Discurso de “salvador da pátria” só salva a campanha daquele que o profere
25 março 2016 às 18h48
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Políticos acostumados a defender projetos faraônicos, baseados no populismo, precisam rever seus conceitos, sobretudo aqueles que pretendem disputar a Prefeitura de Goiânia
Marcos Nunes Carreiro
É quinta-feira, 24 de março de 2016. Estou sentado em frente ao computador, na redação do Jornal Opção, começando a escrever este texto e penso no vácuo político que existe atualmente, sobretudo no Brasil. Esses vácuos costumam ser perigosos, afinal vazios podem ser preenchidos por qualquer coisa.
O vácuo, no caso do Brasil, acontece pela falta de esperança da população, o que dá força a uma postura política empregada no País há muitos anos: o populismo. Por definição, um populista é aquele que defende os interesses das camadas desamparadas da população. Atualmente, isso abarca a todos, pois todos se sentem assim, mesmo que não se enquadrem no conceito.
Em meio a esse sentimento de desamparo popular, o que a população quer é ouvir alguém que fale o necessário: de que vai corrigir os erros e criar mecanismos para que as solicitações das pessoas sejam atendidas a contento. O grande problema disso é que os populistas geralmente se limitam a bandeiras muito específicas; se alimentam do descontentamento, dão esperança, mas as soluções apresentadas, ainda que concretas, não costumam beneficiar a sociedade. Algumas dessas soluções sequer concretas são.
O poder dos populistas está no “dar resposta” à ira dos excluídos, oferecendo narrativas e soluções grandiosas. Na cabeça desses políticos — e a maioria deles pensa assim —, não há terreno para a apresentação de soluções sérias, pois isso demanda coragem para abrir o jogo com a população e, muitas vezes, isso é impopular.
O fato é que as soluções para os problemas mais profundos da sociedade brasileira quase não prometem recompensas imediatas. Investimentos em educação, por exemplo, são essenciais, mas os resultados só aparecem depois de muitos anos. O processo é que importa, mas o processo quase nunca tem a atenção devida.
Que político quererá dizer que o problema de mobilidade urbana só pode ser resolvido no longo prazo? A população quer soluções para o agora e não para o depois. Cabe ao político prometer que resolverá, esquecendo-se de informar que medidas estruturantes demandam tempo. Muitos “esquecem” de fazê-lo por interesse eleitoral; outros, por pura falta de informação.
Vejamos um exemplo: em 2004, durante a eleição municipal de Goiânia, Iris Rezende (PMDB) prometeu solucionar o problema do transporte coletivo em seis meses. Venceu o pleito e foi até reeleito em 2008, mas não conseguiu cumprir a promessa. Mesmo que tivesse tentado, não conseguiria.
As dificuldades do transporte coletivo da capital goiana remetem à década de 1950, época em que a cidade tinha aproximadamente 100 mil habitantes, menos de 10% dos atuais 1,4 milhão. Ora, não se resolve um problema de meio século em poucos meses. Iris deixou a Prefeitura em 2010 para disputar o governo estadual; as dificuldades do transporte público goianiense, porém, permanecem.
Voltemos um pouco mais no tempo. Há alguns anos, no auge da ânsia por modernização, o maior desejo popular era asfalto. Era eleito quem dissesse que pavimentaria todas as ruas de terra da cidade. Não é preciso dizer que muitos prefeitos foram eleitos com esse discurso e até conseguiram “universalizar” o serviço, mas sob o custo de construírem asfaltos de má qualidade, muitas vezes, passando a massa asfáltica em ruas sem estrutura de saneamento básico ou galerias pluviais.
O resultado: asfalto ruim, que desmancha com a chuva, ou que precisava ser destruído semanas depois para que as galerias pluviais fossem construídas. Em outras palavras, de nada adiantou e a população percebe isso. Se deve a ações assim, ligadas a discursos populistas, a maior parte dos buracos nas ruas de Goiânia e de várias outras cidades brasileiras.
Serviços de qualidade demandam investimentos de verdade, o que custa caro no curto prazo e mais barato no longo. Mas há pressa, então, de novo, surge a “necessidade” de solucionar problemas a toque de caixa. A respeito do asfalto, recente pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostra que é possível usar uma tecnologia diferente a fim de criar um produto mais resistente ao tempo e ao uso.
Um candidato à Prefeitura de Goiânia poderá, caso queira, procurar saber sobre isso para implantar em sua possível gestão. O fará? Pouco provável e, se fizer, talvez esbarre no fator preço. O sistema é até 40% mais caro do que o tradicional, mas o investimento garante retorno, pois pode durar cerca de 60 anos. Isso significa menos operações tapa buracos, que são o mesmo que tapar o sol com a peneira.
O centro da questão aqui é: nenhuma ação relevante no mundo surgiu de remendos ou pequenas modificações em políticas públicas já existentes. Apenas modificações planejadas, geralmente baseadas em mudanças de rumo, funcionam. Mas se não engane: o discurso de mudanças radicais também é falacioso, justamente porque reengenharias institucionais não costumam ser populares.
Insegurança
Retornando ao presente, o mote da vez é a segurança pública. Com os índices de criminalidade subindo, aumenta-se a sensação de insegurança. Divulgadas pela grande imprensa em larga escala, essas informações chegam a causar pânico em parte da população.
Por isso, a demanda das ruas atualmente é por um sistema de segurança pública mais eficiente e isso atrai o discurso de muitos dos novos políticos, aqueles que “surgiram” a partir das eleições de 2014. Eles querem corresponder ao anseio da sociedade.
Essa demanda criou fenômenos políticos, mas que acabam repetindo a ideia populista dos políticos anteriores: são pessoas com uma aparente profunda sintonia com certas camadas sociais, sobretudo aquelas que, seguindo a tendência atual, não se sentem representadas pelos políticos já conhecidos.
É esse o vácuo ao qual me referi no início. E ele cria uma boa oportunidade para que uma ideia populista de “salvador da pátria” se firme; aquela que apresenta uma pessoa ou projeto que livrará a sociedade da violência e trará novamente a paz. Ora, isso não existe. No discurso, sim; mas não na prática. Não existe um “salvador da pátria” capaz de, sozinho, resolver o problema da segurança pública.
Em Goiânia, um projeto chama atenção: o vereador Paulinho da Farmácia (Pros) apresentou, na Câmara Municipal, proposta de lei para estabelecer que bares, lanchonetes e restaurantes da capital encerrem suas atividades à meia noite, nos sábados e feriados, e às 23h30 nos demais dias de semana. Segundo ele, pesquisas apontam que a medida pode reduzir o índice de criminalidade em até 90%.
Sem tirar o mérito da preocupação do vereador, soluções mágicas como essa não resolvem nada, pois o problema da violência não está ligado exclusivamente ao horário de fechamento de estabelecimentos comerciais. Em Miraflores, distrito de Lima, capital do Peru, por exemplo, o funcionamento de bares e restaurantes atravessa a noite e muitos dos frequentadores voltam para casa a pé.
Mas lá foram tomadas outras soluções, como a presença constante de guardas civis municipais nas ruas, independente do horário. Os guardas não andam armados; a simples presença deles cria a sensação de segurança. E é a falta dessa sensação que desespera a população goianiense, algo que precisará receber a atenção do próximo prefeito.
Se temos que falar das causas da insegurança pública, elas são muitas. Para ficar em alguns exemplos:
• As carências das pessoas de baixa renda, que são muitas. Por melhor que seja a qualidade de vida de uma cidade, algumas regiões sempre terão serviços precários, o que faz com que seus moradores fiquem mais vulneráveis;
•A ineficiência da polícia e a defasagem da legislação criminal;
•As falhas na estrutura e nos processos judiciários obsoletos, sem contar o caos do sistema prisional, que é falho em todo o País;
• Soma-se a isso a falta de interação entre os Poderes e a sociedade.
É necessário haver investimentos na polícia? Sim, sobretudo na formação, na inteligência e na informação desses profissionais. Isso ajuda a qualificar a ação policial. Contudo, apenas isso não resolve. É preciso que haja um aumento significativo nas ações da sociedade civil, como projetos sociais em locais com altos índices de vulnerabilidade, voltados principalmente para o público mais afetado, que é, em geral, o jovem.
O futuro prefeito de Goiânia terá que se atentar a isso e não poderá simplesmente justificar a ausência de soluções com o argumento de que segurança pública é uma responsabilidade constitucional dos estados e não dos municípios, pois, se os investimentos no aprimoramento policial são de responsabilidade do governo estadual, cabe à Prefeitura as ações complementares — provavelmente ainda mais importantes do que a presença policial.
A urbanização de locais, às vezes, abandonados — construção de equipamentos e iluminação, por exemplo —, além do incentivo para que as pessoas ocupem esses lugares são apenas algumas das mais óbvias possibilidades. E isso tem que passar pelo gestor municipal, pois é de se esperar que ele conheça a cidade melhor do que o governador.
Em suma, são mais as ações de infraestrutura urbana e o incentivo para que a população ocupe esses espaços que ajudam a aumentar a sensação de segurança; e deve ser responsabilidade municipal. Quando um prefeito trabalha junto com o Estado e o governo federal, é possível ter resultados de maior qualidade na redução da criminalidade.
Assim, por se tratar de um fenômeno multicausal, não existe, portanto, uma solução mágica para o problema da insegurança. Caso algum candidato se apresente com uma, desconfie. Afinal, o discurso de “salvador da pátria” só costuma salvar a campanha daquele que o profere.
Bandeiras únicas
Ter candidatos que levantem a bandeira da segurança pública é importante. Agora, o que defendo aqui é o cuidado que se deve ter com aqueles que tem todos os seus objetivos baseados apenas neste tema. Uma cidade é formada por mais do que apenas transporte coletivo, mobilidade urbana ou segurança pública. São muitos os assuntos que carecem da atenção de um gestor municipal.
Candidatos que levantam uma bandeira e baseiam seu discurso em temas únicos funcionam bem para cargos legislativos. Deputados federais e estaduais são eleitos, quase sempre, dessa maneira. Há aqueles que defendem alguma religião, classe profissional ou econômica, ou um tema específico. Não à toa existem no Congresso as bancadas evangélica, ruralista, da bala etc.
Agora, para cargos executivos, a situação é um tanto diferente. O candidato a prefeito, por exemplo, precisa se posicionar em relação aos outros problemas da cidade; não focar sua fala somente em segurança pública, ou em mobilidade urbana. É aí que surgem os discursos de “salvador da pátria”, pois o candidato não domina os assuntos da cidade. Não conhecendo, é mais fácil dizer que resolverá tudo.
Nessas eleições, especificamente, a população precisa ficar atenta a essas questões. E deverá estar, sobretudo devido ao crescente desapontamento com a política e com os políticos em geral. Isso fará com que os eleitores estejam mais exigentes e atentos, o que deve forçar os candidatos a ter um melhor desempenho na elaboração de seus programas de governo e uma maior capacidade para debater com a população, mostrando alternativas.
O interessado em vencer as eleições em Goiânia precisa se antecipar; conhecer a cidade e suas demandas gerais e particulares, entendendo que uma cidade grande é plural. Apenas fazendo isso é que ele poderá formatar um bom projeto a ser mostrado à população. Por “bom projeto”, digo um que seja variado, aprofundado e exequível. A população observará a postura e o pensamento do político, que, em tempos de crise, não poderá fazer propostas faraônicas, nem estar concentrado em projetos pessoais. É necessário que haja a construção de um discurso que atinja os eleitores em suas mais diversas realidades.
Isso será cobrado daqueles que se propuserem a se colocar na linha de frente da corrido pela sucessão ao Paço Municipal.