Políticos acostumados a defender projetos faraônicos, baseados no populismo, precisam rever seus conceitos, sobretudo aqueles que pretendem disputar a Prefeitura de Goiânia

O populismo característico de alguns candidatos não deve ter espaço nas eleições deste ano. A população está cansada disso
O populismo característico de alguns candidatos não deve ter espaço nas eleições deste ano. A população está cansada disso

Marcos Nunes Carreiro
É quinta-feira, 24 de março de 2016. Estou sentado em frente ao computador, na redação do Jornal Opção, começando a escrever este texto e penso no vácuo político que existe atualmente, sobretudo no Brasil. Esses vácuos costumam ser perigosos, afinal vazios podem ser preenchidos por qualquer coisa.

O vácuo, no caso do Brasil, acontece pela falta de esperança da população, o que dá força a uma postura política empregada no País há muitos anos: o populismo. Por definição, um populista é aquele que defende os interesses das camadas desamparadas da população. Atual­mente, isso abarca a todos, pois todos se sentem assim, mesmo que não se enquadrem no conceito.

Em meio a esse sentimento de desamparo popular, o que a população quer é ouvir alguém que fale o necessário: de que vai corrigir os erros e criar mecanismos para que as solicitações das pessoas sejam atendidas a contento. O grande problema disso é que os populistas geralmente se limitam a bandeiras muito específicas; se alimentam do descontentamento, dão esperança, mas as soluções apresentadas, ainda que concretas, não costumam beneficiar a sociedade. Algumas dessas soluções sequer concretas são.

O poder dos populistas está no “dar resposta” à ira dos excluídos, oferecendo narrativas e soluções grandiosas. Na cabeça desses políticos — e a maioria deles pensa assim —, não há terreno para a apresentação de soluções sérias, pois isso demanda coragem para abrir o jogo com a população e, muitas vezes, isso é impopular.

O fato é que as soluções para os problemas mais profundos da sociedade brasileira quase não prometem re­compensas imediatas. Investi­mentos em educação, por exemplo, são essenciais, mas os resultados só aparecem depois de muitos anos. O processo é que importa, mas o processo quase nunca tem a atenção devida.

Que político quererá dizer que o problema de mobilidade urbana só pode ser resolvido no longo prazo? A população quer soluções para o agora e não para o depois. Cabe ao político prometer que resolverá, esquecendo-se de informar que medidas estruturantes demandam tempo. Muitos “esquecem” de fazê-lo por interesse eleitoral; outros, por pura falta de informação.

Vejamos um exemplo: em 2004, durante a eleição municipal de Goiânia, Iris Rezende (PMDB) pro­meteu solucionar o problema do transporte coletivo em seis me­ses. Venceu o pleito e foi até re­eleito em 2008, mas não conseguiu cumprir a promessa. Mesmo que tivesse tentado, não conseguiria.

As dificuldades do transporte coletivo da capital goiana remetem à década de 1950, época em que a cidade tinha aproximadamente 100 mil habitantes, menos de 10% dos atuais 1,4 milhão. Ora, não se resolve um problema de meio século em poucos meses. Iris deixou a Prefeitura em 2010 para disputar o governo estadual; as dificuldades do transporte público goianiense, porém, permanecem.

Voltemos um pouco mais no tempo. Há alguns anos, no auge da ânsia por modernização, o maior desejo popular era asfalto. Era eleito quem dissesse que pavimentaria todas as ruas de terra da cidade. Não é preciso dizer que muitos prefeitos foram eleitos com esse discurso e até conseguiram “universalizar” o serviço, mas sob o custo de construírem asfaltos de má qualidade, muitas vezes, passando a massa asfáltica em ruas sem estrutura de saneamento básico ou galerias pluviais.

O resultado: asfalto ruim, que desmancha com a chuva, ou que precisava ser destruído semanas depois para que as galerias pluviais fossem construídas. Em outras palavras, de nada adiantou e a população percebe isso. Se deve a ações assim, ligadas a discursos populistas, a maior parte dos buracos nas ruas de Goiânia e de várias outras cidades brasileiras.

Serviços de qualidade demandam investimentos de verdade, o que custa caro no curto prazo e mais barato no longo. Mas há pressa, então, de novo, surge a “necessidade” de solucionar problemas a toque de caixa. A respeito do asfalto, recente pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostra que é possível usar uma tecnologia diferente a fim de criar um produto mais resistente ao tempo e ao uso.

Um candidato à Prefeitura de Goiânia poderá, caso queira, procurar saber sobre isso para implantar em sua possível gestão. O fará? Pouco provável e, se fizer, talvez esbarre no fator preço. O sistema é até 40% mais caro do que o tradicional, mas o investimento garante retorno, pois pode durar cerca de 60 anos. Isso significa menos operações tapa buracos, que são o mesmo que tapar o sol com a peneira.

O centro da questão aqui é: ne­nhu­ma ação relevante no mundo surgiu de remendos ou pequenas modificações em políticas públicas já existentes. Apenas modificações planejadas, geralmente baseadas em mudanças de rumo, funcionam. Mas se não engane: o discurso de mudanças radicais também é falacioso, justamente porque reengenharias institucionais não costumam ser populares.

Insegurança

População prestará atenção nas soluções que os candidatos vão apresentar para os problemas da cidade. O motivo: não cometer um suicídio de quatro anos
População prestará atenção nas soluções que os candidatos vão apresentar para os problemas da cidade. O motivo: não cometer um suicídio de quatro anos

Retornando ao presente, o mote da vez é a segurança pública. Com os índices de criminalidade subindo, aumenta-se a sensação de insegurança. Divulgadas pela grande imprensa em larga escala, essas informações chegam a causar pânico em parte da população.
Por isso, a demanda das ruas atualmente é por um sistema de segurança pública mais eficiente e isso atrai o discurso de muitos dos novos políticos, aqueles que “surgiram” a partir das eleições de 2014. Eles querem corresponder ao anseio da sociedade.

Essa demanda criou fenômenos políticos, mas que acabam repetindo a ideia populista dos políticos anteriores: são pessoas com uma aparente profunda sintonia com certas camadas sociais, sobretudo aquelas que, seguindo a tendência atual, não se sentem representadas pelos políticos já conhecidos.

É esse o vácuo ao qual me referi no início. E ele cria uma boa oportunidade para que uma ideia populista de “salvador da pátria” se firme; aquela que apresenta uma pessoa ou projeto que livrará a sociedade da violência e trará novamente a paz. Ora, isso não existe. No discurso, sim; mas não na prática. Não existe um “salvador da pátria” capaz de, sozinho, resolver o problema da segurança pública.

Em Goiânia, um projeto chama atenção: o vereador Paulinho da Farmácia (Pros) apresentou, na Câmara Municipal, proposta de lei para estabelecer que bares, lanchonetes e restaurantes da capital encerrem suas atividades à meia noite, nos sábados e feriados, e às 23h30 nos demais dias de semana. Segundo ele, pesquisas apontam que a medida pode reduzir o índice de criminalidade em até 90%.

Sem tirar o mérito da preocupação do vereador, soluções má­gicas como essa não resolvem nada, pois o problema da violência não está ligado exclusivamente ao horário de fechamento de estabelecimentos comerciais. Em Miraflores, distrito de Lima, capital do Peru, por exemplo, o funcionamento de bares e restaurantes atravessa a noite e muitos dos frequentadores voltam para casa a pé.

Mas lá foram tomadas outras soluções, como a presença constante de guardas civis municipais nas ruas, independente do horário. Os guardas não andam armados; a simples presença deles cria a sensação de segurança. E é a falta dessa sensação que desespera a população goianiense, algo que precisará receber a atenção do próximo prefeito.

Se temos que falar das causas da insegurança pública, elas são muitas. Para ficar em alguns exemplos:

• As carências das pessoas de bai­xa renda, que são muitas. Por me­lhor que seja a qualidade de vi­da de uma cidade, algumas re­giões sempre terão serviços pre­cá­rios, o que faz com que seus mo­radores fiquem mais vulneráveis;

•A ineficiência da polícia e a defasagem da legislação criminal;

•As falhas na estrutura e nos processos judiciários obsoletos, sem contar o caos do sistema prisional, que é falho em todo o País;

• Soma-se a isso a falta de interação entre os Poderes e a sociedade.

É necessário haver investimentos na polícia? Sim, sobretudo na formação, na inteligência e na informação desses profissionais. Isso ajuda a qualificar a ação policial. Contudo, apenas isso não resolve. É preciso que haja um aumento significativo nas ações da sociedade civil, como projetos sociais em locais com altos índices de vulnerabilidade, voltados principalmente para o público mais afetado, que é, em geral, o jovem.

O futuro prefeito de Goiânia terá que se atentar a isso e não poderá simplesmente justificar a ausência de soluções com o argumento de que segurança pública é uma responsabilidade constitucional dos estados e não dos municípios, pois, se os investimentos no aprimoramento policial são de responsabilidade do governo estadual, cabe à Prefeitura as ações complementares — provavelmente ainda mais importantes do que a presença policial.

A urbanização de locais, às vezes, abandonados — construção de equipamentos e iluminação, por exemplo —, além do incentivo para que as pessoas ocupem esses lugares são apenas algumas das mais óbvias possibilidades. E isso tem que passar pelo gestor municipal, pois é de se esperar que ele conheça a cidade melhor do que o governador.

Em suma, são mais as ações de infraestrutura urbana e o incentivo para que a população ocupe esses es­paços que ajudam a aumentar a sensação de segurança; e deve ser responsabilidade municipal. Quan­do um prefeito trabalha junto com o Estado e o governo federal, é pos­sível ter resultados de maior qua­lidade na redução da criminalidade.
Assim, por se tratar de um fenômeno multicausal, não existe, portanto, uma solução mágica para o problema da insegurança. Caso algum candidato se apresente com uma, desconfie. Afinal, o discurso de “salvador da pátria” só costuma salvar a campanha daquele que o profere.

Bandeiras únicas

Ter candidatos que levantem a bandeira da segurança pública é importante. Agora, o que defendo aqui é o cuidado que se deve ter com aqueles que tem todos os seus objetivos baseados apenas neste tema. Uma cidade é formada por mais do que apenas transporte coletivo, mobilidade urbana ou segurança pública. São muitos os assuntos que carecem da atenção de um gestor municipal.

Candidatos que levantam uma bandeira e baseiam seu discurso em temas únicos funcionam bem para cargos legislativos. Deputados federais e estaduais são eleitos, quase sempre, dessa maneira. Há aqueles que defendem alguma religião, classe profissional ou econômica, ou um tema específico. Não à toa existem no Congresso as bancadas evangélica, ruralista, da bala etc.
Agora, para cargos executivos, a situação é um tanto diferente. O candidato a prefeito, por exemplo, precisa se posicionar em relação aos outros problemas da cidade; não focar sua fala somente em segurança pública, ou em mobilidade urbana. É aí que surgem os discursos de “salvador da pátria”, pois o candidato não domina os assuntos da cidade. Não conhecendo, é mais fácil dizer que resolverá tudo.

Nessas eleições, especificamente, a população precisa ficar atenta a essas questões. E deverá estar, sobretudo devido ao crescente desapontamento com a política e com os políticos em geral. Isso fará com que os eleitores estejam mais exigentes e atentos, o que deve forçar os candidatos a ter um melhor desempenho na elaboração de seus programas de governo e uma maior capacidade para debater com a população, mostrando alternativas.

O interessado em vencer as eleições em Goiânia precisa se antecipar; conhecer a cidade e suas de­mandas gerais e particulares, entendendo que uma cidade grande é plu­ral. Apenas fazendo isso é que ele poderá formatar um bom projeto a ser mostrado à população. Por “bom projeto”, digo um que seja variado, aprofundado e exequível. A população observará a postura e o pensamento do político, que, em tempos de crise, não poderá fazer propostas faraônicas, nem estar concentrado em projetos pessoais. É necessário que haja a construção de um discurso que atinja os eleitores em suas mais diversas realidades.

Isso será cobrado daqueles que se propuserem a se colocar na linha de frente da corrido pela sucessão ao Paço Municipal.