação do leito. O espaço de 11 mil metros quadrados recebeu o plantio de árvores e foi entregue à comunidade com pista de caminhada, playground, academia ao ar livre, pet place e relógio solar.
Há ainda no Córrego Água Branca o Parque Municipal Pedro Saloiman Melo no setor Água Branca que possui uma das nascentes do córrego que deságua no Rio Meia Ponte.
Prefeitura de Goiânia – Agência Municipal do Meio Ambiente
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