Crime de racismo cresce 77% em Goiás
07 agosto 2022 às 00h00
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No último dia 30 de julho, a mídia nacional e internacional deu amplo destaque para o ataque racista contra os filhos do casal de atores Bruno Gagliasso, 40, e Giovanna Ewbank, 35, sofreram. O crime teve como autora uma mulher branca em um restaurante na Costa da Caparica, no litoral de Portugal. O caso colocou e destaque um crime que infelizmente está diariamente nos noticiários, e que, apesar dos esforços, só vem crescendo.
Em Goiás, os registros de crimes de injúria racial aumentaram 26,3% e os registros do crime de racismo cresceram 77,1% no período de 2020 para 2021. Especialistas em segurança pública afirmam que os dados revelam um aumento da intolerância em todo o país, e apontam também maior disposição e preparo das polícias para registrar delitos de discriminação.
Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelas secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública, e atualizado na última terça-feira, 2. No total, foram produzidos 614 Boletins de Ocorrência (B.O.) para injúria racial – uma taxa de 8,5 ocorrências para cada 100 mil habitantes – e 61 boletins policiais denunciando racismo (taxa de 0,8).
O Jornal Opção ouviu membros do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) para averiguar quantas ocorrências são levadas adiante e se torna processos judiciais, e ouviu a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) para verificar quantos processos resultam em condenação. Os 614 B.O.s de injúria racial produzidos em 2021 resultaram em 105 processos, que por sua vez resultaram na condenação de 18 pessoas, que atualmente estão custodiadas, cumprindo pena não necessariamente em regime fechado.
Segundo membros do Ministério Público de Goiás (MPGO), a baixa porção de boletins de ocorrência que se transforma em condenação não significa que os crimes passam sem punição. Menos de 3% das ocorrências de injúria resultam em condenação, porque em grande parte das vezes um acordo é oferecido com indenização pecuniária para as vítimas.
Segundo os psicólogos Marcus Eugênio Lima e Jorge Vala, no livro As novas formas de expressão do preconceito e do racismo, outra explicação para o aumento dos índices é a organização dos movimentos sociais. [Esses grupos promovem] “crescente debate acerca de uma ruptura com os pactos sociais erigidos em torno daquilo que se constitui como racismo e homofobia sutis, ou cordiais.” Desta forma, os movimentos sociais ajudaram a substituir a ideia de uma convivência supostamente pacífica entre grupos distintos, contanto que os estigmatizados ‘saibam seu lugar’, pela efetiva denúncia dos intolerantes.
Delegacia especializada
Goiás é um dos dez estados brasileiros que possui uma delegacia dedicada ao combate de crimes de intolerância. Trata-se do Grupo Especializado no Atendimento às Vítimas de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Geacri), comandado pelo delegado Joaquim Filho Adorno Santos. Segundo o delegado, a especialização no tema permite que a polícia civil combata o crime antecedente de racismo, para evitar crimes consequentes como o homicídio motivado pelo ódio e intolerância.
A criação do Geacri em 2021 revela uma preocupação do Estado com o tema. Membro da polícia civil há quase 20 anos, Joaquim Adorno afirma que o crescimento dos casos é preocupante e perceptível em sua atuação diária, mas afirma também que as estatísticas revelam maior preparo e busca ativa das polícias pelos crimes de racismo e injúria racial.
“Goiás se destaca por um olhar diferenciado para o tema. Uma evidência disso é o fato de que o Geacri foi criado dentro da própria Escola Superior da Polícia Civil, e isso significa que não estamos tentando mudar somente o mundo externo, mas preparar os funcionários que atendem a população. Sem essa transformação interna, é impossível conscientizar a sociedade. A intenção é qualificar servidores públicos para inibir o racismo institucional. Acredito que Goiás é pioneiro. A mudança de postura por parte dos servidores em pouco tempo se converte em sensibilização para o problema social”, comenta Joaquim Adorno.
O delegado enumera também a criação de redes para apoiar vítimas de racismo, o trabalhando junto à população quilombola, e a criação do programa Goiás sem Racismo, pela Secretaria de Defesa Social (Seds). “Todas essas ações possibilitaram melhoria nos dados, porque começamos a procurar pelos crimes de injúria de forma segmentada. Outro exemplo é a criminalização da homofobia, em 2019. É um problema que já existia no Brasil, mas é natural que vejamos seus registros aumentarem conforme buscamos por ele de forma sistemática”, diz Joaquim Adorno.
Ainda sobre a homofobia, Joaquim Adorno comenta que homicídios motivados pelo intolerância à orientação sexual cresceram no último ano de 4 para 19 casos. Concomitantemente à melhoria na apuração, esse dado também indica que as pessoas estão de fato mais intolerantes, segundo o policial. “Isso também ocorre com o racismo. Percebemos que as pessoas precisam de cada vez menos pretextos para manifestar a violência.”
“Se anteriormente a pessoa precisava de uma justificativa mais forte para cometer um crime, hoje vemos que o racista está sendo encorajado de alguma forma a agir”, diz Joaquim Adorno. O delegado diz acreditar que o medo da repreensão social no próprio meio do criminoso tem diminuído. “Antes, era politicamente incorreto; hoje, o racista parece tentar defender esse racismo.”
Segundo Joaquim Adorno, isso está relacionado com a forma com que os processos são concluídos. “O poder judiciário e o MPGO nunca estiveram tão empenhados nessa questão. O fato é que as penas para esses crimes vão de um a três anos, e a probabilidade de esses condenados ficarem presos é muito baixa. É um problema legislativo, e não judiciário. Por isso, é preferível que o promotor faça um acordo de não persecução penal, pois os réus intolerantes são frequentemente sem antecedentes, possuem famílias dependentes, e apresentam outros atenuantes. Além disso, o tempo para o transcurso do processo é longo. Por isso, a indenização pecuniariamente rende melhores resultados para a vítima e é uma saída pedagógica mais efetiva, pois toda a família e círculo social do acusado é impactado por seu exemplo.”
Este fato não descarta as prisões em flagrante, ressalta o policial, que conclui: “Temos de nos conscientizarmos que vivemos em sociedade, e a sociedade é plural. Não somos obrigados a gostar de ninguém, mas o respeito é uma obrigação legal clara. Ultrapassar o respeito é crime. A primeira solução para este crime é a denúncia, que ajuda a mudar a forma de pensar da coletividade. Toda pessoa que sofre ação penal se torna um exemplo para seu grupo social e família, que vêm na reprimenda do estado a pedagogia do ato.”
O grupo especializado atua não só no âmbito criminal, mas também na conscientização da população e resgate da cidadania das vítimas de racismo, discriminação e intolerância, seja ela por cor, etnia, religião, condição, orientação sexual ou identidade de gênero. O Geacri pode ser contactado pelas seguintes formas:
Whatsapp:(62) 98495-2047
Endereço: Avenida Planalto, Jardim Bela Vista, Goiânia-GO
E-mails: [email protected] [email protected]
Telefone: (62) 3201-2440