Pouco mais de dois meses separam os eleitores das urnas. E essa eleição dominada pela polarização nacional entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá “temperos” que já nos garantem um clima diferente para a campanha. Será uma batalha, ninguém prever o oposto. E os conflitos, que já começaram há mais de um ano, tende a dar destaque para a guerra jurídica entre os adversários.

As eleições criaram um clima beligerante que toma conta do país, desde que se findou a apuração em 2018. De lá para cá só tem se acalorado, e ganhou novo combustível desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou Lula para concorrer as eleições. Há ainda outros compostos que dão artilharia para uma guerra jurídica na campanha: questionamentos em torno confiabilidade da urna eletrônica, ataques a STF, fake news e CPI’s estão no topo da lista. 

O que se percebe é que além da disputa eleitoral, propriamente dita, o Brasil se prepara para um embate jurídico, como dizem os advogados, uma “Lawfare” – junção das palavras inglesas law, que significa lei, e warfare, que significa guerra.

A briga nos tribunais já começou. Os advogados Cristiano Zanin e Eugênio Aragão, que representam Lula e o PT, já moveram mais de 50 ações nos tribunais contra Jair Bolsonaro e seus seguidores. Entre as ações está a que impede o aumento com gastos publicitários que o governo pretendia fazer neste ano –  já julgada procedente pelo STJ. Em outra decisão, o ministro Alexandre de Moraes impediu que os bolsonaristas pudessem vincular Lula ou seu partido ao PCC e à morte de Celso Daniel – por se tratar de fake news. Há ainda ações propostas pelo partido de Lula que contestam as motociatas que Bolsonaro participou, comícios e os outdoors e o pronunciamento da primeira-dama do Dia das Mães.

Os advogados que defendem o presidente Bolsonaro fizeram um levantamento, e segundo informações do Jornal O Globo, foram encontradas 101 ações contra o chefe do Executivo, em várias instâncias da justiça.

Do lado de Bolsonaro a equipe jurídica recém-contratada pela campanha, promete uma ofensiva. Segundo informações que circulam no meio político, a orientação da coordenação agora será acionar a Justiça contra qualquer ação do PT ou do ex-presidente que possam ser enquadradas como infração eleitoral. Declarada a guerra jurídica.

Ludmila Rosa, cientista política | Foto: Arquivo pessoal

A cientista política Ludmila Rosa aponta que o tensionamento já sentido na pré-campanha tende a criar um ambiente paralelo da campanha, em que os atores políticos estejam também travando disputas importantes no judiciário. “Temos um clima de tensionamento  que gera o acirramento. E há também uma espécie de vigília dos candidatos em relação a seus adversários. A marca de uma disputa acirrada é uma campanha com apostas apelativas, campanhas com apostas em mentiras e impactos emocionais. Isso vai levar a uma maior grau de judicialização”, argumenta.

Luciano Hanna, advogado eleitoral | Foto: Arquivo pessoal

O advogado Luciano Hanna, que já atuou como juiz membro do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), avalia que as eleições deste ano serão atípicas do ponto de vista jurídico. “Arrisco dizer que teremos o recorde de ações demandas judiciais, tendo em vista o cenário que temos estamos vivendo. Além da polarização nacional, há outras questões locais, como o maior número de candidato ao Senado e ao governo”, avalia. 

A mesma posição é defendida pelo advogado especialista em Direito Público e Eleitoral, Wandir Alan de Oliveira. Segundo ele, os tribunais estão em alerta quanto as fake news. “Certamente a judicialização do embate político será uma das tônicas da campanha deste ano, em especial por conta dos dispositivos incluído nas resoluções do TSE que se referem a divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, a cassação do Dep. Fernando Francischini mostrou a seriedade com a qual a Justiça Eleitoral vai tratar as fake News e o uso abusivo das redes sociais”, alerta. 

Judicialização estratégica

As brigas judiciais tendem a se tornar parte da estratégia eleitoral dos candidatos. A lawfare tem como definição a utilização da lei e dos procedimentos legais para perseguir quem seja declarado o oponente, ou mesmo, desviar o foco de uma ação. É neste contexto que candidatos podem levar suas demandas eleitorais para os tribunais. 

“No curso de 45 dias de campanha, o que se espera é que o eleitor possa ter acesso às informações e instrumentos de campanha para tomar sua melhor decisão. Isso deve ser pautado por matérias relevantes. Mas pode haver uma tendência de tirar a questão qualitativa de pauta. Estrategicamente candidato pode querer não se abrir as críticas, desviar o curso e falar que a justiça está se arvorando sobre a política. Essa é uma estratégia, uma construção de narrativa com método”, aponta Ludmila Rosa.

O advogado Wandir analisa que as judicializações sempre foram parte da estratégia, e não há perspectiva de mudança. Segundo ele, invariavelmente usa-se as ações eleitorais como ferramentas de comunicação, para desgastar adversários ou mesmo para ocupar a coordenação estratégica de modo a ir minando o foco do concorrente. ‘Essa sempre é uma estratégia arriscada, a própria lei tipifica como crime qualificado a calúnia e a denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, além de prever multas para aquele que suscita a inelegibilidade de candidato sem fundamento plausível, além disso, o juiz pode aplicar multa por litigância de má-fé nas ações”

João Márcio Pereira, especialista em Direito Eleitoral e Direito Público

O especialista em Direito Eleitoral e Direito Público, e também conselheiro da OAB/Go, João Márcio Pereira, avalia que apesar da judicialização ser uma estratégia eleitoral, a justiça tem agido de forma a coibir. “Embora muitos candidatos adotem essa estratégia de judicializar as questões políticas apenas com o intuito de tumultuar, a Justiça Eleitoral está cada vez mais atenta a essa prática, e vem, inclusive, aplicando multas por litigância de má-fé quando resta patente o intuito de tumultuar o processo eleitoral, razão pela qual embora exista tal possibilidade, ela deve ser mais comedida do que já vimos anteriormente”, acredita.

Atuação dos tribunais

O TSE tem dado sinais de que segue ocupado em cumprir sua missão constitucional. Um dos exemplos é que implementou o Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação. Nascido da percepção de influência das mentiras espalhadas nas redes sociais na campanha de 2018, o programa foi criado em agosto de 2019 e instituído de forma permanente dois anos depois, com o intuito de proteger a Justiça Eleitoral, seus integrantes, o sistema eletrônico de votação e o processo eleitoral em sua totalidade. 

Para aqueles que atuam diretamente com demandas junto aos tribunais eleitorais, a corte está preparada para pacificar os questionamentos de campanha. “Temos justiça eleitoral preparada para demanda judicial e para ações. Temos juizes e promotores preparados. O sistema eleitoral é seguro e tem gabarito para enfrentar todos os questionamentos. Em resumo, a justiça eleitoral é competente e ágil”, diz Luciano Hanna.

Wandir Alan de Oliveira, advogado eleitoral

Wandir Alan aponta que a Justiça Eleitoral é o ramo mais ágil da justiça brasileira. “As decisões no que diz respeito a propaganda têm sido dadas de forma quase imediata, o que demanda maior tempo de maturação, até mesmo para que se faça efetiva justiça, são as acoes que envolvem cassação de registros ou diplomas de candidatos, então em linhas, a Justiça Eleitoral está preparada para os desafios do processo eleitoral”, afirma. 

João Márcio também defende a agilidade do TSE. “No decorrer das eleições, muitos dos prazos são contabilizados, inclusive em horas. Sem dúvidas se trata da Justiça mais célere de nosso país, estando amplamente preparada e equipada para tanto”, atesta.