Segundo dados da GoiásPrev, alíquota paga pelo funcionalismo arrecada R$ 1,18 bilhão, enquanto o tesouro entra com R$ 4,7 bilhões ao ano

Presidente da Goiás Previdência, Gilvan Cândido | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Apresentada pelo governador Ronaldo Caiado há uma semana, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 1.645/2019 mexe profundamente com a aposentadoria do servidor público estadual: aumenta a idade mínima para a inatividade, amplia a base de cobrança de contribuição para quem já é inativo e diminui a média dos benefícios. A ideia é evitar o colapso do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e aproximá-lo do Regime Geral, que atende os trabalhadores da iniciativa privada, e equilibrar as contas do Governo, extremamente comprometidas com a folha de pagamento.

Para entender como a Previdência do servidor público abocanha recursos que poderiam ser investidos em outras áreas, como saúde, educação e segurança, basta comparar o quanto se arrecada por meio das contribuições e o quanto se paga em aposentadoria e pensões. Segundo a GoiásPrev, órgão gestor do sistema, a alíquota paga pelo servidor, hoje 14,25%, a maior do País, cobre 20% do custo. Os demais 80% são custeados pelo Tesouro Estadual, seja em forma da contribuição patronal (28,50%), seja na forma de aportes para cobrir a diferença.

Atualmente, a folha de inativos em Goiás custa R$ 5,9 bilhões. A contribuição dos servidores arrecada R$ 1,18 bilhões. O restante é pago pelos recursos do Estado, oriundos do pagamento de impostos. São R$ 1,8 bilhão em contribuição patronal e R$ 2,95 bilhões em déficit – ou seja, dinheiro que o governo tem de tirar do Tesouro Estadual para complementar. “A Previdência custa, hoje, R$ 670,60 para cada goiano”, diz o presidente da GoiásPrev, Gilvan Cândido.

Como mostrou o Jornal Opção, esse valor superar o que é investido em educação e saúde.  Segundo dados obtidos pelo jornal, o governo de Goiás destina, hoje, R$ 4,6 bilhões para a educação e R$ 2,2 bilhões para a saúde.

Há uma série de fatores que se combinam para que a conta da Previdência se torne salgada. O servidor público, em média, se aposenta mais cedo e com salários maiores que os trabalhadores da iniciativa privada. Além disso, como os números acima comprovam, a contribuição não é suficiente para cobrir as aposentadorias e pensões.

O servidor público veste o pijama mais cedo que os demais. Em Goiás, a idade média para a inatividade é de 53 anos. Na iniciativa privada, segundo estudo do governo federal, a média é de 58 anos.

A idade de aposentadoria varia de acordo com as categorias. Os militares da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros costumam ir para a reserva aos 48 anos. Os professores, aos 53. Já os policiais civis se aposentam, em média, aos 53 anos e os demais servidores, aos 57.

Além de serem mais jovens, os aposentados do setor público em Goiás ganham mais que os que trabalharam em empresas privadas. A aposentadoria média é de R$ 6,6 mil, mais de quatro vezes mais que o benefício do INSS, que é de R$ 1,5 mil. Algumas categorias, porém, têm aposentadoria mais robusta.

No Tribunal de Justiça, a média é de R$ 16 mil (10,5 mais que na iniciativa privada); na Assembleia Legislativa, R$ 16,6 mil; no Tribunal de Contas dos Municípios, R$ 18,8 mil; no Ministério Público Estadual, R$ 27,9; e no Tribunal de Contas do Estado, R$ 29,8 mil, quase 20 vezes o que o INSS paga em média.

O argumento dos funcionários estaduais é que eles também recolhem mais para a Previdência, pois pagam a maior alíquota do País (lembrando: 14,25%) sobre o salário cheio. Ocorre que, mesmo assim, a contribuição não é suficiente pagar cobrir as aposentadorias.

Além dos dados já apresentados, que demonstram que as contribuições do servidor cobrem apenas 20% dos gastos com aposentadoria e pensão, é importante lembrar que a atual alíquota só foi instituída em 2016. Entre 2012 e 2016, ela era de 13,25%; de 2000 a 2012, era de 11%. De 1996 a 2012, era de 6%.

Sem contribuição

Antes de 1996, nem havia contribuição previdenciária no Estado. Até então, a aposentadoria era vista como um prêmio para o servidor. O resultado é que, até hoje, 9 mil aposentados recebem sem nunca ter recolhido um só centavo aos cofres da Previdência. Com benefício médio de R$ 6.000,00, apenas esse grupo custa R$ 54 milhões por mês (R$ 702 milhões por ano).

A instituição das alíquotas não foi suficiente para conter a alta do déficit previdenciário em Goiás. Em 2013, quando ela chegou a 13,25%, o déficit chegou a recuar, ficando abaixo de R$ 120 milhões por mês. Mas, a partir de então o aumento foi linear, mesmo com novo aumento, para 14,25%, até chegar a R$ 227,07 milhões em setembro de 2019.

Um dos fatores principais é que, no regime de repartição, como é o caso dos RPPS brasileiros, é a contribuição dos ativos e a patronal que bancam o vencimento dos inativos. E existem cada vez menos servidores ativos em relação aos que estão aposentados. Em 2004, eram 2,1 trabalhando para 1 inativo. Em setembro, já eram mais servidores civis aposentados que na ativa (a proporção é de 0,9 por 1).

Nos últimos 14 anos, o número de inativos e pensionistas subiu 73%. Hoje existem 60 mil aposentados e pensionistas 60.315 e 54.097 ativos. Em 2004, o governo de Goiás começou a cobra contribuição também dos aposentados, mas apenas dos valores que ultrapassam o teto do INSS (R$ 5,8 mil).

Outra peculiaridade do serviço público é que existe um estímulo financeiro, em algumas categorias, para vestir o pijama: o soldo médio do militar da ativa é de R$ 8,6 mil, na reserva, de R$ 11,6 mil; o policial civil em serviço ganha, em média, R$ 10,5 mil, o aposentado, R$ 14 mil; o professor na sala de aula tem salário médio de R$ 4,3 mil; em casa, R$ 4,4 mil. Apenas os demais servidores do Poder Executivo veem seus vencimentos diminuíram ao aposentar: de R$ 6,1 mil para R$ 4,9 mil.

“O servidor não é vilão. Ele prestou um concurso público no qual havia as regras estabelecidas. O erro foi de quem desenhou essa metodologia. Mas isso não significa que a folha não seja um problema. Precisamos resolver a questão. A reforma é para termos convicção de que os salários serão pagos”, diz Gilvan Cândido. Nas contas oficiais, a folha de inativos e ativos compromete 86% da receita líquida do Estado.

Nos últimos 12 meses, o governo gastou R$ 5,8 bilhões com benefícios previdenciários. O valor oscila mensalmente, mas em setembro deste ano a folha de inativos foi R$ 40 milhões mais alta que a de outubro de 2019, atingindo R$ 499,1 milhões.

A PEC apresentada pelo governo não terá a capacidade, como uma varinha mágica, de equilibrar toda essa matemática. A intenção, segundo Gilvan Cândido, é “desacelerar o crescimento do déficit” por meio de mecanismos que “tragam as regras do setor públicos mais próximas do setor privado”.

Servidor já teve mudanças de regras

Diante de um iminente colapso nas contas públicas, essa não é a primeira vez que os servidores públicos têm as regras de aposentadoria alteradas. Em 2003, passou a vigorar a regra que calcula o benefício em cima de 80% da média dos maiores salários. Antes disso, havia a integralidade e a paridade – ou seja, o aposentado não pode ganhar menos que o servidor da ativa.

Paulo Sérgio, do Sindifisco: “Ato flagrantemente inconstitucional”| Foto: Fábio Costa / Jornal Opção

Em 2017, nova mudança. Desde julho daquele ano, o vencimento máximo é limitado ao teto do que o INSS paga (R$ 5,8 mil, nos valores atuais). Também foi criada a Prevcom, plano de Previdência complementar. Ocorre que, segundo a GoiásPrev, 65% dos profissionais ainda em serviço estão incluídos na regra pré-2003.

A Proposta de Emenda Constitucional 1.645/19 mexe mais profundamente nos critérios de elegibilidade para aposentadoria. A primeira é a forma de cálculo. Na regra atual, o benefício corresponde à média dos 80% maiores salários. Com a PEC, será a média de 100% dos salários.

Para alcançar o benefício total, contudo, o servidor terá de contribuir por 40 anos – com 20 anos de contribuição, ele receberá 60% do valor, mais 2 pontos percentuais por ano.

Haverá, ainda, aumento na idade mínima para elegibilidade para aposentadoria. Atualmente, ela é de 60 anos para homens e 55 para mulheres. Com a PEC, subirá para 65 e 62 anos, respectivamente. O tempo mínimo de contribuição será de 25 anos, mas para chegar a 100% do benefício ela terá de ser de 40 anos.

Os professores, hoje, podem se aposentar com 55 anos e as professoras, 50 anos. Aprovada a reforma, a idade mínima passará para 60 e 57 anos, respectivamente. Os policiais civis, que atualmente não têm idade mínima para aposentadoria, apenas tempo de contribuição, terão agora de ter 55 anos de idade e 30 de contribuição.

“Quem já cumpriu todos os critérios, mas continua trabalhando, não terá mudança. Todos os direitos serão preservados”, diz Gilvan Cândido. Mas, para aqueles que estão próximos da aposentadoria terão de ficar um tempo maior no serviço público.

Existem duas alternativas: a regra de pontos ou o pedágio. No caso dos pontos, o aumento será gradativo até 2033. Quando este ano chegar, a soma da idade com o tempo de contribuição tem de chegar a 105, para homens, e 100, para mulheres. Para os professores, a soma terá de atingir 100 e 92 pontos, respectivamente.

A regra do pedágio é mais simples. A regra geral é ficar o dobro do tempo que falta para atingir a idade e o tempo mínimos de contribuição. No caso do pedágio, a idade mínima das mulheres sobe dois anos em relação à regra atual.

Entidades que representam o funcionalismo

reagem à proposta de reforma

As entidades que representam os servidores públicos rejeitam a Proposta de Emenda Constitucional da reforma da Previdência Estadual. O Sindifisco e o Sindipúblico entraram com ações na Justiça para tentar barrar a proposta – o argumento é que o regime de Previdência é matéria que compete à União e que a reforma ainda não foi concluída no Congresso Nacional.

Nylo Sérgio: “Não se pode colocar só o servidor para pagar”| Foto: Divulgação

Além da questão formal, os servidores questionam o mérito do texto enviado pelo governo à Assembleia Legislativa. “Entendemos que têm de ser tomadas medidas enérgicas na Previdência para acabar com déficit, mas não colocando só o servidor para pagar. Enxugar todos os gargalos”, diz o presidente do Sindipúblico, Nylo Sérgio José Nogueira Júnior.

Para o sindicalista, um dos gargalos está na educação, que conta com aproximadamente 22 mil contratos temporários. “Eles contribuem para o regime geral do INSS. Se fossem de carreira, estariam contribuindo para o fundo de previdência e ajudando para que o déficit fosse menor”, afirma.

Nylo Sérgio aponta, ainda, os incentivos fiscais que, segundo ele, tiram R$ 8 bilhões da arrecadação do Estado. Ele diz, ainda, que a possível cobrança de alíquotas extras desenha um cenário macabro para o servidor. “Juntando a Previdência, o Ipasgo e o Imposto de Renda, vai 50% do salário”, afirma.

O presidente do Sindifisco, Paulo Sérgio dos Santos, explica que o artigo 24 da Constituição trata da competência concorrente de municípios, Estados e a União em legislar em Previdência Social. “A União tem a prerrogativa de legislar sobre esse tema”, afirma. Como o Congresso não incluiu Estados e municípios na reforma, ele acredita que o governo estadual não pode verticalizar as regras aprovadas no Senado – ainda não em vigor. “A Proposta de Emenda Constitucional protocolada na Assembleia Legislativa está viciada”, afirma.

Paulo Sérgio acredita que pode haver uma busca em massa pela aposentadoria por servidores temerosos de serem prejudicados. “Não pode um ato flagrantemente inconstitucional prejudicar o servidor em seu direito legítimo de aposentadoria”, diz.

Assim como Nylo Sérgio, do Sindipúblico, o presidente do Sindifisco critica o que chama de falta de diálogo do governo sobre a questão. “Não quero entrar no mérito se há déficit ou não, mas temos a maior contribuição do País. Não temos teto de contribuição como o trabalhador privado tem. Recolhemos sobre toda a remuneração bruta”, lembra.

José Virgílio, presidente da União Goiana dos Policiais Civis (Ugopoci), diz que entidades que representam os servidores da Segurança Pública, com exceção dos militares, também acreditam na inconstitucionalidade da PEC estadual. “As atividades de risco no Brasil têm de ter um tratamento mais condizente”, cobra. Conforme ele, a proposta do governo não é boa para os policiais civis, profissionais da Política Técnico-Científica, do sistema prisional e do socioeducativo. “Essas pessoas estão muito prejudicados a vamos mobilizar junto os deputados e via judicial tentar mudar essa PEC, que legaliza o confisco do salário do setor público”, critica.