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Apesar do movimento antinuclear estar cada vez mais organizado em todo mundo, quando o assunto é energia nuclear, não há consenso. A jovem ativista ambiental sueca, Greta Thunberg, já declarou que prefere energia nuclear ao combustível fóssil. E mesmo com o Greenpeace atuando para que a Europa não classifique a energia nuclear como “verde” e denunciando a indústria nuclear francesa de importar urânio enriquecido da Rússia, há quem diga que o grupo já não é mais tão radical com relação ao tema quanto antes. O que é sabido é que o assunto merece debate por conta dos riscos envolvidos.

De passagem por Goiânia para participar do seminário internacional “Iniciativas e movimentos antinucleares no Brasil desde o fim da Guerra Fria”, realizado na última semana na Universidade Federal de Goiás (UFG), o professor da The Open University, de Londres, Luc-André Brunet, acredita que o desarmamento nuclear é possível. Ele lidera mundialmente um projeto que envolve nove instituições em sete países e que tem como foco a discussão sobre a luta antiarmamentista nuclear. “A ideia é entender o ativismo pacifista nuclear no contexto internacional”, explicou.

Antes de vir à capital de Goiás, Luc-André participou de eventos similares em Estocolmo, na Suécia, e Johanesburgo, na África do Sul. O próximo seminário do tipo que vai participar será realizado na cidade de Hiroshima, no Japão. Em pauta, a luta antiarmamentista nuclear. “Temos que fazer tudo o que for possível para evitar o uso de armas nucleares”, afirmou Brunet.

Professor da UFG, Carlo Patti, e professor da The Open University, Luc-André Brunet, estudam os movimentos sociais antinucleares | Foto: Leo Iran

Para o organizador do evento em Goiânia, o professor da UFG que é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Florença, Carlo Patti, no contexto democrático, “é importante considerar que a ação de movimentos sociais e o ativismo também contam”. Além disso, para ele, os tratados também funcionam. Assim, a comunidade internacional se organiza em busca de garantir um mundo mais seguro e com menos ameaças.

Segundo o professor Patti, a escolha de Goiânia para sediar o evento internacional se deu pelo fato de “o Brasil ser um dos países mais ativos, em nível mundial, na discussão do desarmamento nuclear”. Dessa forma, o seminário da UFG fez “parte de um projeto global para entender como os movimentos pacifistas foram importantes no cenário internacional pós-guerra fria”, completou.

Goiânia e Césio-137: o maior acidente radiológico do mundo

O acidente com o Césio-137, que aconteceu em Goiânia em 1987, também foi debatido no seminário internacional realizado na UFG. Na ocasião, a presidente da Associação das Vítimas do Césio-137, Sueli Lina, falou sobre o acidente radiológico goiano – o maior do mundo – e a luta antinuclear.

Goiânia foi cenário do maior acidente radiológico do mundo em 1987 | Foto: SES

Carlo Patti avalia que Goiânia se tornou mais segura depois do acidente, mas não sabe dizer até que ponto. “Há denúncias de falta de fiscalização”, alertou. Além disso, para ele, informação é importante para o risco de acidentes nucleares sejam reduzidos. “No Brasil, ainda há muita falta de conhecimento sobre todas as possibilidades e usos da energia nuclear e isso pode ser perigoso”, alertou o professor.

Inclusive, enquanto o seminário com a temática nuclear era realizado na UFG, foi encontrado um material radioativo no almoxarifado do Instituto de Química da universidade. O artefato encontrado era do tipo níquel-63 e, segundo a instituição, uma placa de chumbo envolvia o elemento encontrado e quem o manuseou o fez da forma correta e segura, devidamente paramentado.

A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) foi acionada e descartou qualquer risco à comunidade universitária.  O material foi levado para ser descartado corretamente em Abadia de Goiás, no mesmo local em que está o lixo radioativo do Césio-137.

Projeto nuclear brasileiro

Ao comentar sobre o projeto nuclear do governo federal, o professor Carlo Patti lembrou que o presidente Lula teve posições divergentes sobre o tema ao longo do tempo. “Na Constituinte, ele era radicalmente contra a energia nuclear. Como presidente, nos primeiros mandatos, retomou o projeto do submarino nuclear e retomou a construção na usina nuclear Angra 3”, afirmou.

Obras da usina de Angra 3 | Foto: Eletrobras

No evento realizado na UFG, inclusive, participou de forma remota Monique Chessa, representante da Sociedade Angrense de Preservação Ecológica Sapê. No seminário, ela se posicionou conta as usinas nucleares de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. De fato, a energia nuclear tem um custo alto desde sua construção, como detalha o professor Patti: “Envolve a implantação, funcionamento e desmantelamento de uma usina. Depois não se sabe o que fazer com o lixo nuclear”.

“Para muitos, a eliminação da energia nuclear seria o caminho. O Brasil é um país tropical em que há outras possibilidades como a energia solar ou eólica, por exemplo, que são totalmente limpas”, argumentou Patti. No entanto, ele reconhece os movimentos antinucleares, em sua maior parte têm uma preocupação muito grande com os aspectos militares sobre esse assunto.

Além disso, Patti também destaca que na última visita à Argentina, no início do ano, o petista falou sobre a necessidade do Brasil cooperar com o país vizinho no âmbito nuclear. “A falas do presidente indicam que o governo federal ainda aposta na energia nuclear”, supõe.

Ameaça de uso de armas nucleares táticas na Guerra da Ucrânia preocupa o mundo

Sobre a Guerra da Ucrânia, Luc-André acredita que a solução para o impasse depende de dois fatores: diálogo constante e pressão internacional. E o especialista inclui o Brasil nisso. Para ele, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode atuar em conjunto com outros países, se posicionando contra as armas nucleares no conflito, por exemplo.

No entanto, para o professor da The Open University, a posição de Lula com relação à Guerra da Ucrânia tem sido controversa. “Temos que esperar ainda mais pela paz entre a Rússia e a Ucrânia, mas as declarações do presidente do Brasil podem criar condições para negociar e Lula pode ter o papel de proporcionar diálogo entre as duas nações”, explicou Brunet.

Sobre as armas nucleares táticas que a Rússia ameaça usar no conflito, o professor Luc-André explica que elas são mais compactas e mais precisas e, muitas vezes, são vistas pelos militares como uma possibilidade em campo de batalha. Só que, na visão dele, a ameaça russa está muito mais ligada ao fato de que o país ainda não teve vitória com as armas convencionais.

“Ameaçar usar uma arma nuclear é uma maneira de encobrir a fraqueza tática da Rússia”, comentou o especialista que acredita ainda que é uma forma dos russos mostrarem seus “músculos”. O serviço de inteligência dos Estados Unidos contabiliza que os russos possuem cerca de 2 mil armas nucleares táticas e, caso a ameaça se concretize, será a primeira vez que um armamento desse tipo será utilizado no mundo.  

As armas nucleares táticas russas podem ser disparadas, por meio de mísseis, de aeronaves ou navios de guerra. Agora a capacidade de explosão de cada uma delas é variável. Só para citar um exemplo, a bomba tática B61, dos Estados Unidos, ela pode explodir de 0,3 a 80 quilotons, conforme ajuste. Para se ter uma ideia, a bomba atômica que foi lançada pelos EUA sobre a cidade de Hiroshima, no Japão, em 1945, na Segunda Guerra Mundial, tinha 15 quilotons. A de Nagasaki, tinha 20.

Recentemente, o ex-presidente dos Estados Unidos declarou em entrevista para RTÉ, uma emissora pública irlandesa, que se “arrepende” de ter pedido que a Ucrânia abrisse mão do arsenal nuclear soviético em 1994. Na visão dele, é provável que a Rússia não tivesse invadido o país se tivesse à sua disposição um arsenal nuclear porque, na época, “eles achavam que era a única coisa que os protegia de uma Rússia expansionista”, afirmou.

Ex-presidente dos EUA, Bill Clinton, diz que se sente culpado por ter incentivado Ucrânia a abrir mão de armar nucleares | Foto: Agência Brasil

Mas Luc-André Brunet discorda de Clinton: “Não foi uma decisão exclusiva do presidente dos Estados Unidos, mas sobretudo dos ucranianos”. Quem também discorda é o Carlo Patti. “Houve uma pressão geral na época para que a Ucrânia abrisse mão das armas nucleares soviéticas. E a decisão fez parte de uma política bilateral entra EUA e Rússia para evitar que o armamento caísse nas mãos erradas”, explicou o professor da UFG.

América Latina é zona livre de armamento nuclear: segurança ou vulnerabilidade?

Para Luc-André, a América Latina é segura quando o assunto é armamento nuclear. E não apenas por não os possuir, mas pelo contexto geopolítico em que está inserida. “Faltam ameaças. Não existem motivações suficientes para um ataque com armas nucleares”, afirmou.

O professor da The Open University destaca que a localização geográfica da América Latina também é importante para determinar a segurança nuclear: “não está no centro das ambições das potências nucleares, como Rússia, Estados Unidos e China. Carlo Patti concorda: “Não existem conflitos com atores externos. A grande excesso é a Guerra das Malvinas”, completou.