Balanço Geral do Estado referente ao exercício de 2010 ainda não foi julgado pelo Palácio Alfredo Nasser. Relatório do TCE apontou várias irregularidades e manifestou parecer recomendando a rejeição. Deputados da base governista estariam travando a pauta que decidiria o destino político do ex-governador

TCE manifestou parecer desfavorável à aprovação das contas de 2010 do ex-governador Alcides Rodrigues | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
TCE manifestou parecer desfavorável à aprovação das contas de 2010 do ex-governador Alcides Rodrigues | Fotos: Fernando Leite/Jornal Opção

Frederico Vitor

O balanço geral do Es­ta­do referente ao exercício de 2010, último ano de gestão do ex-governador Alcides Rodrigues (à época PP, atualmente no PSB), ainda não foi julgado pela mesa di­retora da Assembleia Legislativa de Goiás. Quase quatro anos depois do último período do governo anterior, ainda não existe nenhuma previsão de quando as contas do ex-chefe do Executivo goiano passará por julgamento no Palácio Alfredo Nasser. Curiosamente, deputados tucanos estariam travando a realização da pauta que julgaria o destino político do ex-pepista.

Em março de 2012, a Comissão de Tributação, Finanças e Orça­men­to da Assembleia Legislativa votou pe­la rejeição das contas, acompanhando a sugestão do Tribunal de Con­tas do Estado (TCE), que emitiu parecer prévio pela rejeição do balanço referente ao ano de 2010. Desde então, a pauta que julgaria as contas do último ano de Alcides Rodrigues no comando do governo estadual tem sido postergada.

De acordo com o ditame prévio do TCE, que teve como relatora a conselheira Carla Cíntia Santillo, foram detectadas cinco irregularidades e três improbidades administrativas. Desde sua criação em 1953, esta foi a primeira vez em que a corte de contas do Estado emitiu parecer recomendando a rejeição das contas de um governador.

Entre os pontos do primeiro item, está o atraso da folha de dezembro de 2010 dos servidores públicos do Estado, a partilha das receitas tributárias entre os municípios, inferior à obrigatória, o descumprimento da Lei de Respon­sa­bilidade Fiscal (LRF) em vários quesitos — entre eles, a queda crescente do superávit e o aumento do déficit —, ausência de controle de precatórios pendentes de pagamento e o não repasse dos 0,25% da receita de impostos à pesquisa agropecuária e difusão tecnológica.

Das impropriedades, há casos relatados pela corte de contas em que houve erros na escrituração contábil que impactam na análise e mensuração dos índices, dificultando a visualização da real situação financeira do Estado. Existiu também a omissão de dados e descumprimento da lei no que diz respeito à educação, saúde, transportes e execução de obras. O parecer desfavorável à aprovação das contas relacionadas a 2010 foi encaminhado pelo TCE à Assembleia Legislativa em 2011, quando a presidência da Casa era exercida pelo atual prefeito de Catalão, Jardel Sebba (PSDB).

A rejeição das contas de Alcides Rodrigues chegou a estimular discussões acaloradas no plenário da Assembleia. As reuniões da Comis­são Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as irregularidades ficou conhecida como a “CPI do rombo”. Logo após o parecer prévio do TCE, o ex-secretário da Fazenda Simão Cirineu visitou o Legislativo e reafirmou que recebeu o Tesouro Estadual com um déficit de R$ 2,113 bilhões em janeiro de 2011, sendo que R$ 641 milhões eram de restos a pagar e R$ 382 milhões referentes à folha de pagamento de servidores.

Sem previsão
Deputado e líder do governo na Assembleia Legislativa, Fábio Sousa: “Pauta depende da presidência” | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Deputado e líder do governo na Assembleia Legislativa, Fábio Sousa: “Pauta depende da presidência”
Deputado e presidente da Assembleia Legislativa de Goiás, Helder Valin: “Líder do governo é quem pauta" | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Deputado e presidente da Assembleia Legislativa de Goiás, Helder Valin: “Líder do governo é quem pauta”

Segundo o presidente da As­sembleia Legislativa, Helder Valin (PSDB), a responsabilidade por colocar a pauta em votação é do líder do governo no Legislativo estadual, ou seja, do deputado Fábio Sousa (PSDB). O tucano diz que a votação é nominal e que já ordenou sua colocação na pauta juntamente com as contas relacionadas a 2011 e 2012 — já na gestão do governador Marconi. “Eu apenas presido, minha responsabilidade neste assunto vai até aí. A condução da matéria, como é de interesse governamental, é por parte do líder do governo. Não a coloquei na pauta antes porque não houve solicitação.”

Por sua vez, o deputado Fábio Sousa afirma que a responsabilidade de colocar a matéria em pauta é do presidente Helder Valin, e que, recentemente, houve uma oportunidade de realizar o julgamento do parecer prévio do TCE, mas não foi adiante por falta de quórum qualificado. “Isso depende do presidente Valin, é a mesa diretora quem decide quais pautas vão à votação.”

Enquanto o presidente do legislativo goiano e o líder do governo na Ca­sa batem cabeça, o deputado Fran­cisco Gedda (PTN), que foi pre­sidente da Metrobus durante o go­verno Alcides, afirma que a base aliada estaria esperando um mo­mento propício para fazer o julgamento para confirmar ou não o pa­recer das contas de Alcides referentes ao ano de 2010. Segundo ele, a ba­se do governo estaria cautelosa em julgar tais balanços em ano eleitoral.

Na lógica de Gedda, caso o pa­re­cer do TCE, que é de recomendação à rejeição das contas do último ano da gestão de Alcides no governo, seja julgado procedente pela Assembleia Legislativa, haveria um precedente perigoso ao governador tucano. “A oposição pode ter a maioria na próxima legislatura e tudo caminha para isso. Eles estão com medo do tiro sair pela culatra, por isso que a Casa não tem agilidade e autonomia para julgar tais contas.”

Risco de inelegibilidade
Advogado Dalmy de Faria: “Alcides poderá ficar inelegível e sem registro” | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Advogado Dalmy de Faria: “Alcides poderá ficar inelegível e sem registro” | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Dalmy Alves de Faria, especialista em Direito Eleitoral e Público de Goiás, em 2012 chegou a ser nomeado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Seção Goiás, como advogado dativo do ex-governador Alcides, quando da instauração da Comissão de Tributação, Finan­ças e Orça­mento da Assembleia, que acompanhou a recomendação do TCE pela rejeição das contas de 2010. O presi­dente da Comissão determinou 30 dias para que Dalmy de Faria elaborasse a ampla defesa do ex-governador. Contudo, o ex-deputado e se­cretário de Segurança Pública de Goiás na gestão do então pepista, Er­­nesto Roller, foi habilitado no pro­­cesso para fazer a defesa de Alcides.

Dalmy de Faria explica que se a Assembleia confirmar o parecer pela rejeição das contas relacionadas ao ano de 2010, o ex-governador ficaria imediatamente inelegível por oito anos, segundo a Lei Comple­mentar 64/90 alterada pela 135, mais conhecida como a Lei da Ficha Limpa. Caso, por exemplo, o Legislativo goiano não julgar o parecer do TCE neste mês e vier a realizar o julgamento em agosto, mesmo se o ex-chefe do Executivo estadual estiver com candidatura registrada — o prazo vence no dia 5 de julho —, Alcides estaria em situação de inelegibilidade sobreveniente. “Se o ex-governador registrar candidatura e for condenado por rejeição de contas, se tornará inelegível e perderá seu registro.”

As decisões da Assembleia Le­gislativa de rejeição de contas de governadores não podem ser questionadas na Justiça. Como se trata de um julgamento político/administrativo não pode ter o seu mérito questionado. Neste caso, o Poder Judiciário só entraria se existir a chamada ofensa ao processo legal, ou seja, se o réu não tiver condição ou for impedido de exercer sua ampla defesa no julgamento. “Se o Legislativo seguir corretamente o que manda a Cons­tituição, dando o direito de ampla defesa, uma vez ajeitada, não há instância na Justiça que mudaria tal decisão.”

Irregularidades apontadas pelo TCE nas contas de 2010 do governo Alcides Rodrigues

1 — O não repasse de recursos finan­cei­ros do Poder Executivo aos demais Poderes do Estado, Tri­bu­nais de Contas e Ministério Público para pagamento das despesas com pessoal e encargos sociais no mês de dezembro de 2010, conforme prevê as Constituições Estadual e Federal. Segundo TCE, o ocorrido implicou transtornos de ordem social e econômica às famílias dos servidores públicos do Estado e ao comércio em razão das festas natalinas e de ano-novo.

2 — Descumprimento das regras cons­ti­tu­cionais de repartição obrigatória das receitas tri­butárias com os municípios, porquanto hou­ve repasse a menor em 0,61%. No exercício de 2010, o Estado repassou aos municípios, a tí­tulo de destinações tributárias cons­ti­tu­cionais, o valor de R$ 2.234.314.790,051, tendo sido constatado um repasse a menor de R$ 13.682.186,06, equivalente a 0,61%, posto que o valor devido aos municípios era de R$ 2.247.996.976,57.

3 — Infringiu a Lei de Respon­sa­bilidade Fiscal (LRF) em quatro pontos:

a) quociente da situação financeira: demonstrando superávit financeiro de R$ 8,957 milhões em cuja apuração se considera, no realizável, um saldo de R$ 908,091 milhões, referentes aos créditos de contri­buições previdenciárias, para os quais o Estado é também devedor. Dessa forma, ao desconsiderar as contribuições previdenciárias o Estado apresentaria déficit financeiro.

b) quociente do resultado dos saldos financeiros: demostrando déficit de R$ 438,084 milhões, em contrapartida ao superávit de R$ 161,570 milhões encontrado em 2009, demonstrando queda crescente e significativa de 2007 a 2010 e evidenciando, em 2010, gastos orçamentários e extraorçamentários maiores que as disponibilidades arrecadadas. Esse quociente atingiu 0,74, verificando-se uma queda crescente e significativa de 2007 a 2010.

c) quociente do resultado da execução financeira negativo em 2010: demonstrando elevadas despesas orçamentárias e extraor­çamentárias sem os devidos recursos. Esse quociente atingiu 0,98, que indica elevada despesas sem os devidos recursos.

d) quociente da execução orçamentária deficitário em R$ 667 milhões: As receitas e despesas previstas na Lei de Diretrizes Orça­men­tárias foram R$ 12,433 bilhões e R$ 10,822 bilhões, respectivamente. No entanto, o Estado obteve uma receita de R$ 13,899 bilhões e uma despesa de R$ 14,566 bilhões, resultando em um déficit na execução orçamentária de R$ 667,400 milhões. Esse quociente atingiu 0,95.

4 — Descumprimento do parágrafo 5º do artigo 100 da Constituição Federal, pela ausência de controle dos precatórios pendentes de pa­ga­mento, apresentados até o dia 1º de julho de ca­da exercício, cujos valores devem ser con­si­de­rados na mensuração da dívida consolidada.

5 — Descumprimento do disposto no inciso IV, artigo 158, da Constituição Estadual, que determina a aplicação de 0,25% da receita de impostos em pesquisa agropecuária e difusão tecnológica. No exercício de 2010, essa aplicação representou 0,11%, ou seja, 0,14% abaixo do determinado.

Impropriedades apontadas pelo TCE nas contas de 2010 do governo de Alcides rodrigues

1 — Inconsistências contábeis e procedimentos inadequados que afetaram a evidenciação do patrimônio do Estado nas demonstrações financeiras do exercício de 2010. Os erros na escritura contábil refletem negativamente nas análises, na mensuração dos índices e na apuração das disponibilidades, prejudicando a visualização real da real situação financeira do Estado. Houve evidência de fragilidade nos controles de bens, direitos, haveres e obrigações do Estado.

2 — Omissão na classificação das disponibilidades por fonte de recursos no Demonstrativo da Dis­po­ni­bi­lidade de Caixa, infringindo ao preconizado pelo inciso I do artigo 50 da LRF. O demonstrativo visa dar transparência ao montante disponível para fins da inscrição em restos a pagar, demonstrando se o ente possui liquidez para arcar com seus compromissos financeiros.

3 — Reincidência no descumprimento de pendência da execução do convênio firmado com a Agetop para cumprimento dos índices relativos ao exercício de 2008 na educação, com 14,75% de obras executadas em 2010 e na saúde, com 4,37% de obras executadas no mesmo ano. Nas duas áreas, educação e saúde, não foram cumpridas as recomendações feitas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).