Enquanto países ricos se integram em zonas de livre comércio, o Mercosul se torna uma fortaleza bolivariana

21 março 2015 às 10h06

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Bloco econômico liderado pelo Brasil dá sinais de distanciamento do restante do mundo, em um momento em que os Estados Unidos buscam viabilizar dois mega-acordos comerciais com países do Pacífico e da União Europeia

Frederico Vitor
O crescimento sustentável do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro tende a ser relativamente baixo nesta segunda metade de década, se comparado com outras economias emergentes. Atualmente, o ciclo global econômico passa por diversos desafios, sendo um deles o desaquecimento da economia chinesa, o principal parceiro comercial do Brasil. A desaceleração do crescimento chinês impacta diretamente as finanças brasileiras, por causa dos registros de queda do preço de commodities agrícolas e de minérios, os principais produtos da pauta de exportação do País.
Outro fator que surge no horizonte que é desafiador ao quadro econômico mundial é a retomada da pujança da economia dos Estados Unidos, que tem dado sinais significativos de que voltou a crescer com consistência. Por conta disto, há uma tendência para que os fluxos de capitais tomem a direção da América do Norte, não mais para os países emergentes — incluindo o Brasil —, como ocorridos na última década.
Além disso, a retomada da vitalidade econômica americana deve trazer consequências drásticas à economia brasileira. Uma delas é a maior pressão cambial que pode resultar na desvalorização do real frente ao dólar. Este movimento de depreciação da moeda brasileira poderá provocar ligeira queda do consumo interno aliado ao aumento da inflação. Tal quadro já é uma realidade e o governo brasileiro tem se esforçado para reverter o déficit das contas públicas por meio de medidas que visam equilibrá-las.
O que deve ser observado nesta conjuntura não é a retomada de crescimento da economia americana em si, mas sim a natureza deste fortalecimento. Pelos sinais emitidos até o momento, o vigor econômico americano não é puramente cíclico. Isto é, o mundo assiste a um processo da reindustrialização dos Estados Unidos, que vai influenciar fortemente os rumos da economia global. Para se ter dimensão deste importante processo, as empresas americanas que, na virada do século transferiram suas fábricas para a China, atraídas por facilidades como oferta de mão de obra barata, baixo preço do custo de energia que proporcionava um processo de produção competitivo, estão voltando para casa.
Fortalecimento americano
Mas qual seriam os motivos do repatriamento destes investimentos? Puro e simplesmente por conta da combinação do aumento do custo de produção na Ásia, em especial da China, com a drástica redução dos preços de energia nos Estados Unidos. O valor do barril do petróleo nunca esteve tão baixo como nos últimos meses, negociado abaixo de 50 dólares, mais baixo preço em cerca de seis anos. Nos dias atuais o consumidor americano tem reabastecido seu carro a um dólar o galão de gasolina.
Os principais apontados como “culpados” pela queda dos preços do petróleo são o aumento de produção, em especial nas áreas de xisto dos Estados Unidos, e uma demanda menor que a esperada na Europa e na Ásia. Em novembro do ano passado, essa queda se acentuou, diante do excesso de oferta e da recusa dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) em reduzir seu teto de produção, independentemente do preço no mercado internacional.
A queda do preço do petróleo no mercado internacional também diminui a rentabilidade dos projetos de exploração no pré-sal, que foram planejados levando em conta um preço mínimo do barril entre 45 e 52 dólares para a produção poder ser considerada economicamente viável. Por outro lado, mesmo diante de sua principal crise, a Petrobrás tem conseguido reverter parte da perda acumulada no ano passado. Atualmente, o preço nacional da gasolina já está quase 70% acima do preço negociado internacionalmente o que tem gerado descontentamento aos consumidores brasileiros.
Mas afinal, o que estaria em jogo para o Brasil o aquecimento da economia estadunidense? Quais seriam os problemas e desafios do País diante desta nova postura do maior mercado do mundo? As duas perguntas podem ser respondidas pela fato da economia brasileira ter sido exclusa da reorganização global dos mercados que é promovida por Washington e que vai mudar o panorama comercial a nível global caso seja concretizado.
Megablocos econômicos do Atlântico e Pacífico excluem o Brasil

Está em andamento a viabilização da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento conhecida por Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP). Este possível acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos pretende ampliar as recíprocas trocas comerciais atendendo aos benefícios daí decorrentes para ambos. Mas quais seriam as vantagens econômicas associadas à criação de uma zona de livre comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia? Juntos, as duas economias representam mais de metade do PIB mundial. Em matéria de volume de comércio, o TTIP será o maior acordo comercial da história.
Ao passo que o presidente Barack Obama busca estreitar os laços econômicos com a Europa, o inquilino da Casa Branca também volta suas atenções às economias dinâmicas da Ásia e da Oceania, por meio da criação da Parceria Trans-Pacífico ou Trans-Pacific Partnership (TPP). Além dos Estados Unidos, estão envolvidos neste possível megaprojeto comercial o Japão, Austrália, Peru, Malásia, Vietnã, Nova Zelândia, Chile, Cingapura, Canadá, México e Brunei. Caso se concretize, o bloco de livre comércio vai abranger cerca de 40% do PIB mundial.
O TPP é visto como o símbolo da proliferação de acordos regionais em detrimento do multilateralismo defendido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). A China, por exemplo, não participa desse acordo, apesar de não excluir se juntar a ele no futuro. No momento, o governo de Pequim prefere outro projeto exclusivamente asiático, que é a Associação das Nações do Sudeste asiático (Asean), que reúne 16 países, sem os Estados Unidos.
América do Sul dividida
E como ficaria o Brasil diante destes dois gigantescos blocos econômicos de livre comércio que o governo americano tem patrocinado? O País deve perder e muito neste contexto se persistir no mesmo caminho que tem percorrido. Isso porque o Mercosul, o bloco que se propunha ser uma área de livre comércio e uma união aduaneira, na última década, se tornou numa verdadeira fortaleza bolivariana, com perfil protecionista. Acontece que a organização internacional orientada por correntes ideológicas tem se fechado aos fluxos internacionais de comércio e aos grandes acordos comerciais de níveis globais.
O termo “bolivariano” provém do nome do general venezuelano do século 19 Simón Bolívar, que liderou os movimentos de independência da Venezuela, da Colômbia, do Equador, do Peru e da Bolívia. Convencionou-se, no entanto, chamar de bolivarianos os governos de esquerda na América Latina que questionam o neoliberalismo e o Consenso de Washington (doutrina macroeconômica ditada por economistas do Fundo Monetário Internacional-FMI e do Banco Mundial).
Atualmente, temos uma América Latina dividas por dois grupos díspares em suas dinâmicas políticas e comerciais. Além do Mercosul, há na região a Aliança do Pacífico, formada por Chile, Peru, Colômbia e México. Este que é o nono maior bloco econômico do mundo reúne 212 milhões de pessoas, um mercado de 2,5 trilhões de dólares e 556 bilhões em exportações — cerca de 40% do PIB da América Latina. A intenção do bloco não é modesta: persegue o posto de principal polo de atração de investimentos da região.
A Aliança do Pacífico não é apenas um fenômeno puramente latino-americano, as economias chilenas, peruanas, colombianas e mexicanas estão inseridas na nova dinâmica global de comércio. Isto significa que cada um destes países mantém acordos comerciais bilaterais com os Estados Unidos. Se o TTIP e TPP vierem a se tornar uma realidade, essas quatro economias latino-americanas farão parte desta nova ordem econômica.
Mudança de rumos
Mas qual seria o impacto deste contexto para a economia brasileira? O receituário é simples: os mercados brasileiros de produtos manufaturados e agrícolas, tanto no Pacífico quanto na Europa, terão novos competidores com vantagens e facilidades alfandegárias. Traduzindo em miúdos, os produtos industrializados e as commodities brasileiras ficariam em desvantagem frente aos concorrentes oriundos da Aliança do Pacífico.
Toda esta conjuntura impõe dois grandes desafios ao Brasil. O primeiro seria em relação às políticas econômicas ligadas a produtividade e eficiência, ou seja, uma reversão à marcha do governo brasileiro rumo ao capitalismo de Estado e ao estatismo. O segundo seria a busca da resolução de problemas de política externa e comercial, como as urgentes mudanças dos rumos do Mercosul em direção ao novo fluxo internacional de comércio.
Como líder, País precisa mudar a proposta política do Mercosul

O Mercosul foi fundado a partir do Tratado de Assunção, assinado em 1991, por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. No ano de 2006, a Venezuela solicitou a entrada no bloco como membro efetivo, o que se concretizou em 2012. A Bolívia, por sua vez, também solicitou, em 2012, a entrada como membro permanente, o que ainda deverá ser apreciado e concretizado ao longo dos próximos anos. Há indícios de que o Equador também possa tornar-se um integrante efetivo.
Desta forma, o bloco encontra-se estruturado atualmente da seguinte forma: Os países-integrantes (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) e os associados (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru). Há também o grupo dos países observadores, formados por México e Nova Zelândia — este último, não está presente no mapa da América do Sul. A diferença entre os membros efetivos e os associados ao Mercosul está na adesão da Tarifa Externa Comum (TEC), que consiste em uma mesma tarifação sobre produtos exportados para países de fora do Mercosul, evitando a concorrência e privilegiando os parceiros comerciais existentes dentro do próprio acordo.
Em relação às questões políticas, é válido lembrar que em 2012, Brasil, Argentina e Uruguai tomaram a decisão de suspender temporariamente o Paraguai do Mercosul. Esta decisão ocorreu em função do impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo efetivado pelo parlamento daquele país em menos de 24 horas. O governo de assunção somente retornou ao bloco em dezembro de 2013, mesmo sem aceitar e acatar todos os protocolos.
Para o economista e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) Jeferson de Castro Vieira, o Mercosul precisa avançar para sua ideia original de se ter uma união parecida como a constituída na Europa. Segundo ele, o objetivo é a criação de uma moeda única que concretizaria o desenho de um tratado que viria a se transformar posteriormente em uma união monetária, a exemplo do que existe hoje na Europa. “A dificuldade que vejo é em relação as tratativas que não avançam por conta do aspecto econômico do bloco”, diz.
Em relação à corrente ideológica predominante ente os presidentes de países integrantes, Jeferson Vieira discorda que o Mercosul tenha se transformado em um clube de nações bolivarianas. Ele explica que no parlamento do Mercosul há legisladores de matizes políticas que não são de esquerda, ou seja, defendem um maior pragmatismo para que a união comercial entre os países integrantes avance ainda mais. O professor afirma que o problema tem sido a postura defensiva do bloco quando há alguma dificuldade de cunho político. “O Brasil, por exemplo, sempre apoiou politicamente a Argentina e Venezuela em casos de estatização de empresas estrangeiras”, ressalta.

De acordo com o professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás (UFG) Matheus Hoffmann Pfrimer, o Mercosul tem condições de ganhar com a retomada do fluxo comercial no Atlântico pelo TTIP. Ele observa, porém, que os Estados Unidos sempre tenderam a minar a integração da América do Sul, inclusive tendo patrocinado a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) que não chegou a se viabilizar. Atualmente, o espaço que poderia ser da Alca é ocupado pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que busca fortalecer as relações comerciais, culturais, políticas e sociais entre 12 países da América do Sul.
Para Matheus Hoffmann, caso avance o projeto da TTIP com a consolidação do acordo entre o governo americano e o parlamento europeu para uma zona de livre comércio, o Mercosul se beneficiaria desta aliança, mesmo que indiretamente. Sobre o aspecto ideológico, ele diz que sua influência depende das circunstâncias. “No ponto de vista comercial há dificuldades, e não devemos esquecer que o Brasil é um líder que precisa ocupar o espaço político no bloco pela assimetria das relações entre os países integrantes, como país dominando 60% do PIB do Mercosul.”
Como Goiás está inserido no contexto do Mercosul e das mudanças comerciais?

América do Sul” | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Goiás exporta mais do que importa para o Mercosul e, todos os meses o saldo é superavitário. As exportações cresceram 29% e as importações caíram 2,2% em 2014. O Estado está na 17ª posição entre as unidades federativas brasileiras que mais exportam para o bloco sul-americano. Somente no ano passado, o comércio goiano com o bloco encerrou em um total de 80 milhões de dólares em exportações às demais nações integrantes. Os principais produtos nas pautas de exportação são o couro, veículos, óleo animal e vegetal, e preparação de produtos hortícolas, tendo o principal destino a Argentina, Uruguai e Paraguai.
De acordo com o superintendente de Indústria e Comércio do governo de Goiás, William Leyser O’Dwyer, há uma política a ser desenvolvida neste ano em busca de aproximação do Estado com os países sul-americanos. Inclusive está programada para agosto deste ano uma missão goiana à Argentina, Chile e Colômbia, visando aproximação com o Mercosul e Aliança do Pacífico. O superintendente também confirma uma visita a Goiânia de uma delegação paraguaia, país vizinho cuja economia está em franca ascensão. “Queremos uma aproximação mais fortes com estes parceiros regionais, e temos como missão a captação de investimentos argentinos, que têm deixado seu país por conta de problemas econômicos, políticos e institucionais.”